Branca Vianna: uma carreira transformada pelos podcasts  

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Branca Vianna: uma carreira transformada pelos podcasts  

A fundadora e presidente da Rádio Novelo largou a trajetória de intérprete simultânea e professora para apostar na produção de narrativas sonoras que se tornaram referência na indústria e entre os ouvintes


5 de setembro de 2022 - 13h07

Branca Vianna é fundadora e presidente da Rádio Novelo, uma das principais produtoras de podcasts do Brasil (Crédito: Divulgação)

Da interpretação simultânea aos podcasts, o áudio sempre esteve presente na vida de Branca Vianna. Além de ser a voz que traduzia palestrantes estrangeiros em grandes eventos do Brasil e do mundo por mais de 25 anos, a carioca tem uma relação íntima com narrativas sonoras desde a época do walkman, em 1990. “Quando viajava, comprava vários audiolivros em fita cassete. Adorava. Depois veio o CD e, com a internet, passei a baixá-los. Aí surgiram os podcasts e mudaram tudo.” 

Trinta anos depois, os podcasts mudaram também sua carreira. Sua voz virou símbolo importante da indústria em 2020, quando narrou e idealizou Praia dos Ossos, sobre o assassinato da socialite Ângela Diniz a tiros pelo então namorado Doca Street, réu confesso, numa casa de praia em Búzios. O sucesso da produção, que trouxe à tona o machismo estrutural do Brasil, foi mais um acerto da virada profissional de Branca, que, em 2018, aos 56 anos, decidiu parar de dar aulas de interpretação simultânea na PUC-Rio, onde lecionou por mais de uma década, para fundar a Rádio Novelo ao lado da jornalista Paula Scarpin e da pesquisadora e tradutora Flora Thomson-DeVeaux. 

Apesar de sempre ter ouvido podcasts, mesmo quando ainda não eram populares, a executiva, formada em Letras, diz que consumir o formato era apenas uma maneira de se entreter e de treinar línguas de trabalho, habilidade importante para intérpretes simultâneos como ela era até então. Com os programas de outros países, conta, é possível entender gírias, sotaques e se atualizar sobre fatos políticos e cultura pop locais. Por isso, quando começou a atuar na universidade carioca, logo adotou o formato. “Você pode estar num congresso de banco, de medicina, do que for, mas em algum momento o palestrante de outra nacionalidade vai fazer uma gracinha para quebrar o gelo e você vai precisar entender o que está acontecendo no país dele.” 

Foi o fascínio de Paula Scarpin e Branca Vianna por podcasts que abriu espaço para o formato na revista Piauí, onde a jornalista trabalhava como repórter, e o marido de Branca (o documentarista João Moreira Salles) atuava como publisher. Paula tentava emplacar projetos de áudio no veículo há um tempo, desde quando o formato era pouco conhecido no Brasil. Ela e Branca já se davam bem e conversavam sobre o desafio. Foi o podcast de política Foro de Teresina, hoje um dos mais ouvidos do país, que a fez tirar seu desejo do papel. A produção viria a ser feita pela Rádio Novelo mais tarde. 

Enquanto isso, Branca fazia o pitch do Maria Vai com as Outras para a revista, sobre mulheres, trabalho e vida afetiva, que apresentaria depois. As duas acabaram convencendo veículo a produzir os dois programas. Era o início da paixão de ambas em trabalhar com o formato. Pouco tempo depois, elas fundaram a Rádio Novelo, uma das principais produtoras de podcasts do Brasil.  

A empresa, que se destaca pela qualidade técnica e narrativa de suas produções, já foi responsável por 29 podcasts próprios e para clientes que, juntos, alcançaram mais de 28 milhões de downloads. 

 

Justiça no Brasil e o poder das mulheres

Quando reflete sobre o que leva a Rádio Novelo a fazer sucesso, Branca atribui à imersão da equipe da produtora em toda série que se inicia. “Não sabemos fazer podcast em três meses. Precisamos de muito tempo, porque não é apenas sobre fazer entrevistas, editá-las e colocar uma música boa. É isso também, mas há todo um período necessário de pesquisa e de compreensão do tema para entendermos direito o que pensamos sobre aquilo e o que iremos apresentar ao nosso público. O Projeto Querino, por exemplo, levou dois anos e sete meses para ficar pronto”, conta. 

