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Joanna Martins conecta o mundo com produtores e sabores da Amazônia

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Joanna Martins conecta o mundo com produtores e sabores da Amazônia

À frente da foodtech Manioca, a empreendedora torna os ingredientes amazônicos acessíveis enquanto empodera quem mora e trabalha na região


30 de março de 2022 - 6h00

Joanna Martins, fundadora da foodtech paraense Manioca (Crédito: Divulgação)

Joanna Martins nasceu e cresceu no restaurante de comida paraense de sua família, que ficava na casa de sua avó, em Belém. Ela morava no prédio vizinho, mas, quando saía da escola, ia logo ao local, que considerava seu lar. Passava horas estudando no escritório, onde sua tia cuidava da gestão do estabelecimento.  

“Minha avó era uma excelente cozinheira, mas também uma ótima hostess. Ela recebia muito bem os clientes. Tanto que o nome do restaurante era ‘Lá em casa’, porque a sensação era essa, de recebermos as pessoas no nosso lar”, diz.  

Essa primeira experiência da paraense, que nasceu em 1980, foi determinante pouco mais de 20 anos depois, quando Joanna fundou a Manioca, foodtech de impacto social que busca colocar ingredientes da Amazônia no dia a dia dos brasileiros e do mundo todo.  

Foi nessa atmosfera de restaurante caseiro e empresa familiar, também, que Joamna começou a ter interesse pelo negócio. Com 14 anos, quando já estava legalmente apta a trabalhar, tirou sua carteira e foi contratada. Nesse período, ela presenciou o início de um movimento que mais tarde se tornaria comum entre grandes chefs do Brasil e do mundo: o uso dos ingredientes da região amazônica em pratos internacionais.  

“No começo, nos anos 1970, meu pai fazia a gestão do restaurante, pois era arquiteto. Depois, entendeu que poderia levar a arquitetura para a gastronomia e começou a fazer algo novo: usar ingredientes da região em pratos internacionais. A partir daí, o restaurante foi um dos primeiros lugares a apresentar ao público a cozinha da Amazônia, tanto a tradicional quanto a inovadora. Colocamos pratos como o pato no tucupi e o caranguejo nos holofotes. Isso ainda na década de 1980, quando a gastronomia brasileira ainda não estava consolidada.”  

Apesar de sua paixão pelos negócios da família no Pará, o contato constante com a agência de marketing do restaurante atraiu Joanna. Ela decidiu ir a São Paulo para fazer faculdade de publicidade, mas logo retornou a Belém. “Fiz a graduação na FAAP e voltei. Senti que estava diante de um mundo muito grandioso, de investimento altíssimo, e achava tudo aquilo muito diferente da realidade do Pará. Percebi que seria frustrada se trabalhasse com isso na minha terra natal, então voltei a dar suporte na gestão do restaurante, algo de que sempre gostei muito.”  

Quando Joanna tinha 21 anos, o pai, que, segundo ela, era muito centralizador, adoeceu. As decisões do restaurante passaram a ser adiadas. Diante desse momento difícil, que durou seis meses, Joanna decidiu agir. “Juntei todos e falei: ‘está tudo parado no restaurante, estão todos adiando tudo, mas podem falar comigo a partir de agora que vou resolver’. E assim assumi a direção do restaurante.” 

Quando o pai retornou do afastamento, Joanna enfrentou um conflito de gerações. Aos poucos, passou a entender que negócio era dele, e não dela. “Precisava construir a minha história. No começo, trabalhei em agências de publicidade. Pouco tempo depois, comecei a empreender.”  

O primeiro empreendimento de Joanna foi com uma arena de futebol de sabão. Depois, com a experiência em São Paulo e o retorno ao Pará, começou a entender o valor da Amazônia e pensava em fazer algo sobre isso. Decidiu então fundar o Amazônia Empório, loja de produtos da região, no começo de 2009. O projeto, que durou dois anos, encerrou as atividades porque Joanna e sua sócia não encontravam fornecedores para os produtos.  

Nesse meio tempo, o pai de Joanna, Paulo Martins, criou um festival para difundir a gastronomia amazônica, o renomado Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, que recebia chefs de todo o mundo. A partir daí, foi surgindo cada vez mais demanda por ingredientes amazônicos, sobretudo diante do desenvolvimento da gastronomia brasileira. Paulo, que conhecia os grandes chefs que atuavam no Brasil, começou a mandar produtos para eles pelos correios mesmo, e os pedidos informais foram ficando cada vez mais frequentes.  

Quando seu pai faleceu, Joanna assumiu o atendimento das demandas pelos ingredientes amazônicos no restaurante, mas a comercialização era vista como um favor dentro do negócio. Os chefs que eram clientes começaram a se tornar figuras importantes, como Alex Atala, Mônica Rangel e Guga Rocha, e o trabalho informal não estava mais dando conta. “Quando Atala estava no início de sua fama e começou a ser premiado, lembro que recebemos um pedido grande dele e a nossa equipe não sabia quando seria enviado, pois não era prioridade no restaurante. Ali, entendi que estávamos diante de uma oportunidade de mercado”, lembra Joanna.  

