Síndrome da impostora: um problema das mulheres ou do ambiente de trabalho?
Conceito é frequentemente usado para explicar a baixa confiança das mulheres na vida profissional, mas estudiosas apontam que o foco deve ser nas causas do fenômeno
Síndrome da impostora: um problema das mulheres ou do ambiente de trabalho?
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Michelle Borborema
22 de março de 2022 - 7h51
Em um artigo chamado Parem de falar que as mulheres têm síndrome da impostora, publicado no ano passado na Harvard Business Review, as escritoras norte-americanas Jodi-Ann Burey e Ruchika Tulshyan contam o caso de Talisa Lavarry, uma planejadora de eventos negra que estava organizando um ciclo de palestras com o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama como principal convidado.
Embora tivesse conhecimento da logística necessária para o trabalho, ela começou a ser constantemente questionada e até censurada por seus colegas em cada decisão que tomava. Começou, assim, a duvidar de que era qualificada para a função.
Aos poucos, Talisa passou a ser escanteada do projeto e teve suas responsabilidades reduzidas. Ela começou a perder confiança, passou a ter profunda ansiedade, raiva de si mesma e certeza de que era uma fraude. Chegou a pensar em suicídio.
Hoje, quando reflete sobre o que sentiu naqueles tempos, Talisa tem certeza de que não se tratava apenas de falta de confiança em si mesma, mas de um racismo e machismo estruturais presentes no mercado de trabalho. É a partir deste relato que Ruchika e Jodi-Ann fazem críticas ao conceito de “síndrome da impostora”, hoje frequentemente usado para se referir às barreiras emocionais e ao sentimento de inadequação enfrentados por muitas mulheres em suas carreiras: “A síndrome foca em consertar as mulheres no ambiente de trabalho, em vez de consertar os locais onde as mulheres trabalham”, defendem.
Mas o que é a síndrome da impostora? Como começou e se desenvolveu esse debate? E quais são as críticas pertinentes ao conceito, como as que levantam as autoras deste artigo? Saiba mais abaixo.
A origem da síndrome da impostora
Identificada pela primeira vez por duas psicoterapeutas norte-americanas em 150 mulheres de sucesso no final dos anos 1970, a síndrome do impostor (ou impostora) não se enquadra em um diagnóstico preciso. Isso já é alertado desde o início por Pauline Clance e Suzanne Imes no artigo The Imposter Phenomenon in High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic Intervention, publicado em 1978.
O que hoje se chama de síndrome é geralmente relacionado a sintomas clínicos percebidos pelas pesquisadoras nas mulheres analisadas, como ansiedade, falta de confiança, depressão e frustração. Segundo Clance e Imes, todas eram reconhecidas no mundo acadêmico e profissional, mas não tinham um “senso interno de sucesso”. Se consideravam, portanto, “impostoras”.
Popularização do conceito
Aos poucos, a expressão “síndrome do impostor”, que não é mencionada no artigo original, passou a ganhar cada vez mais força no universo acadêmico e no debate sobre a relação das mulheres com o mercado de trabalho. A pesquisadora britânica Jessamy Hibberd, por exemplo, avançou na popularização do conceito ao apontar a diferença entre a falta de autoconfiança e a síndrome da impostora. Quem sofre dessa última terá, para a autora, uma “queda inevitável”: ela sempre vai subvalorizar seu sucesso, independentemente do quanto conquiste.
Livros e palestras sobre o tema se tornaram comuns. No Brasil, o assunto tem sido abordado na imprensa e nas redes sociais, geralmente com viés de comportamento. Em 2020, a apresentadora Rafa Brites publicou o livro Síndrome da Impostora, espécie de autobiografia e autoajuda em torno do tema. No ano passado, as pesquisadoras francesas Anne de Montarlot e Élisabeth Cardoche publicaram Le syndrome d’imposture (A Síndrome da Impostora, em tradução livre), ainda sem edição brasileira. O livro traz relatos de como mesmo mulheres poderosas já se sentiram impostoras.
Ele cita o caso da ex-ministra da Saúde e filósofa francesa Simone Veil, que estava convencida de que qualquer dia a tirariam do seu cargo (“Vou cometer um grande erro e me enviarão de volta à magistratura”). Além dela, a ex-chanceler alemã Angela Merkel e a ex-primeira dama dos Estados Unidos Michelle Obama também confessaram já terem se sentido “impostoras”.
