Futebol fragmentado gera disputa de narrativas sobre dados de audiência
Players de TV aberta e digital apresentam dados de alcance e defendem busca por métrica que consiga mensurar o consumo em diferentes meios

(Crédito: Shutterstock)
A fragmentação das transmissões de conteúdo, sobretudo no universo dos esportes, traz ao mercado publicitário e de mídia novos debates e dilemas decorrentes da adaptação a uma nova realidade.
Por anos, era comum para o espectador de TV ouvir sobre números e disputas por pontos no Ibope. Com sua programação, cada emissora de TV aberta tentava atrair o público da sala para fazer com que seus dados de audiência aumentassem.
Com a massificação do consumo de mídia digital e, também, com a popularização das plataformas de streaming, mensurar quantas pessoas assistem a um conteúdo tornou-se tarefa complexa. Não à toa, discussões sobre evolução das métricas de mensuração e a necessidade de encontrar uma forma de padronizar dados de meios diferentes vêm está no topo dos grandes desafios dos veículos e plataformas de mídia em todo o mundo.
O cenário brasileiro, especificamente, atravessa uma fase em que as diferentes métricas de audiência se tornaram não somente assunto entre os profissionais de mídia e do mercado publicitário como extrapolaram os limites da área da comunicação, tornando-se, muitas vezes, argumentos abertos para que os veículos mostrem sua força e seu poder de atrair o público.
O Brasileirão e as divergências
Embora o consumo multiplataforma não seja algo novo, o Campeonato Brasileiro deste ano pode ser tido como um marco dessa disputa de narrativas dos veículos para defenderem suas métricas de audiência. Em 2025, entraram em vigor os novos contratos de transmissão, já decorrentes de diferentes maneiras que os clubes encontraram de negociar seus jogos.
A partir dessa configuração, pela primeira vez diversos veículos diferentes passaram a transmitir o mesmo campeonato. Se por anos o Brasileirão foi um produto exclusivo da Globo, a partir deste ano, a competição, além de seguir na TV Globo e no SporTV, também tem jogos transmitidos pela Record, pelo Amazon Prime e pelo YouTube (por meio do canal CazéTV).
Se para o público essa fragmentação representa mais opções e mais janelas para assistir ao futebol, para cada um dos veículos ela traz o desafio de tentar mostrar ao mercado publicitário e anunciantes dados de audiência que consigam refletir o exato público que acompanha suas transmissões e, também, que permitam comparar com a audiência da concorrência.
Em abril deste ano, a Kantar, principal empresa de medição de audiência atuante no Brasil, apresentou um produto que propunha ao menos uma tentativa de apresentar as audiências de TV e digital sob um denominador mais comum. Chamada de Sports Audience Measurement (SAM), a solução propõe contabilizar tanto o consumo de TV linear quanto de canais digitais, como YouTube e plataformas de streaming, no ambiente de TVs conectadas.
Voltada inicialmente apenas para transmissões esportivas, a solução consegue, pelos próprios aparelhos da Kantar que já mensuram a audiência televisiva, captar quando o espectador sintoniza um jogo de futebol pelo YouTube ou em algum streaming.
Record e a divulgação da audiência multiplataforma
Quando apresentou o SAM, a Kantar não divulgou dados de audiência referentes a essa mensuração, mas comentou que a solução já vinha sendo testada por seus parceiros de mídia. Não demorou para que a Record abrisse, perante o mercado, alguns desses dados como forma de demonstrar a força da televisão aberta para o produto futebol.
Em um evento realizado para profissionais de agências e anunciantes, ainda em abril, a Record apresentou, com base nessa nova solução da Kantar, o que seria o alcance de um jogo do Campeonato Brasileiro. A partida em questão era Vasco X Santos, realizada em 30 de março.
Segundo a Record, aquele jogo, transmitide por ela, alcançou audiência de 7,61% na TV aberta; 1,39% no pay-per-view (Premiere) e 0,62% no YouTube (CazéTV). O alcance, por sua vez, teria sido superior a 15% para a Record, 2,47% no Premiere e 1,10% na CazéTV.