Diante dessa demanda e da vontade crescente de levar os sabores da Amazônia para o mundo, Joanna fundou o Manioca, em 2014. A ideia era ampliar a comercialização dos produtos da Amazônia para o consumidor final, e não apenas para os profissionais de cozinha. Logo, ela entendeu que também valia a pena entender o consumidor e adaptar os produtos amazônicos para a realidade de cada um.Para isso seria preciso tecnologia para desenvolvê-los e apresentá-los ao Brasil e a outros países. “Eram e ainda são muitas nuances. O chef quer o produto mais bruto, mas o consumidor final deseja um produto mais adaptado à sua realidade cultural”, diz.  

EMPREENDEDORISMO DE IMPACTO SOCIOAMBIENTAL  

Desde então, Joanna vem tornando acessível os sabores da Amazônia para o mercado nacional e para alguns países. Mas o desafio vai muito além de estratégia de negócio e de marca: na região, é preciso gerar desenvolvimento e entender o impacto nas comunidades locais.  

“O Manioca é uma foodtech, mas é sobretudo um negócio de impacto socioambiental. Sempre me incomodava a visão do restante do Brasil sobre a Amazônia, como se fossem apenas quilômetros de floresta. Temos mais de 15 milhões de pessoas na região. Precisamos valorizar o que é nosso para gerar renda aqui”, diz. Hoje, a empresa fornece produtos da Amazônia para o Brasil, Estados Unidos, França e Japão.  

A preocupação com o impacto do negócio de Joanna em toda a cadeia dos produtos que comercializa é uma realidade no dia a dia do empreendimento, que envolve sobretudo as comunidades indígenas e quilombolas locais. “Nossos fornecedores ficam no entorno de Belém, a maioria é da agricultura familiar. Ou eles têm uma matéria-prima muito boa, ou têm um produto final incrível. Estamos falando de farinha d’água, farinha de mandioca, tucupi amarelo, tucupi preto… produtos ancestrais e indígenas. Essas cadeias produtivas não são profissionalizadas, então fazemos um trabalho de desenvolvimento desses fornecedores por meio de um programa de capacitação, que chamamos de Raízes”.  

Em muitos casos, não há estrutura adequada para os fornecedores, então Joanna também dá esse suporte, que envolve a mudança da lógica social, cultural e ambiental da região. “Disponibilizamos um arquiteto especialista ambiental na Amazônia para fazer casas de farinha, onde a mandioca é transformada em farinha e derivados. Não podemos fazer uma mini-indústria, cheia de aço inoxidável. Há todo um olhar cultural e sustentável.”  

Joanna diz que o propósito do Manioca é levar os sabores da Amazônia para o mundo, mas é, também, incentivar a cultura e os processos das cadeias da região, para empoderar e gerar pertencimento. “A população passa a ver mais valor no que faz, não precisa ir para o centro urbano porque começa a ter qualidade de vida onde está. E os filhos percebem isso. Mudamos toda uma lógica. E aí, no fim do dia, preservamos o ambiente, que é nossa casa. É sobre conhecer a tradição para inovar com respeito”, completa.  

A FORÇA DA MULHER DA AMAZÔNIA  

Para Joanna, a Amazônia é muito feminina e traz muito da mulher na cultura contemporânea da região. A liderança indígena é historicamente feminina. De maneira geral, a sociedade indígena brasileira é maternalista, e não paternalista. Na cultura tradicional amazônica, os papéis são muito bem definidos. A negociação de uma família é feita pela mulher, pois o homem é quem coloca a mão na massa. Na cultura da mandioca, por exemplo, isso é muito forte. A mulher está presente no processo inicial e na comercialização. Nas etapas mais pesadas, entra o homem. São papéis diferentes. Por isso, em uma família, as discussões precisam ser feitas em conjunto. Nas grandes cidades, o cenário já é mais global e machista, mas essas referências familiares tradicionais aparecem em muitos momentos.”  

Apesar da referência, ser mulher do norte ainda traz algumas dificuldades, embora, para Joanna, elas tenham ficado mais evidentes há pouco tempo. “Meu ambiente sempre foi muito feminino e empreendedor. Tenho tia solteira, minha avó sempre foi a matriarca e se separou cedo, então meu avô nunca foi o líder. Minha mãe também é muito forte e só tenho irmãs mulheres. Acho que foi em São Paulo que notei pela primeira vez certo preconceito por ser uma mulher do norte”  

Entre cuidar do Manioca e de toda a cadeia que envolve os produtos que comercializa, além dos preconceitos de gênero que aparecem no caminho, Joanna ainda é mãe solo. “Em meio a tudo isso, tenho que cuidar do meu filho. Sou separada, e a responsabilidade é minha, não é e nunca foi uma divisão de tarefas. Há determinados momentos em que nós, como mulheres, não nos sentimos confortáveis porque ainda estamos em ambientes muito masculinos. E o ambiente corporativo, sobretudo do varejo e da gastronomia, ainda é muito dominado pelos homens. Quando vou visitar um produtor, por exemplo, são caminhos difíceis e nunca vou só, vou com outra mulher, ou um homem. São apenas mais alguns desafios, pois o propósito do meu negócio já não é fácil. Ser mulher dificulta mais. Mas estamos no movimento de tomar nosso lugar e mudar essa realidade”.  

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