Envelhecer sem filtros: criadoras de conteúdo desafiam o etarismo
Influenciadoras começam a enfrentar o etarismo enquanto constroem novas narrativas sobre o processo de envelhecimento
Envelhecer sem filtros: criadoras de conteúdo desafiam o etarismo
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Lidia Capitani
25 de junho de 2024 - 13h23
Maíra Medeiros começou a produzir conteúdo online para o seu canal no YouTube em 2015, aos 31 anos, chamado “Nunca Te Pedi Nada”, que agora completa 9 anos. “Muitos se surpreendiam ao saber que eu tinha mais de 30 anos e estava começando uma nova carreira. No início, fazer aquilo naquela idade era vista como um sinal de coragem, mas com o tempo e conforme fui ficando mais velha, especialmente após os 35, a percepção mudou”, conta a influenciadora, que hoje tem 40 anos.
Em seu canal, ela discutia questões sobre feminismo e o que significava ser mulher. Mesmo jovem, ela já recebia questionamentos sobre sua idade e o conteúdo que produzia, ou, ainda, a cor de cabelo que usava. Questionamentos que não eram feitos para homens na mesma faixa etária que ela, mesmo que produzissem conteúdo infantil. “Já para mim, questionavam por que jovens assistiam ao meu conteúdo sobre feminismo e questões sociais”, lembra.
Pela experiência da influenciadora, a criação de conteúdo digital é vista como uma coisa de “gente jovem”, e isso se materializa nos comentários que criadores de conteúdo, como Maíra, recebem. “Aos 35 anos, especialmente durante a pandemia, percebi que minha imagem estava sendo associada negativamente à idade, como se eu não pertencesse mais à internet”, diz.
O culto à juventude é onipresente em todas as esferas da sociedade, por isso mesmo, não seria diferente no âmbito do conteúdo online. Ele é ainda mais perverso no campo da beleza, onde há a cultura de apagar os sinais do envelhecimento dos rostos femininos. Ser uma influenciadora digital de beleza após os 40 anos é estar na linha de frente da batalha contra o etarismo.
“Quando você olha para o mundo da beleza, vê sempre rostos jovens e esticados, e isso pode fazer você começar a ver imperfeições em si onde não existem”, reflete Rosângela Silva. Hoje, ela é dona da sua própria marca de beleza, a Negra Rosa, mesmo nome do seu blog e canal no YouTube, que desde 2010 ensina tutoriais de maquiagem e beleza para mulheres negras.
Aos 45 anos, e como dona de uma empresa, Rosângela não abandonou os tutoriais de maquiagem. “Não é porque a pele não está mais tão esticada que não podemos nos maquiar. Devemos enfrentar essa ideia. Não é fácil, especialmente nas redes sociais, onde a juventude é predominante”, afirma. Para a empreendedora, entretanto, encaixar-se num padrão de beleza nunca foi possível.
“Como mulher negra, estou fora do padrão, com nariz largo e olhos não esticados. Sempre estive fora. Modificar-me para caber em um lugar que não me aceita plenamente nunca funcionaria”, reflete.
Num mundo regido por selfies, filtros e celulares que editam fotos automaticamente, a pressão estética atinge a todos, principalmente mulheres. Entretanto, as exigências e mudanças são distintas entre as faixas etárias.
Joanna Moura começou na internet em 2011, quando criou seu blog “Um Ano sem Zara”, como uma forma de diminuir seu consumismo. De maneira despretensiosa, ela postava as roupas que usava para trabalhar, mas logo a página repercutiu e ganhou notoriedade. Além da pele, seja sua cor ou o aspecto, o cabelo também se torna objeto de escrutínio sob as lentes do etarismo. Isso ficou claro para Joanna quando ela começou a expor seus cabelos brancos em fotos.
“Foi interessante porque a preocupação das pessoas parecia vir de um lugar de interesse na minha vida, mas também refletia o etarismo estrutural da sociedade, que assume que uma mulher só mostra seus cabelos brancos por alguma razão específica, e não simplesmente por escolha”, lembra Joanna.
O etarismo online não se manifesta apenas nos comentários do público, mas também na relação com as marcas. Com o envelhecimento e a exposição dos cabelos brancos, Joanna também percebeu que as marcas que a procuravam mudaram. “Recebi propostas de marcas de cuidados com cabelos brancos e de cuidados com a pele, e até clínicas de estética oferecendo tratamentos. Por mais que o envelhecimento não seja uma preocupação minha, isso não impede que o mercado tente impor isso.”
Enquanto para algumas o etarismo online pode ser benigno, para outras, vira uma ferramenta para o ódio. Maíra Medeiros sempre foi reconhecida pelos seus cabelos coloridos, mas quando começou a se aproximar dos 40 anos, a recepção da sua imagem foi diferente. “As críticas frequentemente se baseavam na minha aparência, como ter 35 ou 36 anos e cabelos coloridos, ou pelo fato de ainda estar ativa no YouTube”, conta.
Após um episódio específico, quando a influenciadora postou um vídeo de paródia referente ao momento político conturbado que o Brasil vivia, houve uma onda de respostas negativas de pessoas que usaram sua imagem e idade para atacá-la. “Antes, eram uma ou outra pessoa falando, mas depois a maioria das minhas notificações eram de pessoas me atacando e usando minha idade como arma”, lembra.
Foi um momento muito difícil para a youtuber. Os ataques afetaram sua autoestima, somados ao tratamento contra diabetes e aos sinais de ansiedade e depressão que passou. “Nesse processo, fechei meu Twitter, porque precisava mudar minha interação com a internet. Aprendi a me proteger e a continuar no mundo digital, adotando a mentalidade de que, assim como em um bar onde você ignora um bêbado chato para aproveitar com seus amigos, eu poderia fazer o mesmo na internet.”
