Comunicação

Por dentro das mudanças no padrão de beleza da publicidade

Consultores como Cindy Gallop alertam para o retrocesso no movimento body positive e o aumento no uso de modelos criadas por IA

i 19 de agosto de 2025 - 16h49

American Eagle e Guess

(Créditos: Reprodução/American Eagle e Guess)

Com informações do Ad Age

Todo mês de agosto, Cindy Gallop folheia a edição de setembro da Vogue — considerada a bíblia fashion — e posta sua reação em tempo real no X.

No passado, a defensora de diversidade, equidade e inclusão e também consultora da indústria usou a hashtag #CarefullyCalibratedDiversity (Diversidade cuidadosamente calibrada), para se referir às tentativas óbvias das marcas de cumprir com a lista de medidas DEI, no que se trata de diversidade étnica e corporal.

Neste ano, porém, ela acredita que os profissionais de marketing abandonarão essa fachada.

“Agora, eles têm a permissão de abandonar qualquer pretensão ou tentativa superficial de diversidade”, explica Gallop, fundadora e CEO do IfWeRanTheWorld e MakeLoveNotPorn.

“Não se trata apenas de uma permissão para abandonar a diversidade — é um incentivo ativo para irem em uma direção completamente oposta. A audiência agora está com as famosas tradwives, que celebram a mocinha do campo, a feminilidade traduzida em mulheres loiras de olhos claros, e o recrutamento para essa sororidade”.

 

@americaneaglePosters up. Secrets out: Sydney Sweeney has great jeans. Get them at the ♬ Best One Yet – Layup

O marketing atual — como a campanha controversa da American Eagle com Sydney Sweeney e a campanha da Guess com uma modelo criada por IA — tem demonstrado uma mudança no comportamento das marcas, cada vez mais afastadas do movimento body positive.

Conforme mais companhias retrocedem em iniciativas de DEI, outras tantas se afastam da inclusão de modelos plus-size — ao invés disso, promovem estereótipos corporais.

Especialistas apontam para as causas, que incluem uma pressão midiática para um padrão de magreza, bem como o crescimento no uso de medicamentos para emagrecer a base de GLP-1, como o Ozempic.

Enquanto isso, as marcas que ainda abraçam a diversidade têm muito pouco a dizer sobre o tema, principalmente em um momento em que a população está pronta para expressar sua indignação.

“Em geral, a sociedade está trocando a positividade corporal e autoaceitação por um padrão de vida fitness e uma aparência estereotipada, como a de Sydney Sweeney”, explica Kyla Noni Brathwaite, professora assistente de comunicação e mídia na Universidade de Michigan.

A mudança representa um afastamento de corpos mais reais, que marcas como a Athleta, Old Navy e Aerie buscam representar em seus comerciais.

Yalda T. Uhls, fundadora e CEO do Center for scholars & storytellers na UCLA, explica que esse movimento pareceu ser motivado, em parte, por celebridades de diferentes biotipos, como Lizzo e as Kardashians.

“Tanto as gerações mais novas quanto as mais velhas passam a internalizar essas imagens como estereótipo do que ‘deveria ser’, então é fácil voltar a pensar que tal padrão é melhor do que corpos normais ou um pouco acima do peso”, acrescenta.

Algumas marcas ainda são diversas, mesmo em silêncio

Algumas marcas seguem dispostas a discutir o cenário da diversidade corporal, incluindo profissionais de marketing que ainda escolhem modelos de corpos diversos.

A Abercrombie & Fitch, por exemplo, lançou uma campanha em julho que incluía variedade de corpos e tons de pele. Um post no Instagram da marca atraiu mais de 6 mil likes e comentários como “Graças a Deus a Abercrombie não está excluindo suas modelos plus-size. Pelo menos uma das granes marcas está fazendo o que é certo”.

 

De maneira parecida, a Gap recorre regularmente modelos diversas em seus anúncios, incluindo modelos de diferentes corpos e idades. Neste ano, a marca foi aclamada por uma campanha que apresentou a atriz Parker Posey, de 56 anos.

