Mais rápido, alto, forte e verde
Fabricantes de material esportivo aproveitam Jogos Olímpicos para apresentar produtos com tecnologia para melhorar o desempenho dos atletas e, ao mesmo tempo, tornar a cadeia de produção mais sustentável
Fabricantes de material esportivo aproveitam Jogos Olímpicos para apresentar produtos com tecnologia para melhorar o desempenho dos atletas e, ao mesmo tempo, tornar a cadeia de produção mais sustentável
13 de março de 2020 - 16h58
Por André Sender
O acendimento da tocha no Estádio Olímpico de Tóquio em 24 de julho, dando início oficial aos Jogos Olímpicos de 2020, não representa apenas o começo de uma jornada fantástica para milhares de atletas, capaz de definir carreiras, criar ídolos e gerar momentos marcantes, para o bem ou para o mal. É também uma das maiores plataformas de exposição de marca e produtos do mundo.
Na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, por exemplo, mais de 3,6 bilhões de pessoas acompanharam mundialmente os jogos e provas pela televisão, segundo levantamento da companhia alemã Statista. Fora os milhões de comentários feitos nas redes sociais — só no Twitter, postagens relacionadas ao evento atingiram 75 bilhões de impressões — sobre os erros e acertos dos atletas, mas também sobre o que vestiam e calçavam em seus momentos de glória ou fracasso.
Assim, as Olimpíadas tornam-se a ocasião perfeita para as marcas esportivas apresentarem suas principais inovações tecnológicas e investimentos em design e posicionamento: tecidos mais respiráveis, tênis mais leves e rápidos, peças de uniforme que auxiliam os competidores a fazerem movimentos mais fluidos e até materiais e cores que transmitam uma mensagem aos espectadores/consumidores. “O momento olímpico também é a plataforma para dar visão ao nosso compromisso de inovação e reafirmar nossa missão de continuar fazendo sempre o melhor para o atleta”, diz Felipe Savone, gerente sênior de marca da Adidas.
Além da audiência gigantesca, outra característica das Olimpíadas cria o ambiente ideal para que as marcas esportivas apresentem suas novidades: elas são as únicas permitidas nos uniformes, tanto de jogo como de pódio, das delegações nacionais, que não podem exibir seus outros patrocinadores dentro das arenas e instalações olímpicas. Assim, todas as atenções ficam voltadas para os competidores — e para o que eles estão vestindo.
“Os Jogos Olímpicos são o principal palco do esporte mundial e uma oportunidade para mostrar ao planeta o que é possível conquistar para o futuro do esporte. Afinal de contas, o que está em jogo não são apenas recordes, mas o próprio futuro do esporte”, analisa Martina Valle, diretora de marca da Nike no Brasil.
Evolução recorde levou a veto na natação
Considerado um dos esportes que mais atraem a atenção durante as Olimpíadas, a natação passou por um processo regulatório pelo impacto no esporte do avanço tecnológico trazido pelos fabricantes de material esportivo. Em 2009, um ano após os Jogos Olímpicos Pequim 2008, a Federação Internacional de Natação (Fina) proibiu o uso dos chamados supermaiôs, que ajudavam na flutuação do nadador e repeliam água.
Os modelos mais famosos dos supermaiôs eram da linha LZR Racer, criada pela Speedo em parceria com a Nasa, agência espacial norte-americana, e os da marca italiana Jaked. O desenvolvimento dos trajes tecnológicos primeiro foi comemorado, por ajudar a chamar a atenção para o esporte e criar um segmento de mercado. Depois de dois anos de discussões, os trajes acabaram proibidos sob a alegação de que acabavam descaracterizando um esporte em que décimos de segundo separam o primeiro do último colocado em uma final olímpica.
Fabricados em poliuretano, os supermaiôs cobriam todo o corpo dos nadadores e ajudavam os atletas a se deslocarem mais rápido dentro das piscinas, a ponto de os Jogos Olímpicos Pequim 2008 terem 25 quebras de recordes mundiais na natação — em Atenas 2004, Londres 2012 e Rio 2016, sem os supermaiôs em ação, foram oito, nove e oito recordes mundiais quebrados, respectivamente.
A partir de 2010, ficaram permitidos maiôs feitos apenas em material têxtil e foi estabelecido também um tamanho máximo para as peças. No masculino, liberadas apenas as sungas e bermudas. Entre as mulheres, os maiôs não podem passar dos joelhos.
Horizonte verde
O futuro do esporte do qual a diretora da Nike fala não está ligado, necessariamente, à evolução de resultados e o surgimento de novos ídolos. Mas a uma mensagem de sustentabilidade que a maioria das marcas está preocupada em transmitir a seus consumidores, cada vez mais engajados e preocupados com a causa ambiental. No Reino Unido, mais de mil psicólogos assinaram recentemente uma carta aberta alertando sobre o efeito da crise ambiental global sobre o bem-estar mental da população — e o impacto parece ser maior em adolescentes e jovens adultos, parcela importante do mercado consumidor de produtos esportivos.
