O mundo das probabilidades
Uma nova lente para a estratégia corporativa
Vivemos em uma era em que a única certeza é a incerteza. Pandemias, guerras, mudanças climáticas, rupturas tecnológicas e oscilações econômicas expõem, diariamente, a fragilidade de qualquer previsão. Apostar em certezas, no século XXI, é como atravessar uma montanha de olhos vendados, a cada passo, o risco de queda aumenta.
A questão central é: por que ainda insistimos em planejar como se o futuro fosse uma linha reta, quando ele mais se parece com um emaranhado de possibilidades?
O improvável como regra
No mundo dos negócios, o improvável deixou de ser exceção. É justamente ele que destrói gigantes e cria novos líderes.
• Kodak tinha a certeza de que o futuro da fotografia seria o filme. Ignorou a própria invenção da câmera digital e desapareceu.
• Nokia dominava o mercado de celulares com mais de 40% de market share. Estava convicta de que hardware era suficiente. Veio a Apple, com um improvável modelo baseado em software e ecossistema, e mudou o jogo.
• Blockbuster acreditava que o futuro era o aluguel físico de DVDs. Recusou comprar a Netflix por US$ 50 milhões. O improvável venceu, e a empresa virou lembrança.
• Yahoo recusou comprar o Google em 1998 por US$ 1 milhão, acreditando já controlar o futuro da internet. Hoje, é apenas nota de rodapé da história digital.
Mais recentemente, vimos Tesla, desacreditada no início, ultrapassar gigantes centenários da indústria automobilística. E o TikTok, vindo da China, desafiar as maiores plataformas americanas e dominar a atenção global.
O improvável, no fim das contas, é o que mais acontece.
A lógica das probabilidades
Pensar em probabilidades não significa renunciar a estratégia. Significa reconhecer que o mundo não é determinístico, mas um jogo de cenários.
As empresas que prosperam não são as que preveem o futuro com precisão, mas as que se preparam para múltiplos futuros possíveis.
Isso exige três mudanças de mentalidade:
1. Planejamento dinâmico – Planos deixam de ser escrituras sagradas e passam a ser hipóteses testáveis. Estratégia vira ciência experimental: hipóteses, experimentos, ajustes.
2. Risco como ativo – O risco deixa de ser inimigo e passa a ser matéria-prima da inovação. Startups só existem porque alguém aceitou um risco improvável.
3. Decisão probabilística – A pergunta deixa de ser “isso vai dar certo?” e passa a ser: “quais são as chances de dar certo e o que podemos ganhar ou perder em cada cenário?”.
Quando a certeza vira armadilha
O erro fatal de muitas empresas foi confundir solidez com imutabilidade. Quanto mais convictas estavam de suas certezas, mais frágeis se tornaram diante do inesperado.
O que destrói empresas não é a falta de inteligência, mas a incapacidade de questionar suas próprias verdades. A Kodak não quebrou porque não sabia de tecnologia. A Nokia não caiu por falta de engenheiros. A Blockbuster não faliu porque não entendia de entretenimento. Todas sucumbiram porque estavam aprisionadas em suas certezas.
Um exemplo pessoal
Na minha trajetória como líder, aprendi que mostrar vulnerabilidade não é sinal de fraqueza, mas de inteligência estratégica. Houve momentos em que, diante da equipe, precisei dizer com clareza: “eu não sei a resposta agora, mas vamos aprender juntos”. Em um mundo onde tudo muda tão rápido, fingir certezas seria irresponsável. O que fortaleceu a confiança não foi ter todas as respostas, mas a disposição de construir o caminho em conjunto.
A pandemia foi um dos maiores exemplos disso. Nenhum manual, consultoria ou benchmarking poderia preparar líderes e empresas para aquele cenário. Todos, sem exceção, fomos lançados na mesma incerteza. Tivemos que reaprender a trabalhar, a nos relacionar com clientes e a repensar prioridades de negócio. Não vencemos pela previsão, mas pela capacidade de adaptação coletiva.
Outro aprendizado foi perceber que os limites entre setores praticamente desapareceram. O concorrente que ameaça a sua empresa hoje pode vir de qualquer lugar. Um banco digital passa a oferecer produtos de saúde, uma empresa de tecnologia cria soluções logísticas, um aplicativo de transporte vira carteira digital. As fronteiras se dissolveram, e o improvável tornou-se o padrão.
Essa experiência me ensinou que liderança não é sobre ditar certezas, mas sobre cultivar a coragem de navegar no desconhecido, com a humildade de aprender junto e a flexibilidade de mudar de rota quando necessário.
Perguntas para líderes que querem abraçar as probabilidades
• Se o meu cenário mais provável não se concretizar, quão preparado estou para o segundo e o terceiro mais prováveis?
• Estou criando modelos de negócio resilientes ou apenas frágeis castelos de previsões?
• Minha empresa pensa em termos de certezas… ou já se abriu para a lógica das probabilidades?
A boa estratégia, daqui para frente, não será a que desenha o futuro perfeito, mas a que constrói organizações capazes de sobreviver e prosperar em múltiplos futuros.
O futuro não é um ponto fixo no horizonte. É uma nuvem de probabilidades em constante movimento. Cabe às empresas decidir: vão tentar aprisionar o incerto em planilhas, ou aprender a navegar nele com inteligência, flexibilidade e alma?