 

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Tanto a Gap quanto a Abercrombie não quiseram falar sobre o assunto.

A Sweaty Betty, marca de activewear, também lançou uma campanha body-positive em maio, intitulada “Wear the damn shorts”. A ideia partiu de uma pesquisa que a marca conduziu, onde 67% das mulheres disseram que a imagem que têm sobre seus corpos afeta a autoestima.

“Nossa campanha busca ajudar mulheres a se sentirem melhores e mais confiantes consigo mesmas”, disse uma porta-voz da marca ao Ad Age — no entanto, ela preferiu não comentar sobre o problema de diversidade no meio publicitário.

Quando a Guess usou IA para criar sua modelo loira e perfeita para o editorial de moda da Vogue, muitos consumidores ficaram horrorizados. Pouco tempo após a campanha com Sweeney, o movimento gerou debates sobre inclusão corporal, beleza artificial e o futuro das modelos humanas.

 

A Guess ignorou qualquer tentativa de contato do Ad Age.

Dois anos atrás, a Levi’s sofreu críticas ao anunciar que usaria IA para incorporar mais diversidade em suas modelos, levando consumidores a questionarem o porquê de a marca simplesmente não contratar mais modelos. Em resposta, a Levi’s pareceu recuar, e confirmou que focaria em modelos reais e sessões de fotografia. A campanha contou com participação da cantora Beyoncé.

 

Gallop considera a troca de modelos reais por IA algo ‘ridículo e hipócrita”.

“É irônico que todas as marcas digam que as pessoas valorizam a autenticidade — e é verdade”, explica. “Se quiser construir conexões emocionais com o consumidor, isso deve acontecer a partir de coisas que você cria, de pessoas reais em seus anúncios e elementos com os quais sua audiência vai se identificar”.

Geração Z valoriza autenticidade

Marcas que estão usando modelos de IA correm o risco de afastar a geração Z, grupo que cresce rapidamente em poder de compra e influência. Esse grupo é conhecido por valorizar marcas que prezam pela autenticidade, especialmente em anúncios.

Diferentemente de gerações mais velhas, eles estão sintonizados com o marketing, com frequência mencionando a disciplina pelo nome nas redes sociais, por exemplo, algo que a escritora Emily Sundberg mencionou recentemente em sua newsletter de negócios Feed Me.

“A geração Z conhece bem a mídia e consegue identificar anúncios de fachada rapidamente”, explica Audrey Birner, diretora de insights na Beano Brain. Ela notou que o grupo é “fluente” na linguagem do marketing porque nasceram e cresceram no meio dele. “Eles não estão buscando por inclusão performática, e sim autenticidade”.

A adoção rápida de medicamentos a base de GLP-1 está aumentando a pressão por perfeição nos anúncios, de acordo com especialistas consultados pelo Ad Age.

Por exemplo, Brathwaite notou que a grande disponibilidade desses medicamentos, bem como seu uso por figuras influentes, fizeram com que a ideia de mudar seu corpo se tornasse mais aceitável. Somando isso estão as dicas nas redes sociais para se tornar mais magro, técnicas de treino e dietas, que criam uma rotina mais focada em corpos estereotipados.

“Estou sempre observando novas trends que exaltam os corpos ‘ideais’, especialmente no TikTok — elas mostram como mulheres devem ser e como devem agir, e dão dicas de novos treinos e técnicas para chegar lá”, disse Brathwaite ao Ad Age.

No geral, mais de dois terços da população norte-americana é plus-size, e seria do interesse das marcas abraçar essa maioria, principalmente diante da pressão econômica vivida no país.

Gallop diz ter notado uma desconexão entre os consumidores ultra-magros que as marcas acreditam alcançar, e as pessoas reais que realmente compram seus produtos.

“Essas pessoas não vão comprar de uma marca se não se sentem emocionalmente conectadas com ela, pois não vão sentir que a marca deseja vender para elas”, explicou ao Ad Age. “Qualquer marca que tenha o mínimo de consciência deveria olhar para a campanha da American Eagle e dizer: ‘Como vou fazer o oposto disso?”.