Outro exemplo apresentado pela Record no evento foi o jogo entre Sport e Palmeiras, transmitido no domingo, 6. Nesse caso, a emissora diz ter obtido audiência de 7,20%, com alcance de 14,27%, enquanto o Premiere obteve 0,46% de audiência e 1,45% no alcance e a Cazé TV somou 0,41% de audiência e 1,08% no alcance.
A reação do YouTube
Assim que esses dados começaram a circular pelo mercado publicitários, os players detentores dos direitos de transmissão do Brasileirão, sobretudo o YouTube, não demoraram a apresentar uma reação.
No fim de maio, a plataforma de vídeos do Google promoveu um evento, em São Paulo, para, entre outros assuntos, abordar as transmissões esportivas. Não houve crítica direta aos dados apresentados pela Kantar, mas o YouTube fez questão de destacar a importância de o mercado buscar uma métrica de audiência que considere toda a experiência de consumo digital, abrangendo, por exemplo, quem assiste a um jogo pelo celular, pelo computador ou até mesmo fora de casa, em bares ou outros estabelecimentos.
“O principal desafio que o cenário atual traz em relação a mensuração é que o ecossistema de medição de audiência hoje é probabilístico. Ele foi criado para meios analógicos. Temos o People Meter, que disponibiliza uma maquininha em 6 mil domicílios para medir a audiência de 15 regiões e representar 90 milhões de domicílios brasileiros. Neste caso estamos falando de uma amostra. No universo digital, os dados são determinísticos e cada plataforma tem tempo real”, declarou Gustavo Souza, diretor de soluções publicitárias do Google, em entrevista ao Meio & Mensagem.
O executivo disse que a metodologia de audiência utilizada hoje ainda é de uma época analógica e que, para resolver a questão, todo o mercado precisa se unir, em um esforço que precisa ir dos fabricantes de TV até às agências de publicidade.
“O que a Kantar criou foi para medir consumo de esportes no streaming para quem faz a transmissão, mas tem um volume de conteúdo gigante do streaming, além de esportes, que ainda não está integrado com isso. Neste contexto, o cenário mais desafiador é o de vídeo móvel. Hoje os grandes players de vídeo móvel que não são o YouTube também não estão mandando dados para a Kantar. Existe uma discussão importante que precisamos continuar contribuindo, mas é o mercado que tem que se articular para conversar, definir parâmetros, novas formas de medir e promover isso”, relatou.
Globo e os 102 milhões de espectadores alcançados
No início de junho, a Globo também decidiu falar sobre o público espectador de suas transmissões de futebol. A empresa de mídia divulgou que, até a 11ª rodada do Campeonato Brasileiro, 102 milhões de pessoas haviam alcançado.
Até a 11ª rodada, a Globo contabilizou que 102 milhões de pessoas já tinham acompanhado os jogos do Campeonato pelos canais Globo (TV aberta, SporTV e Premiere).
A Globo disse que, nos casos de jogos com transmissões em janelas simultâneas, o Premiere teria registrado uma audiência 590% maior do que o streaming gratuito (no caso, o YouTube, que transmite um jogo do Brasileirão por rodada, pela CazéTV).
A Globo diz que o Premiere teria alcançado, na 11ª rodada do Brasileirão, uma audiência de 11 milhões de pessoas. Segundo a empresa, isso é mais do que o triplo da audiência do concorrente do streaming pago (a Amazon, que transmite uma partida do Brasileirão, com exclusividade, a cada rodada).
Os dados da Globo foram divulgados por meio de um comunicado enviado à imprensa. Da mesma forma que Record, a proposta era mostrar o alcance e o poder da TV aberta – sobretudo das plataformas do universo Globo – para o futebol brasileiro.
