Marcas têm o poder de combater a infelicidade?
Índices de pessoas infelizes ao redor do mundo só crescem, aponta estudo da Gallup – e profissionais de marketing de três segmentos diferentes tentaram responder qual é o papel das empresas nisso
Índices de pessoas infelizes ao redor do mundo só crescem, aponta estudo da Gallup – e profissionais de marketing de três segmentos diferentes tentaram responder qual é o papel das empresas nisso
Isabella Lessa
10 de março de 2024 - 22h38
Estresse, tristeza, raiva e preocupação – sentimentos que juntos ou isolados podem levar a um estado de infelicidade – estão ganhando espaço significativo na vida das pessoas ao redor do mundo.
Tal mapeamento é realizado anualmente pela consultoria de pesquisas Gallup. A edição mais recente do estudo Global Emotions Report, lançado em 2023, apresentou um gráfico no qual a curva de sentimentos – ou experiências negativas, conforme sinaliza o estudo – vêm escalando desde 2016.
Essa crise em torno da infelicidade vêm capturando a atenção de profissionais de marketing como os três que participaram do painel “Building Brands in the Unhappiness Era”.
Cada um deles representa um tipo de segmento: Ben Goodwin é cofundador, CEO e formulador da Olipop, refrigerante à base plantas e prebióticos; Stacy Greiner, CEO da DailyPay, plataforma financeira que permite aos funcionários acesso antecipado aos salários; e Andrea Port, vice-presidente de markting integrado da Spanx, fabricante de meias-calças e roupas íntimas femininas e masculinas.
O trio foi conduzido por Mark Lester, cofundador e CSO da Squint Consulting, cuja missão é, justamente, ajudar as marcas a entregarem felicidade e bem-estar aos consumidores – e que, não por mera coincidência, tem Olipop e DailyPay entre seus clientes.
Cada um dos executivos trouxe a própria perspectiva sobre os motivos que estão trazendo infelicidade às pessoas. A de Goodwin, do Olipop, tem cunho mais pessoal. Depois de ele ter passado toda uma infância à base de uma dieta norte-americana pouco saudável, decidiu mudar de hábito aos 14 anos, quando perdeu cerca de 22 quilos graças a uma combinação entre alimentação saudável e exercícios físicos.
A reviravolta o fez mergulhar em estudos sobre o microbioma humano e maneiras de encontrar bem-estar. Índices de doenças ligadas à má alimentação dos norte-americanos, ressaltou ele, estão diretamente ligados à infelicidade, pois provoca doenças e mina a capacidade de as pessoas serem resilientes e terem qualidade de vida.
“Sob uma perspectiva neuroquímica, é claro que se o corpo não tiver alguns elementos, não será capaz de aproveitar a vida”.
Stacy, da DailyPay, falou sobre como a insatisfação das pessoas com o trabalho e a instabilidade financeira são fatores que deixam as pessoas infelizes. “É um ciclo de estresse sobre o aqui e agora, mas também sobre o longo prazo. Como vai ser minha vida, minha carreira daqui a tantos anos?”. Além disso, ela comentou sobre o crescimento da gig economy, que oferece ainda menos esse senso de estabilidade.
Já Andrea, da Spanx, admitiu que a indústria da moda, historicamente, vendeu a ideia de que a felicidade estaria num produto que faria a pessoa feliz e bonita. De uns anos para cá, no entanto, essa lógica mudou, já que a premissa é a de ser útil no dia a dia de – no caso da Spanx – mulheres que estão fazendo malabarismos entre a vida pessoal e profissional.
“A rotina das pessoas é completamente estressante e esse nível de felicidade está despencando. Há 20 anos, a Spanx vendia para mulheres confiantes e agora, como indústria, estamos tentando sobreviver”, afirmou.
Para os painelistas, as marcas devem ajudar as pessoas a alcançarem a melhor versão de si mesmas, seja no modo como se sentem, seja na aparência ou no desempenho profissional. E o caminho para entregar isso é construir um time de funcionários que se sinta bem.
“A autenticidade e a eficácia da marca importa muito. Há dois jeitos de construir uma empresa. Uma é identificar um espaço em branco, uma tendência, para entrar ali e ganhar dinheiro. Ou você mergulha no problema humano real, que geralmente é mais bagunçado e profundo”, opinou Goodwin.
A indústria em que a Olipop atua vale US$ 42 bilhões somente nos EUA e, portanto, é desafiadora, já que, os refrigerantes convencionais tem 98% de penetração nos lares do país.
“O refrigerante é algo muito poderoso, porque esteve presente desde sempre nos aniversários das pessoas, nas férias de verão na casa da avó. É uma conexão emocional e mostra que uma marca pode validar as identidades dos consumidores. Isso aqui é cool e não vai te matar”, observou.
Stacey, do DailyPay, ressaltou que é importante que a empresa defina seu propósito e o aplique em toda organização, em vez de ter pressa de lançar uma campanha para promover esses valores. “Encorajo os profissionais de marketing a serem agentes de mudança de suas companhias”, pontuou.
No caso da Spanx, teria sido fácil colocar uma celebridade à frente de uma campanha para mostrar como o produto é ótimo, mas o fato de ouvir as consumidoras e mostrar uma certa dose de realidade na comunicação, é a melhor estratégia a ser seguida, explicou Andrea.
Diante do consenso de que lucro nada tem a ver com felicidade, Lester questionou os três profissionais se a felicidade faz bem para os negócios. Stacey foi categórica em sua resposta: o estresse financeiro corresponde ao desperdício de US$ 4,7 bilhões a cada semana nos EUA.
Ben, da Ollipop, lembrou que Coca-Cola e Dr. Pepper foram criadas no século 19 como marcas de saúde e assim se mantiveram por seis décadas. Até que, a partir dos anos 1940, deixaram as farmácias de vez. “São drug dealers consistentes, você cresceu com eles. São a parte de sua identidade e seu cérebro se ilumina como uma árvore de Natal quando toma a bebida deles, que é hiper estimulante”, disse.
Mas o sucesso dessas marcas, salientou, tem a ver com o prazer momentâneo proporcionado – e não com a felicidade verdadeira.
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