Cada marca deverá explorar a questão e mostrar a seus consumidores que se preocupa com a questão ambiental de uma maneira. A Asics, que patrocina o Comitê Olímpico do Japão e é fornecedora de material esportivo dos voluntários do Comitê Olímpico Internacional (COI), lançou em janeiro o Projeto Reborn, que coletou 30 mil peças esportivas — de todas as marcas — que foram usadas para criar o poliéster utilizado nas roupas que os atletas japoneses vestirão em cerimônias de premiação e na vila olímpica, além do uniforme dos voluntários dos Jogos.
“Esses produtos foram reciclados para criar os uniformes dos Comitês Olímpico e Paralímpico do Japão e isso faz parte de um pilar da marca que quer contribuir para uma sociedade mais sustentável”, explica Constanza Novillo, head de marketing para América Latina da Asics. Segundo a executiva, os principais produtos de performance da marca japonesa, que devem ser anunciados apenas no fim deste mês, evidenciarão a preocupação da empresa com o meio ambiente, também através do uso de materiais recicláveis, assim como a linha casual inspirada em Tóquio 2020.
A estratégia é parecida com a que a Nike abordou a questão. Os uniformes de pódio da delegação norte-americana, favorita a liderar o quadro de medalhas, são feitos com tecidos reciclados. O famoso casaco Windrunner usa poliéster. A calça, náilon. Ambos reciclados. E o tênis é feito com sobras recicladas do processo de manufatura e tem uma parte costurada com alta precisão para diminuir os resíduos. Tudo para demonstrar a urgência de se tomar ações contra a mudança climática global.
“Essa urgência direciona nossa visão para um futuro circular, em que tudo o que usamos possa ser transformado em um novo produto. Isso significa ser efetivo em tudo que desenhamos, desenvolvemos, fabricamos e reutilizamos. Nosso objetivo é desenvolver produtos com o mínimo de material possível e, ao mesmo tempo, garantir que não haja desperdício do começo ao fim”, explica Martina Valle, da Nike. O mesmo apelo está nos uniformes da seleção brasileira de skate, também feitos com poliéster reciclado. As peças criadas pela Nike para a Confederação Brasileira de Skate (CBSk) foram desenvolvidas pelo skatista holandês Pieter Janssen.
Já a Adidas, que pretende extinguir o uso de materiais plásticos virgens em toda sua produção até 2024, o que inclui o poliéster dos tecidos respiráveis das roupas esportivas, quer aproveitar as Olimpíadas para chamar a atenção também para outra questão social: a falta de protagonismo feminino no esporte. Segundo os dados estudados pela marca, apenas 5% do tempo da cobertura esportiva mundial é dedicado às mulheres, e as garotas tendem a largar o esporte mais jovens do que os meninos em maior proporção, dois fatos que demonstram a necessidade de evidenciar as jornadas e as conquistas das atletas.
Nesta edição dos Jogos, o COI incentivará, pela primeira vez, que as delegações tenham uma dupla de porta-bandeiras, necessariamente formada por um homem e uma mulher. A adesão não é obrigatória. Em outra medida em defesa da equidade de gênero, o COI confirmou que todos os 206 países participantes, além do time de atletas refugiados, deverão ter pelo menos um homem e uma mulher nas competições. A previsão do comitê é de que a Olimpíada de Tóquio tenha 5.704 homens (52%) e 5.386 (48%) mulheres.
“Existem muitas barreiras de visibilidade. Queremos inspirar e encorajar mulheres e as Olimpíadas são o momento de amplificar essa mensagem e trazer o protagonismo feminino em tudo o que fazemos como marca”, afirma Felipe Savone, da Adidas. “Acreditamos que o esporte pode mudar vidas e os Jogos Olímpicos representam bem isso. É a maior celebração do esporte mundial, com atletas de diferentes modalidades e países representando a diversidade. É uma forma de elevar nossa mensagem e estimular e inspirar as pessoas com o esporte”, complementa. É como se o famoso lema olímpico Citius, Altius, Fortius, que significa “mais rápido, mais alto, mais forte”, recebesse, pelo menos, uma adição: “mais verde”.
Corrida pela inovação
No atletismo, especificamente nas provas de corrida, um dos mercados mais importantes, se não o mais importante para as marcas de produtos esportivos, a World Athletics (Federação Internacional de Atletismo) estabeleceu regras para as inovações. Foram determinados prazos para as fabricantes introduzirem no mercado os tênis que os atletas utilizarão nas provas e diretrizes para os produtos.
Para tentar reduzir a polêmica em relação a um suposto doping tecnológico causado pelas características de alguns modelos e protótipos, a entidade estabeleceu que os atletas de elite só podem fazer as provas utilizando tênis que estejam no mercado, pelo menos, quatro meses antes do evento. Com isso, as empresas precisam colocar até abril nas prateleiras os produtos que seus corredores utilizarão em Tóquio.
