Pequena Lo: “Agora me enxergam para além da deficiência”

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Pequena Lo: “Agora me enxergam para além da deficiência”

A influenciadora digital Lorrane Silva mostra que o humor também pode ser uma ferramenta contra o capacitismo


5 de dezembro de 2023 - 8h02

A influenciadora digital Lorrane Silva, mais conhecida como Pequena Lo (Crédito: Divulgação)

Com mais de 4 milhões de seguidores apenas no Instagram e outros 6 milhões no TikTok, Lorrane Silva não precisa de muitas apresentações. Mais conhecida como Pequena Lo, a influenciadora cativa multidões com seus vídeos humorísticos sobre situações cotidianas.  

O crescimento bombástico levou a criadora de conteúdo a ser figurinha carimbada do camarote de grandes eventos e festas, mostrando que pessoas com deficiência podem ocupar todos os espaços e, inclusive, ser capa de revista. Hoje, para além dos vídeos nas redes sociais, a Pequena Lo também é palestrante e escritora, com a autobiografia “Na dúvida, escolha ser feliz”, publicada em 2024 pela editora Planeta. 

Nesta entrevista, Lorrane conta sobre seu percurso como influenciadora digital e como ela lidou com a fama meteórica. Além disso, ela fala sobre o papel do humor na sua luta contra o capacitismo e a importância de se discutir sobre saúde mental. 

Como você vê sua trajetória, das origens ao momento atual?

Sou natural de Araxá, Minas Gerais. Nunca imaginei que eu fosse trabalhar com internet, e menos ainda que me formaria em psicologia. Inicialmente, fazer vídeos para o YouTube era apenas um hobby. Entretanto, meu público começou a crescer, e em 2016 participei da Paralimpíadas como dançarina na cerimônia de abertura.  

Durante a Paralimpíadas, conheci pessoas com deficiência de todo o mundo, o que me fez perceber que eu podia seguir qualquer caminho que quisesse. A ausência de representatividade de pessoas com deficiência no YouTube também me motivou a continuar, e em 2018 reformulei meus formatos de vídeo no Instagram e no Facebook. Em 2019, descobri o TikTok. 

A pandemia trouxe desafios, mas também oportunidades. Eu já fazia alguns trabalhos publicitários para restaurantes e lojas, mantendo uma renda. No entanto, a virada aconteceu quando, de repente, me tornei muito popular no TikTok. O que inicialmente parecia ser apenas mais um vídeo viralizado se transformou em algo mais consistente. Percebi que influenciar digitalmente poderia se tornar uma profissão. 

Mesmo recém-formada, decidi focar mais na criação de conteúdo. A psicologia, aliada à comédia, permitiu-me levar informações sobre a luta contra o capacitismo. Hoje, ocupo um espaço significativo nos eventos, revistas e locais que frequento, algo que planejei, mas não imaginava atingir tamanha proporção. 

Como foi, para você, o processo de ficar famosa? 

Na fase inicial do boom, durante a pandemia, eu estava confinada em casa devido à minha asma. Eu me dedicava intensamente à gravação de vídeos para o meu Instagram e para marcas, mas esse período teve um impacto significativo na minha saúde mental. Logo no começo, enfrentei um burnout, tive crises de pânico, ansiedade e síndrome da impostora, tudo de uma vez. Sabemos que essas situações não surgem do nada, mas, para mim, a pressão e a responsabilidade aumentaram consideravelmente ao entrar nesse novo mundo, mesmo estando em casa. 

Sabia que quem me acompanhava testemunhou meu rápido crescimento, alcançando um milhão e depois dois milhões de seguidores em um ritmo acelerado. Sempre tive um filtro sobre o que falar e postar, mas naquele momento era ainda mais crucial, e assimilar essas mudanças levou tempo. As pessoas muitas vezes subestimam as dificuldades associadas a essa trajetória, especialmente em relação à saúde mental e ao cuidado necessário para tratar dessas condições. 

O processo envolve lidar com opositores, simplesmente por existir e ocupar um lugar que nunca imaginamos. Mesmo assim, fico muito feliz com o impacto que tenho hoje. As pessoas me perguntam se tenho noção, mas a verdade é que nós, que estamos do lado de cá, os influenciadores, talvez nunca compreendamos completamente o impacto que temos. Recebemos mensagens, encontramos pessoas, mas entender a verdadeira proporção é desafiador. 

Como a comédia surgiu na sua vida? 