A própria produção do livro revelou a força que pode ter sobre uma mulher a dúvida e desconfiança sobre si mesma. Em reportagem sobre a obra publicada pelo jornal El País, Montarlot diz que a última vez em que se sentiu paralisada pela síndrome da impostora foi quando começou a escrever sobre ela. “Mesmo tendo muita experiência e já tendo feito mais de 100 entrevistas sobre o tema e muita pesquisa, imediatamente comecei a questionar minha habilidade para escrever este livro”, afirmou ao jornal espanhol.
Histórico familiar
Cada mulher tem seu próprio contexto de vida, mas as pesquisadoras Clance e Imes, autoras do artigo que deu início ao debate, reconheceram dois históricos familiares comuns nas participantes do estudo que desenvolveram em 1978.
O primeiro era composto por quem tinha um irmão ou um parente próximo apontado como o integrante “inteligente” da família, enquanto elas eram as “sensíveis”. Nesse caso, elas se sentiam incapazes de serem tão brilhantes como seus irmãos, independentemente de suas conquistas.
O segundo grupo era integrado por mulheres cujas famílias sempre as consideraram superiores: sua capacidade intelectual, sua personalidade, sua aparência e seus talentos. Segundo as psicoterapeutas, a obrigação de cumprir as expectativas da família e as frustrações da vida acabaram levando muitas delas a duvidarem de si mesmas.
Comportamentos comuns da “síndrome”
Além do histórico familiar, Clance, Imes e outras pesquisadoras e autoras indicaram alguns comportamentos comuns nas mulheres que apresentavam o fenômeno da impostora. Listamos aqui quatro deles.
1. Diligência e trabalho duro: O medo de que sua “incapacidade” seja descoberta faz com que a mulher estude e trabalhe muito para prevenir essa possibilidade.
2. Falsidade. Muitas das mulheres sentem uma falta de autenticidade intelectual e escolhem não revelar seus ideais ou opiniões. Elas costumam falar exatamente o que as pessoas querem ouvir.
3. Uso de charme pessoal. De acordo com as pesquisadoras, esse grupo costuma buscar reconhecimento e afeto dos superiores. Para elas, a busca pela aprovação de uma autoridade admirada não muda a percepção das mulheres sobre serem impostoras por dois motivos. Primeiro, muitas acreditam que estão sendo reconhecidas por seus superiores por outros atributos que não sua competência. Segundo, elas continuam a crer que, se fossem realmente brilhantes, não precisariam de aprovação.
4. Autoexclusão. Mulheres deixam de ocupar espaços que poderiam caber a elas. Em uma reportagem do jornal El País, um produtor de programas da Rádio Barcelona explica que tem muita dificuldade em encontrar participantes mulheres nos debates que promove. Enquanto quase todos os homens dizem “sim” aos convites, elas não se sentem capazes de abordar temas atuais que surjam nas conversas, algo comum em conversas generalistas. Muitas mulheres só se sentem à vontade para falar sobre sua especialização.
Machismo, racismo e peso nas mulheres
As escritoras Ruchika Tulshyan e Jodi-Ann Burey, após contarem o caso de Talisa Lavarry que abre essa matéria, acham que falta uma dimensão mais profunda ao debate sobre a síndrome da impostora, pois pouco se explora os motivos pelos quais ela ocorre, como os próprios ambientes profissionais.
“O impacto do racismo, classismo e xenofobia sistêmicos, além de outros vieses, sempre estiveram ausentes quando o conceito de síndrome do impostor foi desenvolvido”, argumentam Ruchika e Jodi-Ann. “Ainda hoje, a síndrome do impostor põe a culpa nos indivíduos, sem considerar os contextos históricos e culturais, que são fundamentais para entender como eles se manifestam em mulheres negras ou brancas.”
Para elas, o conceito de síndrome de impostora coloca o ônus nas mulheres. “Ambientes de trabalho continuam equivocadamente focados em buscar soluções individuais para questões desproporcionalmente causadas por sistemas de discriminação e abuso de poder”. Elas defendem que as lideranças precisam construir uma cultura que enfrenta o racismo e o viés de gênero, em vez de tentar fazer com que cada mulher lide com seus efeitos no dia a dia.
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