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Opinião

Um preto tipo A

No mês da consciência negra, reflexões de uma luta que vem muito antes de sermos considerados no budget estratégico das marcas, um problema que não será resolvido apenas com casting preto ou projetos pontuais


20 de novembro de 2023 - 9h58

(Crédito: Reprodução/Pinterest)

O ano é 2023, o mês é novembro e você não está errado, as marcas em sua maioria despriorizaram a pauta racial em suas respectivas estratégias, mesmo estando diretamente relacionada a mais da metade da população brasileira, leia-se, seus consumidores, sua audiência…

Afinal, o mundo corporativo e a publicidade teriam finalmente entendido que essa questão deve ser abordada para além do mês da consciência negra?

Não, infelizmente esse reflexo tem outras razões, sabidas, mas evitadas na mesma proporção e seguidas pelo silêncio conformista e desinteressado, inclusive de quem se mostrou aliado num passado não tão distante.

Em poucas palavras, a caneta ainda não está nas mãos dos profissionais negros, que permanecem muito distantes dos cargos decisores. Quem segue comandando a máquina tem cor e CEP, é branca e gentrificada.

O pacto da branquitude também tem as suas prioridades, se convencem e apoiam-se em justificativas convenientes para preservação do que está posto, envelopando ações pontuais com o discurso ESG, mas sem impactos significativos na ascensão e na dignidade do povo negro.

Qual é o compromisso real se ainda não temos um número significativo de profissionais negros em cargos de decisão?

Alguma doação aqui, uma promoção isolada e individual ali…é…

“Eu recebi seu ticket, quer dizer kit,

De esgoto a céu aberto e parede madeirite”

Quem é formado em Negro Drama (Racionais MC’s) não consegue se conformar, espero que entendam.

Aceitar essa realidade é um privilégio que o povo preto não tem. Se a era George Floyd acabou pra alguns, pra nós sempre é presente, e no Brasil temos uma pessoa negra assassinada a cada 4 horas, dados da pesquisa “Pele Alvo: a bala não erra o negro”, publicada em novembro de 2023.

O racismo estrutural é sofisticado e munir-se de informação, autoconhecimento e ferramentas pra manter a saúde mental é a chave pra não deixar que o sistema transforme mais um “preto tipo A num neguinho”, como cantaram Racionais MC’s em 1997 e por mais de 30 anos desenvolvem um verdadeiro trabalho social e de consciência negra.

É certo afirmar que vivemos num momento da história onde parte da população negra, empoderada (sem o esvaziamento da palavra), tem consciência das violências sofridas e tem usado esse conhecimento como instrumento de luta por uma sociedade mais justa, como ensina Francis Bacon — “Conhecimento é poder, o que eu sei se torna um empoderamento da minha existência”.

Caminho que foi pavimentado pelos que vieram antes, mas ainda muito distante do ideal. Seguimos na luta para honrá-los e pelos que virão.

Uma luta que vem muito antes de sermos considerados no budget estratégico das marcas, um problema que não será resolvido apenas com casting preto ou projetos pontuais. Como diz o ditado, “enquanto o leão não contar suas histórias, as vitórias da caça serão sempre do caçador”.

Que a máquina não nos roube a narrativa e o prumo mais uma vez, que a gente resista e siga criando, produzindo, ressignificando a dor, ganhando os créditos, os louros, o dinheiro, o direito, autoral, inclusive.

E, sobretudo, tenha consciência da realidade em que vivemos, do que somos, dos nossos valores e impacto nesse mundo.

Essa é pra você, que sabe que ser um “preto tipo A” custa caro, mas ainda assim vale a pena.

E também para os que sucumbiram na dor e desesperança, que sejam alerta para um cuidado ainda maior com o próximo.

Respeite sua história e seja gentil com o seu processo, nesse dia e em todos os outros tenha consciência de que você não está sozinho e que o conhecimento liberta.

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