O regulamento da World Athletics também definiu parâmetros para a utilização de alguns recursos tecnológicos nos tênis de corrida, como as placas de carbono na sola que ajudam na propulsão dos corredores, e até o tamanho máximo da sola. Uma semana depois da publicação das regras, a Nike apresentou ao mundo, no início de fevereiro deste ano, o Alphafly Next%, derivado do protótipo utilizado pelo queniano Eliud Kipchoge no desafio Ineos 1:59, em que se tornou o primeiro homem a correr a distância da maratona (42,195 km ) em menos de duas horas. “Anunciamos as inovações mais revolucionárias que os atletas usarão no maior palco do esporte mundial. Elas incluem tênis criados para oferecer aos corredores um benefício mensurável de desempenho, voltados para uma nova era nas competições”, explica Martina Valle, referindo-se ao modelo.
Alguns dias depois, foi a vez de a Adidas apresentar o modelo que deve estar nos pés de seus atletas na maratona em Tóquio. O Adizero Pro é o primeiro calçado da marca com a placa de carbono na entressola e a principal inovação de produto que a marca alemã preparou para 2020. O modelo da Asics para os maratonistas, por sua vez, deve ser anunciado no fim do mês, junto às outras novidades da marca para a Olimpíada. O terceiro item da cadeia evolutiva iniciada com os modelos Metaride e Glideride, já disponíveis no mercado, também terá como recurso de performance a placa de carbono.
Apesar de ter pouca importância proporcional no quadro de medalhas das Olimpíadas — são apenas duas provas disputadas na rua, a maratona masculina e a feminina —, o mercado de corrida recebe atenção especial das marcas pelo alto número de praticantes da modalidade mundo afora, ávidos em melhorar suas marcas pessoais em alguns segundos; pela possibilidade da utilização das tecnologias desenvolvidas para os tênis em outros produtos futuramente; e pelo simbolismo, já que a maratona masculina tradicionalmente encerra os Jogos Olímpicos.
“A corrida tem essa mítica e capacidade de trazer para o público em geral a mensagem de inovação. O Adizero Pro, por exemplo, é um tênis para um corredor superespecífico, para a elite dos maratonistas, mas para o consumidor geral o que vai ressoar é quanto a marca faz pela inovação e performance do atleta. E isso se espalha”, defende o executivo da Adidas.
Jogando em casa
Para algumas das principais marcas esportivas do mundo, os Jogos Olímpicos de 2020 são ainda mais simbólicos por serem realizados no Japão, onde surgiram, e elas pretendem aproveitar a oportunidade de explorar a relação entre suas histórias e o país. A Asics, por exemplo, quer relembrar aos consumidores que é uma marca japonesa, o que muita gente pode esquecer. E usará os tênis dos atletas para isso, em uma mensagem única por meio de todas as modalidades.
Os calçados dos competidores patrocinados pela empresa serão da cor “Sunrise Red”, desenvolvida pela companhia para simbolizar o sol nascente, uma das referências mais famosas do Japão. “Esse será um elemento constante em atletas de todas as modalidades e todos os países, uma forma de contar um pouco a inspiração dos nossos produtos”, afirma Constanza Novillo, head de marketing para América Latina da Asics.
Entre os lançamentos que a marca deve apresentar no próximo mês, os destaques são para a corrida, o tênis e o vôlei — modalidade em que patrocina a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), os esportes mais importantes dentro da estratégia da empresa. “Vamos usar o momento olímpico em Tóquio para falar da nossa herança, lembrar que a Asics é do Japão e falar dos nossos valores de marca, além de mostrar nossa tecnologia”, complementa.
Já a Mizuno pretende utilizar o evento como uma plataforma de relacionamento com diferentes stakeholders, usando sua sede em Osaka e a força de mercado no país de origem como trunfos. A marca também pretende renovar seus produtos já existentes no mercado, criando versões em cores apontadas pelos próprios atletas como relacionadas a lembranças afetivas de seus momentos de preparação e carreira até o ápice nos Jogos.
“É uma campanha global que usará histórias reais dos nossos esportistas. Com isso vamos colocar algumas cores novas no portfólio que representem memórias importantes dos atletas. Vamos
ter novidades, mas mais relacionadas a color packs”, conta Silvia Rodrigues de Araújo, gerente de marketing da Mizuno.Reflexo brasileiro
Com a alta exposição dos produtos durante o momento olímpico vem o desejo dos consumidores de utilizar no dia a dia (tanto esportivo quanto casual) as mesmas peças que seus ídolos. E as marcas de material esportivo sabem da importância de ter esses produtos à disposição dos torcedores. O mercado brasileiro receberá algumas das principais inovações olímpicas, levando em conta o foco de cada empresa no País. A Mizuno deve concentrar suas ações em produtos relacionados à corrida, esporte que trabalha com mais força no Brasil. Já a Nike, por sua vez, pretende disponibilizar para os consumidores uniformes de futebol, basquete e da seleção de skate.
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