O Projeto Querino é o último lançamento da produtora e traz o que ela chama de “olhar afrocentrado” sobre a história do Brasil. A produção passou todas as semanas de agosto no topo das paradas do Spotify e Apple Podcasts. Nada surpreendente para uma série original da Rádio Novelo, que em 2020 lançou Praia dos Ossos, sua primeira, e logo se consolidou no estilo narrativo de podcasts em língua portuguesa, com quase 3 milhões de downloads em dois anos. O tema do assassinato de Ângela Diniz veio à tona em uma conversa de Branca com Paula sobre crimes que marcaram sua infância. 

“Enquanto produzia Maria Vai com as Outras, Paula escreveu uma matéria sobre Elize Matsunaga, que assassinou o marido, herdeiro da indústria de alimentos Yoki. Não gosto de acompanhar esse tipo de história, porque me deixa triste e me dá medo, então não conheço muitas, mas começamos a falar sobre crimes e compartilhei o caso da Ângela, pois me marcou muito quando era menina e ainda representou a virada do movimento feminista.” 

De fato, o assassinato da socialite foi uma motivação para as feministas das décadas de 1970 e 1980 combaterem a violência contra as mulheres e mobilizarem a opinião pública em torno do caso. Na época, elas se estruturaram nacionalmente para falar com autoridades e com a justiça, o que Branca enxerga como a constituição de um movimento formal, grande e importante no Brasil. “Elas conseguiram. Todos os advogados e juízes com quem conversamos para o podcast falaram que o segundo julgamento do Doca Street aconteceu devido à atuação das feministas. Então, de certa forma, foi uma vitória. Quando Paulinha ouviu essa história, teve interesse pelo caso, pois não conhecia e gosta de cobrir crimes, mas também porque é feminista. Percebemos ali que a narrativa daria um super podcast.” 

Elas sabiam que a produção não poderia ser feita pela revista Piauí, pois eles não teriam equipe, orçamento e interesse em fazer algo do tipo naquele momento. Foi a oportunidade, então, para a Rádio Novelo ser fundada. “Pensamos ‘quer saber? Por que não criamos nossa própria empresa para contar as histórias que queremos?’ Já estávamos loucas para ter podcasts narrativos seriados no Brasil, então foi assim que começamos e estamos aqui”. 

A repercussão do podcast e a morte do assassino de Ângela dois meses após seu lançamento inspiraram outra produção original da Novelo, também apresentada por Branca Vianna: Crime e Castigo, sobre o que é a Justiça no Brasil. Ele foi lançado neste ano e, segundo ela, foi o mais difícil que já fez, justamente por ser uma consequência espontânea do Praia dos Ossos. 

“Quando o Doca Street morreu, recebemos muitas mensagens sobre como a justiça tinha sido feita, sobre como era absurdo ele ter vivido solto por mais de 40 anos. Muitos diziam que o Brasil era o país da impunidade, que infelizmente não existe pena de morte aqui. Ficamos intrigadas com essa reação dos ouvintes, porque o réu foi condenado, cumpriu sua pena na prisão, como a sociedade pede dele. E sabemos que prisão no Brasil não é um passeio no parque. Não podemos dizer que ele tenha ficado impune, mas as pessoas ainda estavam incomodadas. Resolvemos, então, fazer algo com isso.” 

Inicialmente, a ideia era produzir um episódio bônus do Praia dos Ossos, que teria conversas com juristas para entender o que as pessoas queriam dizer com aqueles comentários. No entanto, elas logo estavam com dois anos de trabalho, várias entrevistas e um certo labirinto, segundo Branca. “No começo, não tinha um fio condutor. Queremos sempre que o ouvinte passe de um episódio para outro, mas essa série tinha histórias muito difíceis. Conversamos com famílias de vítimas, com as próprias vítimas, ofensores, facilitadores… são depoimentos muito tristes e duros. Então foi um desafio fazer com que tudo aquilo fizesse sentido na cabeça do ouvinte, ou seja, que ele acabasse de ouvir a série com uma sensação de completude. Demorou até que tudo se decantasse na nossa cabeça.” 

Além do podcast Crime e Castigo, a produtora lançou este ano o original Tempo Quente, sobre o que está por trás da crise climática. Desde 2019 até agora, a Rádio Novelo também produziu originais para serviços de streaming como Globoplay (A República das Milícias) e Spotify (Retrato Narrado, Vidas Negras e Boletos Pagos com Nath Finanças), além de ser a responsável pela produção dos podcasts da revista Piauí, como o Foro de Teresina, da revista Quatro Cinco Um e de diferentes organizações, como Repórter Brasil. 

 

Tendências e futuro dos podcasts

Para Branca, a indústria do podcast no Brasil mudou completamente nos últimos anos, cresceu e representa uma ótima oportunidade de parcerias com anunciantes. Ela acredita que o início da Rádio Novelo contribuiu para essa profissionalização do mercado, mas entende que ainda há muito chão pela frente. 

