Inovação e aceleração andam juntas?
Japão inspira o mundo ao olhar tema sob uma perspectiva que privilegia o social à corrida tecnológica
O conceito japonês Nemawashi se refere à prática de cuidar das raízes de uma árvore antes de movê-la de lugar, garantindo a sua perfeita adaptação a novas circunstâncias. De maneira mais ampla, o termo ajuda também a revelar a cultura de um país que investe em inovação sem renunciar aos seus princípios e tradições, e lança um olhar muito mais social do que tecnológico para o tema.
No Japão, 3% do PIB é dedicado à pesquisa e desenvolvimento — taxa que chega a ser maior do que a da China (2,7%) — e a meta é aumentar em dez vezes o número de startups nos próximos cinco anos. Por outro lado, 42% da população se enquadra entre os “retardatários” (laggards), como é chamado o último grupo a adotar uma nova tecnologia, ante uma média de 16% nos outros países.
Os números revelam uma sociedade e corporações que têm aversão ao risco e não abrem mão de valores como excelência, uniformidade e harmonia. Depois de uma imersão de uma semana no país com o Knowledge Exchange Sessions (KES), concluí ainda que, para a quinta maior economia do mundo, a inovação só faz sentido se atrelada a um benefício social palpável e não precisa estar vinculada a conceitos como velocidade e tecnologia.
Mas, para se entender a resistência nipônica à urgência moderna, é preciso mergulhar na história e nas peculiaridades locais. Estamos falando de um país que tinha tudo para dar errado. E deu certo. Preso a uma rocha 22 vezes menor do que o Brasil e dividido em quatro grandes ilhas, o Japão conta com 110 vulcões ativos e um histórico de devastação por tsunamis, terremotos e guerras.
Lá, ainda existe fax e orelhão por uma questão de sobrevivência: em caso de desastre natural, há mais chances de a comunicação seguir ativa mesmo se a internet cair ou o celular desaparecer.
O Japão pós-guerra (e pós inúmeros desastres naturais) sabe que, fora as raízes, tudo pode se perder rápido demais. Por que, então, nos lançamos nessa corrida desvairada rumo ao novo? Vale mais investir no que é durável e confiável. Evoluir do que revolucionar.
Mesmo em iniciativas disruptivas, como o lançamento do carro autônomo, o país não se arrisca, nem arrisca o bem-estar de seus consumidores, o que já vimos acontecer em outras nações que se dispõem a liderar a vanguarda tecnológica. Mas o Japão que prioriza o hardware ao software sabe que isso pode ter um custo competitivo frente a potências como a vizinha China ou os Estados Unidos. E não se abala.
É na vida coletiva que o país se orgulha de liderar mudanças comportamentais. Ele foi o primeiro a ter um ministério para lidar com o tema da solidão e, lá, as crianças vão à escola sozinhas, cada um é responsável pelo seu próprio lixo e os banheiros públicos são tão bons quanto os de casa.
As marcas nipônicas bebem diretamente dessas influências locais e são cultuadas mundialmente por sua espontaneidade e por valores incorrosíveis diante de um mundo cada vez mais volátil. Pense em Honda, Uniqlo, Muji e você verá que é impossível não pensar também em excelência, durabilidade, minimalismo e conforto.
E ainda precisamos falar de Nintendo, empresa centenária que produzia cartas de baralho e, hoje, é uma gigante de entretenimento, dona de franquias incontestáveis como Pokémon e febre absoluta entre as novas gerações. É o futuro que não renuncia às suas raízes. Um contraponto inspirador diante do mundo frenético em que vivemos. Ou simplesmente, Nemawashi.