Valéria Barone: “tive o privilégio de começar do zero várias vezes”

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Valéria Barone: “tive o privilégio de começar do zero várias vezes”

Managing Director da GUT São Paulo, a executiva conta sobre sua vida pessoal e profissional com bom humor, reflexões e uma certeza: a de nunca ter ferido seus valores na carreira


20 de maio de 2022 - 0h52

Valéria Barone é Managing Director da agência GUT São Paulo (Crédito: Divulgação)

Confiar em si mesma, fazer o que acredita e não ferir seus valores pessoais. “Parece óbvio, mas não é”. É o que sempre diz Valéria Barone, seja ao falar da infância ao lado de seus dois irmãos mais novos, da separação dos pais, da perda da mãe ou mesmo do privilégio de poder recomeçar em sua vida profissional. Há pouco mais de três anos, a executiva encarou o desafio de iniciar as operações da GUT São Paulo, agência independente que tem como fundadores Anselmo Ramos e Gaston Bigio, colegas publicitários que, no final de 2017, deixaram o Grupo Ogilvy, onde ela também trabalhou. 

“Quando olho para minha carreira, sei que não feri meus valores e pude começar do zero várias vezes. Nem todo mundo tem esse privilégio. Fiz três faculdades, fui dentista, mudei de profissão, entrei na Hyper Island sem saber nada daquilo, virei publicitária. Quando acredito em uma coisa de verdade, tenho afinco, arregaço as mangas e começo do zero”, conta. 

A vida profissional de Valéria foi uma “novela”, como ela mesma brinca. Dentista, cursou psicologia por um ano e meio na USP. Depois, diz ter cismado em fazer medicina, mas ficou apenas um mês na faculdade. “Eu era mega baladeira na época. Saí correndo e fui para a odontologia. Não me pergunte o porquê”, diz aos risos. A executiva exerceu a profissão por dois anos, mas foi quando sua mãe morreu que algo pareceu não estar certo em sua carreira. 

“Senti que não podia continuar fazendo o que não gostava e larguei a vida de dentista. As pessoas achavam que eu estava deprimida, mas eu queria apenas entender o que eu desejava. Sabia que tinha vontade de trabalhar com marketing em uma empresa, mas apenas as farmas me ofereciam emprego, por causa do meu histórico. Foi aí que o marido de uma amiga me apresentou ao universo das agências”, relembra. Valéria passou dois anos em uma agência pequena, até uma amiga que trabalhava na Ogilvy a indicar para trabalhar na empresa.  

“Entre idas e vindas, fiquei na Ogilvy por 13 anos. Em 2013, ganhamos vários prêmios com a campanha ‘Retratos da Real Beleza’, da Dove, inclusive o de Agência do Ano em Cannes. Conclusão: cheguei como executiva de contas e saí como diretora. Quando o Musa [Luiz Fernando Musa, presidente da Ogilvy] ia me oficializar como General Manager, resolvi sair. Meu pensamento era ‘chegamos no topo. É isso, então?'”, diz. 

LIDERANÇA NA GUT

Depois que saiu da Ogilvy, a profissional passou uma temporada fora do Brasil, ficou grávida e se distanciou do mercado publicitário. Em seguida, trabalhou por três anos como business lead e facilitadora na Hyper Island. Para ela, a empresa mudou seu jeito de raciocinar e fazer as coisas. “Trabalhávamos remotamente em 2016. Aquilo era muito inovador para a época”. 

Em 2018, Valéria recebeu uma ligação inesperada de Anselmo Ramos, seu colega na Ogilvy por sete anos, nos tempos áureos de Dove. “De 2013 a 2018, eliminei o assunto publicidade da minha vida. Quando ele me ligou e disse que estava vindo para o Brasil e queria bater um papo, topei na hora, pois estava com saudades. Mas logo veio a proposta indecente de comandar o início das operações da GUT. Fiquei assustada, pois nunca tinha pensado em voltar para o mercado. Fiz muitas perguntas, acho até que pareci blasé”, conta. 

A executiva diz ter topado o desafio porque ficou empolgada em começar algo do zero, com independência, e também pela competência de Anselmo e Gaston. “Pensei que poderia usar o que sabia de publicidade e o que aprendi na Hyper Island. Hoje, é um prazer estar à frente da GUT. Tenho autonomia para fazer todos os dias o que acredito”. 

Quando pensa sobre o sucesso da agência em tão pouco tempo, Valéria o atribui à criatividade, mas acredita que a cultura da empresa é o que faz a diferença. “Temos um jeito de gerar criatividade que não é sobre o departamento criativo, em que todos estão ali para servi-lo. É sobre todas as áreas terem esse espaço. A cultura da GUT foi pensada desde o planejamento da agência, então sabemos bem para onde queremos ir. Vendemos ideias e talento humano, e não sapato, mala ou bolsa. Se as pessoas estão felizes, fazemos um bom trabalho e deixamos o cliente satisfeito por consequência. Por isso, nossa prioridade são as pessoas. Depois vem o trabalho e o cliente.” 

Para ela, a independência da agência e a diversidade também contribuem para tomada de decisões e para a criatividade atribuída à GUT pelo mercado. “A diversidade traz criatividade. Precisamos de realidades diversas, sejam raciais, culturais ou financeiras. Levamos isso muito a sério e sempre buscamos pessoas que tragam legitimidade para a comunicação dos clientes. Além disso, nosso olhar independente nos dá liberdade para dizer não a uma concorrência e priorizar o time. Isso é o que gera um trabalho bom. Há dez anos, estávamos falando de uma indústria que pagava muito bem, mas tirava a alma de todos”, diz. 

