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Opinião

O que aprendi com as mulheres Kayapó

O movimento poderoso de atuação política, ambiental e cultural das mulheres indígenas não é recente, mas vem ganhando força


12 de maio de 2025 - 10h09

(Crédito: Instituto Kabu)

Há pouco mais de um ano, estive com mulheres Kayapó em São Paulo, durante o Show Para as Florestas, um evento marcante que, para além da ótima música da Orquestra Brasil Jazz Sinfônica, buscou ser um espaço para debate e conscientização sobre temas como empoderamento feminino, biodiversidade e mudanças climáticas. Foi uma experiência transformadora.

As mulheres Kayapó nos ensinaram mais do que imaginávamos — sobre força, sensibilidade, coletividade e respeito à natureza. A abertura, com cânticos e danças ancestrais, foi, para mim, um chamado à reconexão e um momento em que ficou evidente que a luta por justiça climática, equidade de gênero e respeito à diversidade cultural passa, necessariamente, por ouvir quem há séculos vive em harmonia com a terra. 

Abril marcou o mês dos Povos Indígenas. Queria trazer, aqui, para a coluna, alguns dos aprendizados que tive com elas e chamar a atenção para o movimento poderoso de atuação política, ambiental e cultural das mulheres indígenas. Algo que não é recente, mas que vem ganhando força. Em 2020, o Instituto Socioambiental (ISA) registrou 92 instituições lideradas apenas por mulheres indígenas, número que saltou para 241 em 2024. Elas estão organizadas em redes como a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e protagonizam ações por justiça climática, direitos territoriais, educação e preservação das línguas e saberes ancestrais. 

A cartografia social do movimento indígena feminino, por exemplo, mostra como essas lideranças estão espalhadas por todo o Brasil, organizadas em coletivos, associações e redes que desafiam não apenas o patriarcado, mas também o colonialismo e o extrativismo predatório. Algumas das pautas levantadas pelo associativismo indígena, segundo o ISA, são saúde e educação diferenciadas e de qualidade; enfrentamento às violências contra as mulheres e em seus territórios; e valorização da alimentação tradicional e de seus modos de vida. Elas também se mobilizam com o objetivo de defender seus territórios, construindo alternativas sustentáveis, promovendo educação intercultural e ocupando espaços de decisão. E fazem isso com uma generosidade que impressiona: compartilhando saberes, acolhendo diferenças e buscando alianças. 

A conexão do Grupo L’oréal no Brasil com essas mulheres tem ganhado força. São diversos projetos que já impactaram mais de 800 indígenas desde 2021 e que vão impactar ainda mais até, pelo menos, 2026. Uma das primeiras ações foi a parceria com a Conservação Internacional, pelo qual ajudamos a tornar realidade um sonho da guerreira Tuíre Kayapó: oferecer aulas de corte e costura em aldeias no sul do Pará e norte do Mato Grosso. A iniciativa reformou e construiu dezenas de casas de costura que tornaram-se também centros de organização política, de troca de saberes e fortalecimento da identidade coletiva.  

Para além do legado deixado por esta iniciativa, o Fundo L’Oréal para Mulheres agora apoia outros projetos que promovem o acesso à educação superior, o empreendedorismo sustentável e a criação de redes de ativismo digital entre mulheres indígenas. O “Jenipapo Urucum”, por exemplo, oferece um curso preparatório pré-vestibular online voltado exclusivamente para mulheres indígenas.

Já o projeto “Raízes da Terra” capacita mulheres para liderarem associações e cooperativas, além de ajudar a promover autonomia financeira e fomentar sua inclusão no mercado de trabalho. E o “Mulheres Tech” ajuda a formar criadoras de conteúdo e ativistas digitais comprometidas com a representatividade e a voz das suas comunidades. Há ainda o “Mulheres Empreendedoras da Floresta”. 

Isso tudo é possível graças à parceria e ao trabalho de organizações que atuam na ponta, como a Associação Floresta Protegida, o Instituto Kabu, o Instituto Raoni, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a Recode, o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoíba) e a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí).  

Todas essas iniciativas têm algo em comum: partem da escuta, respeitam os tempos e os modos de vida dessas mulheres, e entendem que a floresta só se mantém em pé porque existem guardiãs, que também precisam ser protagonistas nas decisões sobre seus territórios, seus corpos, suas trajetórias.  

Essa jornada nos desafiou a olhar para nossas palavras, nossas imagens e até nossas intenções. Aprendemos que não se diz “índio”, mas “indígena”. Que não são “tribos”, mas “aldeias” e “povos indígenas”. Que não devemos falar em “empoderamento”, mas sim em fortalecimento da autonomia e participação política. E que pedir licença, inclusive para registrar uma imagem, é um ato de respeito profundo. Mais do que ajustes de vocabulário, são ajustes de consciência. Porque, como nos mostraram as mulheres Kayapó, o verdadeiro progresso está em caminharmos juntos com respeito, humildade e compromisso com um futuro que seja de todos, e para todos. 

Aproveito para deixar um convite: que tal tornar sua rede mais diversa e ampliar seus horizontes? Siga e escute essas vozes indígenas, mulheres que inspiram, lideram e transformam, independentemente de qualquer orientação política. Diversificar quem você ouve também é uma forma de construir um mundo mais justo e consciente. Abaixo, deixo uma lista de sugestões. Sei que vão faltar nomes, mas é um bom começo. 

Sônia Guajajara (@guajajarasonia)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Ministra dos Povos Indígenas do Brasil e uma das principais vozes indígenas no cenário político nacional e internacional.

Célia Xakriabá (@celia.xakriaba)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Deputada federal por Minas Gerais, educadora e ativista pela educação e direitos indígenas.

Eliane Potiguara (@elianepotiguara)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Escritora, poeta e ativista pelos direitos dos povos indígenas e das mulheres.

Vanda Witoto (@vandawitoto)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Enfermeira, ativista e liderança indígena do povo Witoto, reconhecida por sua atuação durante a pandemia de Covid-19.

Sandra Benites (@sandraarabenites)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Antropóloga, educadora e curadora de arte indígena, primeira curadora indígena do Masp.

Txai Suruí ( @txaisurui)

(Crédito: Sam Barnes/Web Summit Rio)

Quem é: Ativista ambiental e defensora dos direitos indígenas, conhecida por seu discurso na COP26.

Joenia Wapichana (@joeniawapichan)

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Quem é: Primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil e também a primeira deputada federal indígena eleita. Atualmente, preside a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), sendo a primeira indígena a ocupar esse cargo. 

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