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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

A rede é potente: para mim, para você e para mundo

Como o poder da rede te ajuda a comprar ingresso de última hora, achar as melhores palestras e ainda mobilizar pessoas para gerar impacto positivo no mundo


23 de março de 2023 - 15h36

(crédito: Amy E. Price/GettyImages)

“Ainda dá tempo de ir”? Perguntei para uma amiga experiente em SXSW, uma semana antes do evento começar. “Dá, mas tem que correr. Vou te ajudar”, respondeu. Em poucos minutos, ela me conectou a uma pessoa que tinha desistido de ir e me vendeu o ingresso a preço de custo, me incluiu em um grupo de whatsapp com centenas de brasileiros a caminho de Austin e me convidou para uma comunidade exclusiva de mulheres. Ela me deu acesso a rede – maior ajuda que poderia receber. Nessa rede, nenhuma pergunta ficava sem resposta, dia sem programação ou problema sem solução – tinha apoio para encontrar objetos perdidos, informações em tempo real sobre tamanho das filas, se aquela palestra que já tinha começado valia ou não a pena ou qual a melhor aposta de foodtruck para o almoço. Existia mentalidade de abundância, cooperação e liderança descentralizada. Redes são potentes e sentimos seus benefícios em momentos triviais, como o de se organizar de última hora para um grande evento, até os mais complexos e desafiadores, como combater a fome ou lutar contra o preconceito. Não por coincidência, as sessões que mais me impactaram abordaram mobilização coletiva e força da comunidade.

Na sessão de abertura, em conversa com Laurie Santos, Simran Jee, educador e autor do best-seller “The light we give”, contou sobre sue experiência de confronto ao preconceito crescendo no Texas como, em suas palavras, um “garoto Sikh, de pele escura, barba e usando um turbante.” Em um dos episódios, ele e sua família foram impedidos de entrar em uma pista de patinação pelo gerente do lugar. Sua mãe se ausentou por um tempo e voltou chorando. “Ela contou o que estava acontecendo aos pais de nossos colegas e, fazendo isso, convidou a comunidade a se importar conosco. Deu a eles a chance de fazer algo”. “Somos tão sortudos por fazer parte de uma comunidade que se importa conosco”, ouviu de sua mãe naquele dia.
Ele descreveu que ver seus colegas e professores saírem do local para apoiá-los foi muito marcante. Ele entendeu pela primeira vez o que era solidariedade e a potência do sentimento de pertencimento.

Na sessão de Jose Andres, “The Stories We Tell Can Change the World”, o que mais me marcou foi ouvir como o poder da rede pode ajudar em grande escala quem precisa. Jose é o fundador do World Central Kitchen (WCT). Eles agem como uma espécie de “primeiros socorros alimentares” em zonas extremas de perigo e conflito. Na entrevista, foi questionado como conseguia chegar tão rápido nesses locais. A WCT foi uma das primeiras a chegar na Turquia após o terremoto, por exemplo. Em 2 dias estavam servindo comida e água aos refugiados sírios e turcos. Ele respondeu que não era ele quem chegava, era a rede. Jose afirmou que a WCT era a maior cozinha do mundo porque, se necessário, todas as cozinhas do mundo podiam ser acionadas. “Enxergo tudo e todos como recursos no combate à fome, só que eles não sabem ainda. Quando o momento chega, nos conectamos rapidamente às lideranças locais, que ativam esses recursos através de um convite: “você pode ajudar a alimentar pessoas com fome perto de você?” Sim – é a resposta que recebe na maioria das vezes ao fazer um convite com propósito claro. Todos querem fazer parte de uma forte mobilização coletiva. “Eu não sou nenhum gênio. Com a rede local ativada, o restante é execução e logística”, falou.

O modelo aparentemente simples que Jose Andres descreve para atuar em situações complexas se fundamenta na teoria da rede, que combina mobilização coletiva, delegação de responsabilidades e descentralização de liderança. As respostas chegam rápido, porque a WCT aproveita recursos locais, se adapta em tempo real e se baseia na premissa de que as soluções serão lideradas e construídas localmente. A teoria de rede é uma ferramenta poderosa e pode ser usada para diversos fins. Não nos faltam exemplos de seu mal uso – o fenômeno das fakenews é um dos mais óbvios. Felizmente, o que vimos no palco foi um belo exemplo de teoria aplicada para gerar impacto social positivo em larga escala.

Trabalho há mais de 10 anos vivenciando a potência da rede e a força dos relacionamentos construídos com base em propósito comum e senso de comunidade. Quando vejo exemplos como esses, reafirmo minha crença de que poucos sistemas são tão resilientes quanto o de atuação em rede e nada é tão forte como generosidade para construção de comunidades.

Essas não são teorias distantes e de aplicação complexa. A parte principal é identificar o propósito com capacidade de mobilizar e gerar impacto positivo. Fazer os convites é apenas o segundo passo e não nos faltam tecnologias, recursos e ambientes que facilitam estas conexões. O SWSW é um deles.

Esse ano, uma rede foi criada entre os brasileiros presentes em Austin. Me surpreendi com a rapidez e potência das conexões que fiz em poucos dias. Fazendo as perguntas que me movem, me conectei a pessoas que, de certa forma, aceitaram meus convites. “Me ajuda a combater o desmatamento e criar uma economia regenerativa na Amazônia?”; “Me ajuda aumentar a renda e dignidade de milhares de mulheres no Brasil?”. A teoria da rede é linda e ao acioná-la com intenção positiva, a inteligência coletiva generosamente me devolveu um mapa de possíveis caminhos e novas soluções que, sem dúvida, não chegaria sozinha. Contatos, ideias, indicações de livros, palestras, negócios etc. Minha crença por trás do conceito de open innovation passa por teoria de rede e pela ideia de construir em comunidade.

Após viver o que vivi, proponho uma reflexão: pense nos convites que fez ou recebeu nos últimos dias. Quais deles se conectam com o impacto positivo que você quer gerar no mundo? Quais tem potencial de construir ou já estão construindo mobilização em rede? Quais tem potencial de te conectar com uma comunidade engajada? Uma das minhas partes favoritas da teoria é que ela empodera o indivíduo, pois redes potentes são criadas a todo momento por pessoas que decidem fazer ou aceitar um convite para fazer parte de algo maior. A velocidade do efeito cascata é diretamente proporcional a força do propósito e ao engajamento dos elos da rede.

Simran também falou do ciclo virtuoso da generosidade: “Dar e receber, dar e receber, dar e receber”. Sem dúvida, voltar para casa e colocar em prática tudo que aprendemos não é fácil. Porém, para os que tiveram o privilégio de estar em Austin nos últimos dias, mais que um grupo de whatsapp ativo, já começamos a construir algo maior: diversas redes que crescem, se tornam mais inclusivas e criam vários centros atuando independentes e conectados pelo propósito de gerar impacto positivo em nosso país. Esse é o convite que aceitei. Vamos juntos?

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