CazéTV defende dados reais e não amostras
A reação mais contundente, até o momento, nessa divergência de métricas e dados de audiência veio da CazéTV. Na última sexta-feira, 13, a reportagem de Meio & Mensagem teve acesso a um texto que a plataforma esportiva distribuiu a patrocinadores, agências e parceiros do mercado publicitário.
De modo geral, a plataforma procura defender que a audiência digital seja analisada de forma diferente da medição na TV linear.
“Aqui, temos dados reais, vindos de todos os dispositivos conectados — com total transparência. Cada pessoa que assiste está nos números: TVs conectadas, celulares, tablets, laptops — seja em casa, no transporte ou no trabalho. Sem suposição. Sem amostragem. Sem intermediários”, informa a equipe do canal de Casimiro Miguel em um trecho.
A empresa acredita que, ao tentar unificar essa mensuração, isso pode causar um efeito oposto, piorando a qualidade da medição digital, ao aplicar sobre ela as limitações do modelo analógico.
“As maiores plataformas digitais do mundo — YouTube, Meta, TikTok, Netflix, Globoplay, Disney+ e Prime Video — usam dados reais (não por amostra), gerados diretamente por suas plataformas. É com esses first-party data que as marcas tomam decisões e investem bilhões todos os anos, no Brasil e no mundo todo. São dados confiáveis, rastreáveis, segmentáveis, que geram resultados — e aceitos por todo o mercado”, afirma.
Para a equipe da CazéTV, o que deveria ser comparado com a TV tradicional é o engajamento que transmissões no streaming, como as da CazeTV, geram nos fãs e nas marcas.
E os patrocinadores?
Esse confronto de narrativas tem uma razão de existir, sobretudo, quando se pensa no âmbito comercial. Em um cenário fragmentado, são poucos os anunciantes que têm verba suficiente para patrocinar as transmissões de futebol, em suas diferentes janelas e canais.
O cenário mais comum é o de que as marcas, a partir da análise de métricas e de suas propostas, escolham o veículo que julgam ser mais vantajoso para se comunicar com seu público-alvo. Nesse aspecto, apresentar dados que podem ser comparados aos da concorrência pode ser algo significativo.
Ainda que o mercado não tenha chegado a uma métrica comum para mensurar o alcance da audiência digital e sua combinação com a audiência da TV, os players que transmitem o Brasileirão deste ano tiveram um bom saldo em termos de parcerias publicitárias.
A Globo firmou parceria com 13 marcas para as transmissões nacionais deste ano – que, além do Brasileirão, também envolvem a Copa do Brasil. Amazon, Ambev, Betnacional, Itaú, Natura, Stellantis (com Fiat), Vivo e Perdigão patrocinam as transmissões na TV aberta.
Já no Sportv terá Ambev, Bradesco, Jeep, e Novibet como patrocinadoras. A Betano, por sua vez, ocupará o Top de 5 segundos nos dois canais.
A Record, que voltou a entrar no universo do futebol nacional ao adquirir os direitos do Brasileirão, também conseguiu bater recorde comercial. Assim como a Globo, a emissora também alcançou a marca de 13 anunciantes nas transmissões.
Ademicon, Burger King, General Motors, Grupo Heineken, Magalu, Mercado Pago, Natura, Philco, Seara e Friboi patrocinam o Brasileirão na emissora, além de Sportingbet/EstrelaBet/Esportes da Sorte, que dividem a cota de apostas esportivas.
Já a CazéTV também conseguiu um número expressivo de marcas para as transmissões do Brasileirão 2025. Atualmente, fazem parte do projeto comercial do canal a Sportingbet, Casas Bahia, Claro, Esportes da Sorte, EstrelaBet, Heineken, Hypera, McDonald’s juntamente com iFood, PagBank, Stellantis e Unilever.
O Prime Video, além de Airbnb, PagBank e Alfa Bet, que já estavam presentes nas exibições das primeiras fases da Copa do Brasil, também conta com a Chevrolet como patrocinadora no Brasileirão.