Marcas que boicotam marcas

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Opinião

Marcas que boicotam marcas

O ano de 2020 será aquele em que uma pandemia provocada por um vírus invisível parou o mundo e o fez olhar para suas feridas mais profundas


14 de julho de 2020 - 13h36

(Crédito: Drew Angerer/Getty Images)

No dia 3 de julho, o time de futebol americano Washington Redskins informou por meio de comunicado oficial que a equipe está passando por uma revisão completa de seu nome. Esta iniciativa, de acordo com o press release, formaliza discussões iniciadas há algumas semanas com a NFL (National Football League). “Esse processo permite que a equipe leve em conta não apenas a orgulhosa tradição e a história da franquia, mas também a contribuição de nossos ex-membros, da organização, dos patrocinadores, da NFL e da comunidade local que tem orgulho de representar dentro e fora do campo”, declarou na nota o proprietário do time, Dan Snyder.

Essa decisão, no entanto, não foi tomada espontaneamente. Alguns dias antes, três cartas separadas, assinadas por 87 empresas de investimento e acionistas no valor coletivo de US$ 620 bilhões, pediram à Nike, FedEx e PepsiCo que encerrassem suas relações comerciais com o Washington Redskins, a menos que a equipe concorde em mudar seu controverso nome. Essa polêmica é antiga nos Estados Unidos e mobiliza há décadas líderes nativos americanos que, ao longo dos últimos anos, têm pressionado para que a equipe de Washington, D.C., mude seu nome — um insulto racista que decorre de recompensas pagas a colonos brancos em troca das peles de adultos e crianças nativos americanos como prova de seus assassinatos. O próprio Snyder chegou a dizer em 2013 que “nunca mudaria o nome da equipe”.

O que fez o cartola do futebol americano — doador de primeira hora de Donald Trump — mudar de ideia agora? Após o acerto de contas trazido pelos protestos globais de junho contra o racismo deflagrados após a morte de George Floyd por um policial branco, líderes nativos americanos — e defensores que querem ver a equipe da NFL mudar de nome — estão agindo com urgência renovada, na esperança de atacar enquanto o assunto está quente.

Os protestos de junho são históricos por romperem o ciclo vicioso que sempre foi protagonizado pelos afro-americanos arregimentando também uma massa inédita de brancos, especialmente jovens, causando uma mobilização inédita que fez com que diversas pendências racistas de camadas estruturais viessem à tona.

A carta de um dos investidores à PepsiCo, por exemplo, cita a recente “decisão da empresa de retirar do mercado o logo e a marca Aunt Jemima como um passo importante e significativo”, e apela para que ela continue esse compromisso de se desfazer de mascotes racistas ao terminar seu relacionamento com os Redskins.

Há cerca de um mês, a Quaker Oats, empresa pertencente à Pepsico, anunciou que estava aposentando a marca e logotipo Aunt Jemima de mais de 130 anos, reconhecendo que suas origens são baseadas em um estereótipo racial. “À medida que trabalhamos para progredir em direção à igualdade racial por meio de várias iniciativas, também devemos dar uma olhada em nosso portfólio de marcas e garantir que elas reflitam nossos valores e atendam às expectativas de nossos consumidores”, afirmou a empresa à CNN Business.

O ano de 2020 será aquele em que uma pandemia provocada por um vírus invisível parou o mundo e o fez olhar para suas feridas mais profundas, grande parte delas provocadas pela desigualdade. E o topo dessa lista é ocupado pelo racismo nas suas inúmeras manifestações. Os protestos de junho funcionaram como uma catarse planetária abrindo velhas chagas.

Uma das frentes de reação que chama a atenção é o posicionamento de grandes empresas diante desse movimento. Diversas delas foram às redes sociais condenar as desigualdades raciais e apoiar os protestos. No entanto, têm sido desafiadas a apoiar suas palavras por meio de ações concretas para combater a falta de liderança negra em suas estruturas corporativas e as lacunas salariais raciais entrincheiradas nos Estados Unidos e em outros países, entre os quais o Brasil.

Esse é o pano de fundo que culminou no movimento Stop Hate For Profit, que pedia para que empresas deixassem de anunciar no Facebook durante este mês de julho. A iniciativa foi capitaneada pelos grupos e entidades ativistas ligadas a direitos humanos Anti-Defamation League (ADL), National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), Sleeping Giants, Color Of Change, Free Press e Common Sense. Começou com a adesão das marcas ligadas à moda e já bem posicionadas em movimentos ligados a causas sociais, The North Face e Patagonia, e, como um rastilho de pólvora, conquistou a adesão de grandes empresas como Unilever, Microsoft, Verizon, Coca-Cola, Adidas, Starbuck’s, Ford e Honda, dentre outras.

Nos primeiros dias de boicote, as ações do Facebook despencaram 8,3%, o que representa US$ 59 bilhões. A sangria continua e segundo estimativas da Federação Mundial de Anunciantes (WFA, na sigla em inglês) pode alcançar mais de 400 grupos empresariais, preocupados com o discurso de ódio e polarizações na rede.

Consumidores protestarem e boicotarem marcas que vão na contramão daquilo que acreditam não é novidade e ganhou mais estridência com a força das redes sociais. O que coloca uma nova luz nesse caldeirão é a atitude de grandes marcas diante de uma mudança que começou na sociedade forçando a tomada de posições corporativas.

Para além dos posts performáticos da #BlackOutTuesday, ao exigir equidade e igualdade para comunidades não brancas, as marcas podem ajudar a criar um mundo e uma cultura melhores. Espera-se que essas marcas que estão boicotando o Facebook e outras redes sociais também se comprometam a promover a igualdade em seus próprios negócios.

A empresa de Mark Zuckerberg está na berlinda e ainda não convenceu a opinião pública de que implementará medidas efetivas para melhorar a propagação de fake news e de discursos de ódio em suas plataformas. O boicote das grandes marcas, além de impor um golpe financeiro, causa perdas, principalmente no estoque de reputação da companhia. E a soma dessa equação trará um resultado que deverá se mostrar eficaz. No caso do Redskins, a pressão dos fundos e trusts aos três principais patrocinadores do time funcionou. O que só confirma que quando marcas agem de acordo com os anseios da sociedade, a pressão acaba encontrando eco e a mudança de fato acontece.

*Crédito da foto no topo: Pixabay

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