“Passamos de uma coisa totalmente amadora para algo bastante profissional. Há muitas produtoras boas hoje em dia e gente capaz de produzir tudo quanto é tipo de podcast. Tem de tudo, e a mídia mais tradicional também já está produzindo no formato. Mas falta o mercado publicitário brasileiro entrar mais firme nessa indústria. Ainda há poucos patrocinadores de podcasts aqui, tanto pelo lado das marcas e das agências, que ainda não entenderam direito o que fazer com o formato, como por parte dos próprios podcasts, que são um pouco desorganizados. As marcas ainda ficam tontas e acabam desistindo e indo para as mídias mais tradicionais. Mas acho que parece ser o futuro. Nos Estados Unidos funciona muito bem.” 

A ficção também é um grande desafio da indústria para a executiva, que enxerga uma lacuna no gênero, no Brasil e no mundo. “É tudo muito aleatório. A mesma produtora pode fazer um muito bom e outro lamentável. É muito difícil produzir ficção. Um dos motivos, acho, é que você precisa ter atores que saibam interpretar em áudio. Além disso, não pode ser só um filme sem imagem, não vai funcionar. Não pode ter muita sonorização, como se você estivesse filmando uma cena e colocando efeitos sonoros em cima. Não vai resolver. É uma outra maneira de escrever roteiro, atuar e sonorizar. E eu pelo menos ainda não ouvi nada incrível. Mas acho que é a próxima fronteira. As radionovelas faziam muito sucesso. Então acho que ainda há um mistério a ser resolvido aí de escrita e produção”. 

Outro ponto de atenção para Branca é o público desse tipo de mídia, que, para ela, ainda está muito concentrado no Sul e no Sudeste do país. “Ainda não atingimos muito o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. Temos muito público para conquistar. Não sei se outros podcasts alcançam mais essas regiões, mas gostaria que a Rádio Novelo tivesse mais ouvintes desses lugares.”  

Apesar dos inúmeros desafios, que também passam pelo financiamento do gênero no país, a executiva é muito otimista. “O mercado tem que crescer muito, pois ainda é pequeno. Mas as plataformas estão entrando cada vez mais no Brasil, e isso vai ampliar as oportunidades de trazermos mais podcasts para as produtoras. Temos muitos talentos, em especial diversas mulheres se destacando nessa indústria, inclusive na área técnica. Há muita gente nova e boa por aí.” 

Branca fala ainda sobre a importância dos podcasts para a democratização da informação e da influência, e para a inclusão de histórias e grupos minorizados diversos. “Há uma barreira de entrada baixa. Você pode fazer uma superprodução, como a Praia dos Ossos, que envolve quarenta pessoas e vai levar dois anos, mas pode também produzir seu podcast com um celular, com qualidade boa e um software gratuito. Isso permite uma diversidade maior. Claro, você precisa ter uma boa estratégia de rede social para isso, mas há muitos talentos que conseguem isso hoje. É mais fácil do que criar uma rede de televisão. Todas essas ferramentas, como o podcast, dão oportunidades para pessoas que não têm as portas abertas.” 

 

Sucesso, privilégio e plenitude

Quando pensa sobre sua trajetória profissional, Branca logo menciona seu privilégio de berço e de família. “Sou uma mulher bem-sucedida, mas a verdade é que sou, antes, uma pessoa muito privilegiada. Não acho que teria todo esse sucesso se tivesse nascido pobre. Eu nasci branca, de uma família de elite do Rio de Janeiro, e casei com um homem que tem o mesmo perfil. E, se você nasce na elite branca brasileira, não precisa ser um gênio. Tive todas as oportunidades na vida e mais algumas. Todas as vezes em que tropeçava, eu estava amparada. Mais privilegiada que eu, só se fosse homem.” 

Ao refletir um pouco mais, ela fala sobre como associa seu sucesso à maternidade e à Rádio Novelo. “Sou daquelas que realmente sempre quis ter filhos, minha vida inteira. Nunca tive dúvidas. Eu me considero uma boa mãe, e meus filhos, que hoje têm mais de 30 anos e são maravilhosos, também. Isso é muito sucesso para mim. Profissionalmente, a Rádio Novelo e as pessoas que trabalham lá também representam uma vitória. É uma equipe muito boa e talentosa. Se eu me aposentar agora, ela vai continuar fazendo exatamente o que faz e melhorando a cada ano. Ou seja, a produtora já é independente e é meu maior orgulho.” 

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