CX além do CRM: aprendizados sobre vínculo e relevância
Nas periferias, a experiência do cliente pode transformar não só o consumo, mas realidades

(Crédito: Shutterstock)
Em um cenário em que empresas disputam a atenção do consumidor a todo custo, fica uma pergunta no ar: o que, de fato, é oferecer uma boa experiência ao cliente, construir relevância e gerar vínculos reais?
Não é raro ver empresas apostando milhões em estratégias de personalização online e offline, mas o que elas chamam de “personalizado” muitas vezes passa longe de ser pessoal. Hoje, um dos maiores desafios, especialmente das empresas, é tratar o consumidor como único sem reduzi-lo a um conjunto de dados. Nesse sentido, organizações sociais das periferias podem oferecer respostas que o mercado ainda não encontrou, criando experiências reais todos os dias. Sem buzzwords. Sem ferramentas de IA e principalmente eficiência e retornos positivos.
Longe dos grandes centros comerciais e ainda com poucos ou nenhum recurso tecnológico, as ONGs e projetos sociais que atendem a periferia operam sob outra lógica: a da escuta ativa, da constância, do vínculo humano. O “cliente”, mais do que um perfil de persona em um dashboard de CRM, carrega consigo também uma história, a tão conhecida “jornada do cliente”, que pela organização é tratada como a chave para oferecer o serviço. Com isso, é preciso conhecer aspectos profundos da sua realidade e vivência. Desde saber que esse cliente é uma mãe que perdeu o emprego, um jovem com baixo a acesso a oportunidades ou uma avó que cria os netos sozinha.
Para isso, as ONGs utilizam do acolhimento como primeira e decisiva etapa na jornada do usuário, que pode ser desde a criação de uma recepção física que funciona como porta de entrada para aproximação a comunidade, como uma profissional empática nesse local estrategicamente posicionada para estabelecer esse vínculo.
Já a “centralidade no cliente”, por exemplo, tão celebrada nos eventos de marketing, ganha um novo significado na prática cotidiana das periferias, uma vez que colocar o outro no centro não é estratégia, é necessidade. De acordo com o estudo da Edelman Trust Barometer 2023, a confiança é hoje o principal fator para a fidelização de clientes, superando preço e qualidade. Construir confiança é o único caminho possível, especialmente ao atuar com impacto real em territórios vulnerabilizados.
Por isso, a experiência começa no primeiro contato ser recebido com respeito, ser escutado com atenção, ser lembrado pelo nome. Elementos simples, mas que fazem completa diferença tanto entre consumidores ou atendidos. Segundo pesquisa CX Trends 2023, 87% dos consumidores dão preferência para marcas que oferecem uma boa experiência, e 75% dizem fazer isso mesmo que precisem pagar mais caro. Esse dado, embora do setor privado, traz uma perspectiva importante de que as pessoas retornam aos espaços e a marcas onde se sentem vistas, acolhidas e valorizadas.
As organizações sociais também estão na vanguarda desse movimento, já que não esperam que seu público “converta” espontaneamente. Muitas vezes, precisam ir até ele. Isso significa percorrer becos, bater em portas, iniciar conversas com quem ainda não reconhece que precisa de apoio. Um processo semelhante ao da prospecção ativa no marketing, que também é guiado por métricas que vão desde a identificação de vulnerabilidades na região, até acesso a oportunidades, mas tendo o cuidado e empatia como foco.
Isso é fundamental, especialmente em um país onde mais de 59 milhões de pessoas vivem na pobreza, segundo série histórica do IBGE, e as periferias e favelas figuram com maior população nessas condições com a ausência de políticas públicas e acesso a direitos e oportunidades que as vulnerabilizam ainda mais. Nesse sentido, o acolhimento, cuidado, escuta ativa e direcionamento são um vislumbre de esperança e ponte para oportunidades em meio as inúmeras desigualdades que eles enfrentam. A relação estabelecida no contato contínuo entre a organização e o atendido. Seja por meio das visitas domiciliares regulares ou das orientações diretas e claras para auxiliar o “cliente/atendido” na busca por regularizar uma documentação, por exemplo. É o contrário do imediatismo, é a persistência.
Nesse contexto, o próprio marketing de influência acontece a partir de uma lógica considerada até mesmo antiquada, o famoso “boca a boca”. Essa forma orgânica de validação tem força porque é baseada em experiências autênticas. E fideliza porque gera pertencimento, não dependência. Segundo a Nielsen (2023), 92% dos consumidores confiam mais em recomendações de amigos e familiares do que em qualquer tipo de propaganda.
Aliás, esse é um ponto em que organizações sociais e algumas empresas prestadoras de serviço se aproximam: o sucesso da jornada do cliente não está na sua permanência indefinida, mas na sua conclusão bem-sucedida. Assim como acontece nas organizações do terceiro setor, onde autonomia é o maior indicador de impacto, há empresas que entendem que sua missão é ser um meio, e não um fim. Quando um jovem conquista seu primeiro emprego, quando uma mãe alcança estabilidade ou uma família deixa de depender de uma cesta básica, a jornada não apenas se encerra, mas por vezes se reverte na indicação e no próprio apoio e fidelização.
Estratégias como a personalização, adotada amplamente pelas organizações sociais, é mais do que recomendar produtos com base em histórico de navegação. É compreender o contexto, enxergar a história, adaptar a linguagem, respeitar o tempo de cada um, entendendo que algumas sutilezas não são captadas somente pelos dados.
A verdade é que experiência do cliente não se constrói somente com boas campanhas, mas com escuta e presença. E não há tecnologia que substitua isso. Nas periferias, onde as ausências do Estado e do mercado são sentidas diariamente, o cuidado genuíno vira estratégia de sobrevivência e, justamente por isso, de excelência.
Se há um campo onde se pode aprender sobre experiência real, é a partir dos projetos que nascem nas periferias e que utilizam da inovação e criatividade para subverterem as adversidades. É hora do mercado olhar para esses territórios não apenas como alvos de consumo, mas como fontes de inovação que têm muito a contribuir. Nas periferias, a experiência do cliente revela outra potência: a de transformar não só o consumo, mas realidades.