Assédio no trabalho: educação e transparência são chaves para o combate

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Assédio no trabalho: educação e transparência são chaves para o combate

Quando o ambiente de trabalho se torna hostil às mulheres, as empresas precisam investir em letramento e canais de denúncias transparentes


1 de setembro de 2023 - 12h38

“Raiva. Nojo. Impotência. Medo. Humilhação”, foram alguns dos sentimentos mais comuns entre as entrevistadas pela pesquisa “O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho” realizada pela Think Eva, consultoria de equidade de gênero para empresas, em colaboração com o LinkedIn. O assédio possui raízes profundas originárias do nosso legado colonial, que influenciou a percepção da mulher como mera figura doméstica, desprovida de capacidade intelectual ou de direitos profissionais. “Ainda hoje o ambiente empresarial é extremamente hostil, violento, exclusivo e perigoso para as mulheres”, afirma Fayda Belo, advogada especialista em crimes de gênero.

Neste contexto, o assédio se apresenta como um problema multifacetado. No assédio moral, a pessoa é submetida a um ciclo de exclusão e humilhação. Já o assédio sexual assume tons ainda mais sombrios. Frequentemente, homens em posições hierárquicas superiores se aproveitam de seu poder para coagir mulheres a cederem a avanços sexuais indesejados em troca de benefícios profissionais. “Os assediadores tentam obter uma vantagem sexual, mas quando recebem uma negativa, muitas vezes, partem para um assédio moral, dizendo coisas como ‘eu vou te queimar no mercado ou vou impactar sua carreira’”, destaca Nana Lima, co-fundadora e diretora de impacto da Think Eva.

Vale destacar que, conforme esclarece a entrevistada, a violência psicológica também é considerada crime. Essa perspectiva torna evidente que o problema vai além do assédio sexual, abrangendo um espectro mais amplo de violência de gênero e abuso de poder. Portanto, o assédio no ambiente de trabalho não pode ser analisado apenas como incidentes isolados, mas como sintomas de estruturas de poder desequilibradas que precisam ser confrontadas.

De acordo com a pesquisa da Think Eva, 47% das mulheres entrevistadas afirmam ter sido vítimas de assédio sexual em algum momento de suas carreiras. Nana Lima enfatiza que as vítimas dessas violências são frequentemente mulheres negras, de classes sociais mais baixas e das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Isso se deve à desproporcionalidade de poder entre a vítima e o agressor, o que torna a denúncia uma tarefa intimidante e arriscada.

AMBIENTE DE IMPUNIDADE 

Existem duas razões principais que dificultam a denúncia de assédio no ambiente de trabalho. Primeiro, a hierarquia corporativa que cria um receio de represálias caso a denúncia seja feita. Em segundo lugar, a falta de um ambiente propício para combater o assédio. Quando as empresas não têm políticas sólidas de combate ao assédio, as vítimas podem se sentir silenciadas. A pesquisa também revelou que uma em cada seis mulheres opta por pedir demissão devido a situações de assédio. Apenas 5% delas buscam auxílio junto aos recursos humanos ou à gestão, apontando para uma preocupante cultura de impunidade e desconfiança.

“Temos relatos de um diretor que assediou algumas mulheres numa empresa e foi transferido para o cliente sem explicar o motivo, sem dizer que era por conta de assédio. Nesse caso, é esperado que essa pessoa continue com o mesmo comportamento em outros ambientes, porque você não usou aquele acontecimento para romper com o ciclo. Logo, o agressor segue impune”, relata Nana Lima.

Nana Lima é cofundadora e diretora de impacto da Think Eva (Crédito: Divulgação)

IMPACTOS PESSOAIS E INSTITUCIONAIS 

A inércia e a falta de medidas concretas contribuem para a perpetuação do ciclo de assédio. No campo pessoal, muitas vítimas sofrem em silêncio, resultando em avaliações de desempenho em declínio, estagnação nas carreiras e mal-estar no ambiente de trabalho. Além disso, essas situações induzem sentimentos debilitantes e impactos negativos na saúde mental.

Entre os sintomas mais comuns, destacam-se a ansiedade, o medo e a depressão, afirma Nana Lima. A pesquisa ainda destaca sentimentos de desânimo e cansaço, diminuição da autoconfiança, afastamento de colegas de trabalho, redução da autoestima e até sentimento de culpa. “Precisamos entender que nunca é culpa da vítima e que nada justifica uma violência dessas. Não justifica se o agressor bebeu na convenção de fim de ano, se era viagem de trabalho ou se a mulher estava vestindo tal roupa. O único denominador comum em casos de assédio é o assediador”, destaca a consultora.