A busca insistente pela juventude eterna não afeta apenas a saúde mental; é um problema de saúde pública. O foco excessivo em certos padrões de beleza leva pessoas a recorrer a procedimentos estéticos perigosos, haja vista as notícias de fatalidades decorrentes de intervenções como balão gástrico, peeling de fenol e o famigerado Ozempic. “É cruel como o padrão de beleza nos faz arriscar nossas vidas. Deveríamos estar lutando para quebrá-lo, mas vejo que muitos tentam se encaixar nele, e isso me preocupa muito”, defende Rosângela Silva.
Cris Paz começou seu primeiro blog em 2007, na época em que era conhecida como Cris Guerra. “Cartas para Francisco” surgiu após a morte repentina do seu marido, enquanto ela estava grávida do seu primeiro filho. Logo depois, Cris começou outro blog, “Hoje Vou Assim”, um dos primeiros de “look do dia” do Brasil. Se naquele tempo seu conteúdo focava na moda, com o passar dos anos, outros temas surgiram no feed da influenciadora.
Para quem envelhece publicamente na internet, as passagens e mudanças da vida ficam nítidas no conteúdo. Do mesmo modo que alguns repudiam os sinais de idade, há quem busca criar novas narrativas para a passagem do tempo. “Evito tratar o envelhecimento de uma maneira que reduza minha vida apenas a isso”, afirma Cris. “Os assuntos que me interessam, como a participação das mulheres no mercado de trabalho após os 50 anos, o cabelo branco e a menopausa são temas que naturalmente fazem parte da minha pauta.”
Karol Pinheiro ingressou no universo do conteúdo online quando era estagiária da revista Capricho, aos 20 anos. Com o reconhecimento online que teve no veículo, logo começou a produzir conteúdo para suas próprias redes, profissão que segue até hoje, vinte anos depois. A influenciadora sempre compartilhou muitos momentos de sua vida em seu canal no YouTube, de viagens ao casamento e à maternidade.
Porém, há alguns anos, ela tem abordado outro tema em seus vídeos: o envelhecimento. “Hoje, me sinto muito mais feliz e satisfeita do que quando tinha dez anos a menos. Sou mais sábia e tenho mais autoconhecimento. Então, para mim, envelhecer é algo que eu realmente amo e aprecio”, comenta. Além de assumir esta visão positiva sobre o envelhecimento, Karol também enxerga novas oportunidades neste tipo de conteúdo.
“Do ponto de vista estratégico e comercial, considerando que meu trabalho me sustenta financeiramente, vejo um grande potencial no público 50+, que ainda é pouco explorado na internet. As mulheres acima dos 50 anos estão financeiramente estabelecidas, têm clareza sobre o que querem, consomem e gastam”, afirma.
Para Rosângela Silva, da Negra Rosa, ser um exemplo é um dos passos para mudar a narrativa do envelhecimento. “A importância de ter mais mulheres de 45, 60, 70 anos falando sobre diversas coisas é enorme. Às vezes as pessoas pensam que só podemos ensinar culinária, mas também nos vestimos bem e cuidamos do cabelo. Quanto mais mulheres assim falarem, mais referências teremos sobre o envelhecimento”, aponta.
Expor o envelhecimento não é uma tarefa qualquer. Requer um nível de autoconhecimento e desconstrução, mas também pode ser libertador. “Falar sobre isso abertamente tem sido terapêutico para mim e se tornou um dos temas principais do meu conteúdo. Tento ser o mais verdadeira possível ao compartilhar as questões pelas quais estou passando, e isso ressoa com muitas pessoas que me seguem”, afirma Joanna Moura.
Apesar de algumas respostas negativas, mostrar os cabelos brancos foi um processo importante para a criadora de conteúdo, e levantou debates importantes sobre o que significa “envelhecer bem”. “Olhamos para figuras públicas que têm acesso a todos os tipos de tratamentos estéticos, nutricionistas e tudo mais, e dizemos: ‘Olha que incrível essa mulher de 50, 60 anos’, mas por trás dessa frase estão dizendo que ela parece ter 30”, questiona Joanna.
Precisamos mudar nossa visão sobre o que significa envelhecer de maneira saudável. “Devemos tratar esse processo como uma parte natural e valiosa da vida, o que tornaria tudo muito mais suave e integrado. Precisamos discutir abertamente sobre temas como a menopausa e reconhecer que a vida sexual e o entusiasmo não se extinguem com a idade”, reflete Cris Paz.
Para além das pressões estéticas, Karol Pinheiro também fala sobre as pressões de adotar novas tecnologias e plataformas. “Por exemplo, com a popularidade do TikTok, sinto uma pressão para me adaptar e criar conteúdo para essa plataforma”, afirma. “Não acho que criadores de conteúdo precisam estar em todos os lugares o tempo todo. No entanto, sou muito fiel a quem sou e não vou forçar nada que não me represente”, continua.
Assim, ela constrói sua própria narrativa como criadora de conteúdo, e não pretende parar só porque está envelhecendo. “Pensa comigo: nós seremos as mulheres 50+ no futuro. Você acha que vamos parar de usar a internet e voltar a depender só da televisão para decidir o que comprar? Claro que não! Vamos continuar consumindo conteúdo online. Então, quando me perguntam o que farei no futuro, a resposta é simples: exatamente o que estou fazendo agora”, responde Karol.
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