Mulher: Acessório de luxo
A naturalização da mulher como adorno em situações cotidianas não apenas limita seu papel, mas também reduz sua presença a um objeto de contemplação
A naturalização da mulher como adorno em situações cotidianas não apenas limita seu papel, mas também reduz sua presença a um objeto de contemplação
22 de novembro de 2024 - 16h32
Todos os dias, a caminho do trabalho, passo por um empreendimento imobiliário de luxo na zona oeste de São Paulo, e sempre me causa algum desconforto perceber, em frente ao local, três mulheres de vestido branco segurando ramos de balões dourados.
Recentemente, o trânsito me fez parar ali por alguns minutos, e eu tive a oportunidade de investigar um pouco mais sobre por que a presença daquelas mulheres me parecia inadequada. Confesso que demorei para me dar conta de que o trabalho delas era compor aquele cenário.
Nos minutos que se seguiram, notei que elas não entregaram balões para crianças, nem recepcionaram carros importados que estavam chegando, até porque ali havia manobristas e uma recepcionista. Elas só estavam ali, de pé, segurando balões. Aliás, os manobristas — eram cinco — claramente comentavam sobre uma delas; sorrindo, se cutucavam e olhavam fixamente para o vestido branco.
Confesso que estudar o mercado de luxo sempre foi um hobby; aliás, todos os produtos que são lidos como símbolo de sucesso pela sociedade me interessam profundamente. Esses produtos ou serviços me parecem muito mais interessantes pelo que dizem sobre a natureza das nossas relações do que pela sua qualidade, design ou exclusividade.
“O que você precisa ter, onde você precisa estar para se sentir especial?” Essa pergunta sempre me interessou, porque, mais do que coisas, as pessoas compram cultura. E usar a figura feminina como enfeite no meio da rua, em 2024, fala tão alto sobre cultura que é impossível ignorar. Uma mulher bonita em um vestido branco é uma mulher ou um acessório? Diferente das celebridades que emprestam credibilidade e estilo de vida a marcas pelo mundo todo, o que significa uma mulher desconhecida no meio da rua segurando balões?
Infelizmente, não foi a primeira vez que uma cena dessa natureza chamou minha atenção. Ao longo da minha carreira, já trabalhei em programas de TV que tinham profissionais mulheres cuja função principal era segurar o CD das atrações musicais e sorrir. O audiovisual dita cultura no mundo inteiro.
O Instituto Geena Davis se dedica a estudar as relações de gênero em programas de TV e streaming há décadas e lançou, no último mês de julho, o relatório “Behind the Scenes”. Nele, um dos dados mais díspares está na criação dos conteúdos: 3 em cada 4 criadores de conteúdo para TV e streaming no mundo são homens.
Quando associamos entretenimento e mercado imobiliário de luxo, é quase impossível não lembrar de séries de realities internacionais que mostram o dia a dia de imobiliárias pelo mundo. A imensa maioria delas inclui em seus enredos empresas chefiadas por homens e conta, nos episódios, o dia a dia de uma equipe de corretoras mulheres, cuja beleza padrão e roupas reveladoras parecem parte do job description.
A naturalização da mulher como adorno em situações cotidianas, como eventos e campanhas publicitárias, não apenas limita seu papel, mas também reduz sua presença a um objeto de contemplação, desviando o olhar de seu potencial e capacidade. É fundamental repensar essas práticas, promovendo representações que honrem a diversidade de talentos e aspirações femininas, para que mulheres façam muito mais do que segurar balões por aí.
Compartilhe
Veja também
Fernanda Carbonari: “Quando comecei, era a única mulher na sala”
A managing director da Blackhawk Network Brasil fala sobre os gift cards no mercado de games e a presença feminina nessa indústria
Fayda Belo: “A maioria das mulheres sofre violência no trabalho em silêncio”
A advogada especialista em crimes de gênero analisa os impactos da violência contra as mulheres no ambiente corporativo