Entretanto, as consequências se estendem para além da esfera pessoal das vítimas. O ambiente organizacional também sofre um impacto significativo, tornando-se tóxico e prejudicando a produtividade e o bem-estar geral dos funcionários. Ademais, a impunidade perante situações de violência acarreta prejuízos institucionais, como alta rotatividade e investimentos desperdiçados em treinamentos e capacitações. 

Hoje, existem novas abordagens para o combate ao assédio, como a implementação de requisitos para financiamento de empresas, investidores e ingresso na bolsa de valores, que enfatizam a necessidade de treinamentos de combate ao assédio. Além dos custos tangíveis, como multas e taxas, empresas podem enfrentar uma erosão da reputação e perda de investidores devido a escândalos de assédio. Desse modo, as empresas são desafiadas a examinar as falhas sistêmicas que podem ter permitido que o assédio persistisse. 

COMBATENDO O ASSÉDIO 

No contexto das relações de trabalho, emerge uma linha tênue que não deve ser ultrapassada: a fronteira entre o profissional e o íntimo. Esta linha demarca o que é aceitável em um ambiente laboral e o que constitui assédio. Quando um comportamento perturba uma mulher, essa fronteira é cruzada, assim, o reconhecimento desse incômodo é crucial, ressalta Fayda Belo.

Porém, é fundamental considerar o papel central que as empresas desempenham nesse cenário. A advogada enfatiza que simplesmente explicar o que é assédio não é suficiente, as empresas devem criar um ambiente que resolva os problemas de maneira efetiva. Isso requer um comprometimento para enfrentar a questão com seriedade e em conformidade com as leis vigentes. A Lei Emprega Mais Mulheres, por exemplo, insta as empresas a terem equipes internas dedicadas a tratar de questões de gênero e a promover cursos de educação para conscientizar e prevenir o assédio.

A educação desempenha um papel vital na erradicação do assédio, ao mesmo tempo em que fomenta um ambiente ético e empoderador. Juntamente aos times, é importante treinar todos os funcionários sobre o que é aceitável e inaceitável no ambiente de trabalho. Isso inclui ensinar a diferença entre consentimento e agressão, além de conscientizar sobre as nuances do assédio e o que consiste em assédio moral e micro agressões.

“Quando eu falo em evitar [o assédio], eu falo em investir em educação, para que este homem, que de uma forma histórica tinha a falsa ideia de que a mulher era uma coisa, um objeto, entenda que ela tem o direito de estar ali. E caso ele não respeite, terá que responder como réu conforme determina a lei”, reflete Fayda.

Fayda Belo, advogada especializada em crimes de gênero (Crédito: Divulgação)

Fayda Belo, advogada especializada em crimes de gênero (Crédito: Divulgação)

PAPEL DA LIDERANÇA

O combate ao assédio demanda esforços coordenados de várias frentes, destaca Nana Lima. Isso envolve sensibilizar funcionários, capacitar líderes e transformar a cultura organizacional. Neste ponto, é fundamental o envolvimento dos líderes que devem adotar uma postura de total intolerância às violências. Dessa forma, treinamentos específicos para a liderança são cruciais.

A gestão também deve estar pronta para acolher vítimas e entender como funciona o processo de denúncia. Isso inclui orientar os subordinados sobre como denunciar, como o processo se desenrola e garantir que a vítima saiba que sua denúncia será tratada com confidencialidade e seriedade. Uma abordagem inadequada pode, inadvertidamente, piorar a situação.

Além da liderança, outros grupos também desempenham um papel vital na prevenção do assédio. Isso inclui o departamento jurídico, compliance e gestão de pessoas. Contudo, a advogada Fayda Belo enfatiza que a empresa precisa possuir mecanismos internos eficazes, como uma ouvidoria e comissões de apuração, para ouvir as vítimas, investigar e agir de forma transparente. Essas respostas não apenas demonstram apoio à vítima, mas também servem de exemplo para desencorajar futuros casos de assédio. 

CANAL DE DENÚNCIAS 

Nana Lima também ressalta a importância de um canal de denúncia externo, neutro, sigiloso, pois, muitas vezes, os canais internos podem ser ineficazes devido ao medo de retaliação ou à falta de conhecimento sobre sua existência. O canal de denúncia deve ser claro e separado de outras questões, como corrupção. A transparência é crucial para criar um ambiente onde as vítimas se sintam seguras para denunciar.

Quando questionada sobre como as empresas podem responder a casos de assédio, a advogada sugere que as respostas devem variar de acordo com a gravidade do incidente. A abordagem deve ser feita caso a caso e de forma minuciosa, considerando a gravidade do assédio. Uma abordagem proativa e preventiva é fundamental para combater o assédio no local de trabalho. Ao investir na sensibilização da liderança, na educação de todos os funcionários e na implementação de procedimentos claros de denúncia, as empresas podem criar ambientes mais seguros, protegendo seus funcionários e cultivando uma cultura de respeito e igualdade. 

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