Desde a infância, nos vídeos que compartilho daquela época, eu já mostrava esse gosto pela comédia. Essa habilidade de fazer piadas, contar histórias e encenar sempre esteve presente em mim, uma característica que herdei do meu pai, que também conta muitas piadas. Sendo uma pessoa com deficiência, notei uma mudança na percepção da audiência conforme fui crescendo. Embora ainda haja muito a ser feito, sinto que consegui romper uma bolha. 

Quando iniciei, não havia pessoas com deficiência na internet, mas hoje isso está mudando a cada dia. Fico muito feliz, pois as pessoas estão aprendendo e convivendo com a diversidade. Nos meus vídeos, abordo situações do cotidiano, evidenciando que todos vivemos experiências semelhantes, apesar das nossas diferenças individuais.  

A inclusão não se resume apenas à acessibilidade nos ambientes, mas também à aceitação e compreensão por parte das pessoas. Meu público abrange desde crianças até idosos, sendo a maioria composta por pessoas sem deficiência. É gratificante ver que eles agora me enxergam além da deficiência, reconhecendo o meu trabalho e os meus vídeos antes de qualquer outra coisa.  

A mensagem central é que, antes da deficiência, há uma pessoa completa. Queremos mostrar diariamente que somos mais do que nossas limitações, buscando promover uma perspectiva mais inclusiva e empática na sociedade. 

Como influenciadora, você ainda enfrenta falta de acessibilidade nos eventos? 

Ainda há casos em que chegamos a eventos que, embora sejam bem acessíveis em geral, apresentam pequenos problemas, como degraus ou obstáculos que dificultam a locomoção. No entanto, noto uma mudança nesse cenário, pois enfatizo que não estou ali apenas para mim, mas também para outras pessoas que virão e precisarão dessa acessibilidade. 

Pequenos detalhes podem ser negligenciados, mas, para nós, que dependemos da locomoção acessível, são questões significativas. Se não falarmos sobre esses desafios, a inclusão pode não evoluir nos eventos e até em setores como a moda, onde vemos uma escassez de pessoas com deficiência desfilando, por exemplo. 

Os desafios persistem, pois algumas organizações podem hesitar em convidar pessoas com deficiência por receio de não oferecerem a acessibilidade necessária. É uma situação em que falta conhecimento sobre como tornar o ambiente mais acessível, mas é algo que pode ser aprendido com a prática. Reconheço que o caminho para a acessibilidade é gradual, mas é um esforço contínuo que precisamos enfrentar. 

Você também publicou recentemente o livro “Na dúvida, escolha ser feliz”, uma autobiografia. Quais foram suas motivações para escrevê-lo e sobre o que é a obra? 

No meu livro, trago um pouco da minha jornada. Embora tenha feito a escolha de ser feliz desde a infância, a obra não se limita a narrativas positivas. Exploro a ideia de que a felicidade é uma escolha que podemos fazer independentemente das circunstâncias. Quero desmistificar o pensamento de que a vida nas redes sociais é perfeita, pois todos enfrentamos dificuldades nos bastidores. Compartilho detalhes sobre minhas cirurgias e aspectos da minha saúde mental, visando criar um espaço acolhedor para quem lê e para quem possa estar passando por experiências semelhantes. 

Pequena Lo e sua autobiografia, “Na dúvida, escolha ser feliz” (Crédito: Divulgação)

Um tópico importante que abordo é a influência dos meus pais. Recentemente, me questionaram sobre a função da escola em relação ao capacitismo, e minha resposta foi clara: a educação escolar é um complemento, mas tudo começa em casa. Os pais têm um papel fundamental em moldar a mentalidade de seus filhos. Comento sobre meus pais, que, para mim, foram a base essencial na construção de quem sou hoje. A criação, a educação e o suporte deles foram fundamentais para minha autoaceitação e para que eu tivesse a autoestima que tenho hoje. Foi a partir desse alicerce familiar que aprendi sobre humanidade e influência positiva, e é algo que valorizo profundamente na minha trajetória. 

Por fim, indique três produtos culturais. 

Quero recomendar o perfil do Deives (@deives), que também é uma pessoa com deficiência, e a série “Atypical”, que aprecio bastante. O protagonista é um jovem autista, e a obra explora diversos aspectos, especialmente a luta contra o capacitismo. Acho que é uma série valiosa para assistir, pois não se limita apenas ao autismo, mas também discute a perspectiva dos pais, dos amigos e do mundo externo. Ela destaca a necessidade de as pessoas enxergarem aqueles com deficiência com um olhar diferente, quebrando a ideia de que são incapazes ou inferiores. Além disso, deixo a indicação do meu livro, onde compartilho experiências e reflexões sobre esses temas. 

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