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SXSW

Quando foi a última vez em que você chorou e por que?

Charles Duhigg lança oficialmente seu novo livro Supercommunicators no SXSW 2024


14 de março de 2024 - 14h20

Hoje tive que fazer essa pergunta para uma completa estranha que estava sentada ao meu lado em um dos auditórios do SXSW. “Quando foi a última vez em que você chorou e por que?” Confesso que no começo foi bem difícil. Estava muito barulho, pois todos os presentes na plateia tiveram que fazer exatamente o mesmo, se virando para a pessoa sentada ao seu lado e fazendo a mesma pergunta. E tinha também o idioma não nativo, a vergonha, enfim, um caos. Logo de cara, rolou essa estranha sensação de fazer uma pergunta tão íntima e profunda para alguém que você não sabe quem é. Mas quer saber como eu me senti no final dessa dinâmica? Eu conto. Mas só no final do texto.

Antes, vou contar aqui quem foi o doido que propôs essa experiência e porque ele fez com que estranhos trocassem perguntas profundas entre si. Charles Duhigg é o famoso autor do best-seller “O Poder do Hábito” que fez muito sucesso no Brasil também. Ele lançou o seu novo livro, “Supercommunicators”, oficialmente no Southby”. Duhigg comentou sobre como vivemos em um mundo congestionado de comunicação, onde todos podem se comunicar com todos, o tempo todo, por diversos canais, de muitas formas. Porém, esse excesso faz com que a gente tenda a superficializar tudo. E essas “transações comunicacionais” acabam acontecendo de uma forma cada vez mais frugal, fazendo com que as relações humanas fiquem mais frágeis e distantes. Mas qual seria o antídoto para isso então? Tentarmos manter conversas mais profundas com as pessoas. Em vez de perguntar sobre fatos, pergunte sobre como as pessoas se sentiram ou se sentem em relação a algo. Em vez de perguntar “com o que você trabalha?” tente perguntar “o que você mais ama no que você faz?”. Em vez de perguntar “o que você estudou?” tente perguntar “como a faculdade moldou quem você é hoje?”.

O autor deu ainda mais uma dica que ele aprendeu a fazer nas entrevistas que faz para sua coluna no New York Times. Ele disse que sempre levava perguntas muito fechadas e que com o tempo começou a fazer uma mesma pergunta de abertura para os entrevistados: “que pergunta você ainda não foi perguntado e que gostaria de ter sido?”. E ele percebeu que os entrevistados então sugeriam perguntas que ele jamais imaginaria fazer para eles.

Para ser um bom comunicador, que sabe manter diálogos cativantes e mantém relações interpessoais mais profundas, você precisa ser, antes de tudo, um bom ouvinte. Duhigg contou que existe um ciclo de três etapas que pode ajudar a treinar nossa atitude em conversas para mostrar que estamos de fato praticando a nossa escuta ativa. E que reduz em 80% o risco de conflitos e situações de atrito entre as pessoas. Ele chamou de “o ciclo do entendimento”, que começa com você fazendo perguntas profundas. Depois de ouvir a resposta, sumarize o que você escutou comentando com a pessoa. E então pergunte se você entendeu corretamente. Isso vai fazer com que a pessoa se sinta valorizada e realmente escutada. Me parece que o desafio aqui é cumprir as três etapas de uma forma leve para que toda conversa não pareça uma reunião de briefing e debriefing.

O autor contou sobre um caso que ocorreu na Nasa quando a agência começou a realizar missões espaciais que passariam a durar meses em vez de alguns dias como eram até então. Com isso, eles se deram conta que precisariam garantir que os astronautas que participariam dessas missões precisariam ter muita inteligência emocional e soft skills específicos para se relacionarem por tanto tempo em condições extremas. Para investigar como seria isso e ajudar a selecionar e treinar os astronautas, a Nasa contou com o apoio de um psiquiatra com PhD chamado Terry McGuire que sugeriu um tipo de processo de entrevista que começava com um experimento muito simples. McGuire entrava na sala em que o entrevistado o aguardava e, de forma proposital, deixava cair no chão alguns papéis que estava segurando. E ainda dava uma gargalhada, dizendo que “como eu sou estúpido”. E então, ele analisava como os entrevistados reagiam e o que diziam diante do ocorrido. Alguns candidatos se constrangeram mais que outros, uns foram mais julgadores do acidente enquanto outros se compadeceram em ajudar e entraram no mesmo mood, também rindo e confortando o psicólogo. A partir desse experimento, ficou muito mais claro que tipo de pessoa seria mais propícia passar seis meses encapsulado em uma caixa de metal no espaço — e com qual você não passaria cinco minutos conversando.

Bom, agora você deve estar querendo saber como eu me senti ao final da constrangedora experiência de fazer uma pergunta profunda para uma completa desconhecida — assim como ela teve que fazer o mesmo com um completo estranho. Curiosamente, eu me senti muito bem ao final do breve papo de quatro minutos. Passado aquele momento de constrangimento e tremedeira, o que fica é uma sensação de cumplicidade e empatia que impressiona dada a velocidade com que ela acontece. Duhigg ainda brincou que deveríamos praticar mais isso, entrando num táxi e perguntando “qual foi a última vez que você chorou e por que”. Seria uma situação bastante curiosa. Se você fizer, por favor filme para eu assistir depois. Mas claro que ele estava brincando pois podemos fazer dezenas, centenas de outros tipos de perguntas mais profundas para pessoas que estamos conhecendo ou que queremos nos tornar mais próximos e íntimos. Em vez de mantermos apenas “conversas de elevador” que não vão nos levar muito longe como espécie.

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