INFÂNCIA, FAMÍLIA E FEMINISMO

Valéria não esconde sua origem e seu privilégio. De uma família com boas condições financeiras de São Paulo, estudou nos melhores colégios e teve uma infância e adolescência privilegiadas, ao lado de seus irmãos mais novos. Para ela, no entanto, a separação dos seus pais, quando ela tinha apenas seis anos de idade, e a morte de sua mãe foram grandes marcos em sua vida. 

“Meus pais se separaram muito cedo, na década de 1980. Aquilo era muito diferente para um filho, pois eram outros tempos. Quando minha mãe morreu, eu tinha 20 e poucos anos. Na época, meu pai perguntou se queríamos morar com ele, mas eu decidi cuidar da casa e dos meus irmãos. Como mulher mais velha, quis assumir a posição de mãe, e não de irmã. Podia ter dividido a função, mas peguei tudo. Ficamos os três muito unidos”, diz. 

Apesar da decisão, Valéria conta que o pai, italiano, sempre foi muito presente e aliado do feminismo, o que a ajudou a mediar as regras de casa com os irmãos. “Ele dizia que, se eles podiam trazer namoradas, eu também poderia, pois os direitos deveriam ser iguais para todos. Fui criada assim, por isso acho que demorei para entender por que eu deveria defender o feminismo. Achava que todo mundo pensava igual.” 

 AVENTURA NA GASTRONOMIA

Valéria também é sócia do restaurante Teus, em São Paulo. Segundo ela, a paixão por comida sempre existiu, mas foi na gravidez da segunda filha, hoje com sete anos, que resolveu se envolver efetivamente com gastronomia. “Sou taurina, então gosto muito de comer. Depois de sair da Ogilvy, estava grávida e queria fazer algo com tanto tempo de sobra enquanto gerava um ser humano. Como cozinhava muito mal, resolvi ser estagiária no Bistrô Charlot, com o Chico Farah. Ficamos amigos e, quando ele e o Pedro Grando decidiram abrir o restaurante Teus, topei ser sócia investidora. Mas são eles que estão à frente da operação.” 

Além da filha, Valéria tem também um menino, de 13 anos. “Voltei a trabalhar quando ele tinha quatro meses. Foi de rasgar o coração, e olha que eu amava trabalhar. Achava que seria muito fácil, pois era pancada na agência, mas apanhei muito no começo. Com a segunda foi mais fácil, e tive o privilégio de ficar sem babá, cuidar dela no início da vida e não ter a pressão de voltar ao trabalho. Foi muito diferente. Hoje, começo a trabalhar às 8h para terminar antes das 19h. Quero desembaraçar o cabelo da minha filha antes de ela dormir, pois daqui a dois anos ela não vai mais deixar”. 

 A NOVA PUBLICIDADE

Para a executiva, tudo mudou no mercado nos últimos dez anos. “Sempre ouvíamos sobre a ascensão do digital. Fiquei seis anos fora do mundo da publicidade e, quando voltei, falava para as pessoas que esse novo momento era muito mais legal. Elas me achavam louca, mas é verdade. Antes, se um cliente não tivesse dinheiro para uma mídia exterior, na TV, uma ideia pequena não funcionava. Com essa virada, uma ideia bacana com pouco investimento pode ir para frente. Isso muda todo o jogo, porque qualquer marca, sem muita verba, pode construir uma comunicação consistente”. 

Valéria, no entanto, acredita que, para os negócios das agências e das empresas, essas mudanças deixaram tudo mais desafiador. “Não é mais sobre botar uma campanha no ar e ir para a próxima. Precisamos de muitas áreas pensando, de mais gente, pois cada peça de uma comunicação se retroalimenta”. 

As pessoas também foram agraciadas com essa transformação, segundo ela. “Não é mais tolerável o moedor de gente que é a indústria. Agora as pessoas devem ser reconhecidas, respeitadas e tratadas corretamente. Posso ser ingênua ou romântica, mas acho que, com a nossa profissão, temos um microfone na mão. É muita responsabilidade, ou pelo menos deveria ser. E estamos apenas no começo dessa jornada.” 

A nova maneira de fazer publicidade trouxe, para Valéria, uma clara noção de responsabilidade social. “Meu compromisso não é apenas com as 136 pessoas que trabalham na GUT, mas com as milhões que impactamos com as nossas campanhas e com as próximas que iremos alcançar, além de fornecedores e de toda a nossa cadeia.” 

A mudança também despertou reflexões como liderança feminina. “Nos anos 2000, para ser ouvida no meio de homens, me masculinizei. Falava mais alto, era durona, usava palavrões. Depois de um tempo, percebi que não precisava disso, mas ainda é um desafio mudar essa postura. Estou tentando pagar de fina agora”, brinca. 

Em tempos de discussões sobre as dores das mulheres na indústria publicitária, que atravessam gerações, ter lideranças femininas confiantes e sólidas em seus propósitos é fundamental para um mercado mais justo, humano, responsável e criativo por consequência. Como diz Valéria, “parece óbvio, mas não é”. 

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