Das revistas femininas à influência: as transformações de Luanda Vieira
A criadora de conteúdo e podcaster fala sobre sua carreira, burnout e influência digital
Das revistas femininas à influência: as transformações de Luanda Vieira
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Lidia Capitani
12 de junho de 2024 - 16h49
A carreira de Luanda Vieira no jornalismo foi meteórica. Ela, que começou como produtora de conteúdo freelancer para o site da revista Glamour, em poucos anos virou editora de beleza e bem-estar na Vogue. A dedicação intensa, entretanto, levou a jornalista a um burnout que a fez refletir sobre o caminho que gostaria de seguir dali em diante. A carreira como criadora de conteúdo floresceu, e hoje Luanda tem mais de 60 mil seguidores no Instagram, é apresentadora do podcast “O Corre Delas”, da Obvious, e está escrevendo seu primeiro livro para a Companhia das Letras.
Nesta entrevista, Luanda conta essa história e reflete sobre como superou os obstáculos que enfrentou no meio do caminho. A jornalista também fala sobre seu primeiro livro e sua visão sobre o contexto atual da influência de moda e beleza, altamente regida pelo conteúdo rápido e por tendências.
Sempre quis ser jornalista de revista, desde criança. Colecionava revistas de todos os tipos, porque desde a adolescência eu entendia que, por mais que quisesse direcionar minha profissão para moda e beleza, precisava saber um pouco sobre tudo para conseguir escrever bem sobre esses assuntos que muitos consideram fúteis, mas que não são. Eles fazem parte do nosso dia a dia, da nossa construção de imagem, identidade, enfim, do que queremos passar para o mundo. Então, sempre soube que queria trabalhar numa revista feminina.
Fiz faculdade e, enquanto isso, era bailarina clássica. No meio disso, fui morar em Nova Iorque para dançar, mas machuquei meu joelho, voltei e segui a profissão de jornalista. Meu primeiro emprego foi muito estratégico. Sempre fui muito estratégica nos passos que dou na minha carreira, acho que muito disso vem do fato de ser capricorniana. Mas eu também sabia que precisava batalhar mil vezes mais para conquistar as coisas. Eu não podia errar.
Começo minha trajetória como estagiária em um jornal. Depois, consegui um trabalho como freela de três meses na Editora Globo, para produzir um prêmio de jornalismo. Digo que foi estratégico porque não tinha nada a ver comigo, não sabia nada de produção de evento, mas era a Editora Globo, que publicava revistas que me interessavam, inclusive Vogue, Glamour e Casa Vogue. Via isso como uma oportunidade de entrar no ambiente que eu queria.
Terminei o freela desempregada e fiquei um tempo fazendo frilas pontuais. Eventualmente, a Editora Globo me chamou de novo para trabalhar na comunicação corporativa. Passei cinco anos ali até ser mandada embora, num corte. Eu já estava muito infeliz com a minha trajetória, questionando se conseguiria alcançar o que tanto almejava.
Eventualmente, surgiu uma vaga de freelancer fixo no site da Glamour. Vi aquilo como uma oportunidade única. Fiquei muito ansiosa antes da entrevista, mas consegui a vaga. Lembro que minha primeira pauta foi sobre tênis no street style, e decidi que 8 das 10 fotos seriam de mulheres negras. Foi quando percebi a falta de representatividade nos bancos de imagem e o quanto dependemos de uma estrutura maior para promover diversidade e inclusão.
Depois de seis meses, fui contratada como repórter e, logo em seguida, promovida a editora de moda, devido a uma movimentação na diretoria. Foi uma grande alegria, porque na adolescência eu tinha a meta de ser editora antes dos 30 e consegui com 29. No entanto, esse ritmo intenso de trabalho resultou em burnout, porque eu sempre queria me superar e colocava muita pressão em mim mesma.
Ao mesmo tempo que virei editora de moda, a Condé Nast criou o primeiro comitê global de diversidade e inclusão, o que foi um desafio adicional, pois além de ser jornalista, assumi a função de gestora ali. Apesar de ser negra, eu não tinha muita informação formal sobre diversidade e inclusão, apenas o que sentia desde criança. Fui a única brasileira a ser selecionada, o que foi controverso, pois o comitê era liderado por Anna Wintour, uma figura polêmica no mundo da moda. Passei dois anos representando o Brasil e, à época, a Condé Nast estava enfrentando uma crise de racismo aqui, o que me deu experiência em gerenciamento de crise.
Depois, surgiu uma vaga de editora de beleza e bem-estar na Vogue, uma mudança significativa. Ser a primeira editora de beleza negra da Vogue era simbólico e potente, uma oportunidade de mudar a narrativa. Minha passagem foi intensa, mas curta, de um ano. Saí devido a um burnout. É importante dizer que o burnout não foi causado pela Vogue, mas por uma vida inteira de pressões como mulher negra, sempre precisando me provar. Negligenciei sintomas por estar focada em alcançar os mais altos níveis na profissão.
Sempre aproveitei as redes sociais para divulgar meu trabalho, pois queria ser reconhecida pelo que faço. Esse período foi importante para aumentar minha visibilidade, e comecei a ganhar mais seguidores. Na Glamour, vi a oportunidade de integrar o jornalismo com as redes sociais, aproveitando a plataforma para me expor e atrair um público jovem e engajado.
Após o burnout, entendi que não havia descanso suficiente que me curasse. Precisava de flexibilidade na rotina, algo impossível na redação. A decisão de sair foi difícil, pois carregava o peso de ser um exemplo para outras mulheres negras. Com terapia, percebi que minha saída não deveria ser um problema, pois o que eu precisava fazer já havia sido feito.
Naquela época, já considerava migrar para a carreira de criadora de conteúdo, o que eu faço hoje. Mas não sabia como conciliar o jornalismo com a influência digital. Meu começo como influenciadora foi confuso, tentei seguir o modelo das influenciadoras de look do dia, mas não tinha nada a ver comigo.
Saí da Vogue com alguns contratos de moda e beleza fechados, pois as marcas valorizavam minha posição como influenciadora. No início, errei ao tentar me encaixar no mercado existente. Mas, aos poucos, percebi que ser jornalista era meu maior diferencial como criadora de conteúdo. Hoje, o mercado busca influenciadores com outras profissões e habilidades, que sabem contar uma história.
Quando pedi demissão da Vogue, a Obvious estava desenvolvendo um podcast sobre carreira. Eles perceberam, principalmente durante a pandemia, a importância desse tema, especialmente para mulheres. A Marcela Ceribelli me escolheu para falar sobre carreira de uma maneira não romântica, e isso se encaixou perfeitamente com o meu momento. Sempre fui muito transparente sobre minha trajetória profissional. Aprendi a ser vulnerável, compartilhando altos e baixos.
Recentemente, entendi que meu ponto forte é o texto e a apuração jornalística, o que mudou minha visão sobre influência digital. Quando entrevistei a Ly Takai para “O Corre Delas”, uma especialista em branding, ela me perguntou onde eu mais brilhava na minha profissão. Essa pergunta mudou minha trajetória, pois percebi que meu brilho estava no texto e na apuração jornalística.
“O Corre Delas” surgiu num momento importante para mim, pois, como é um programa de entrevistas, ele reforça toda semana minha identidade como jornalista. Em um ano e meio, o Corre já teve mais de 60 entrevistas, e quanto mais entrevisto, melhor eu fico. Até o mês passado, falávamos sobre trajetórias profissionais, mas percebemos a necessidade de abordar temas que envolvem todas as pessoas.
Mudamos o foco, começando com um episódio sobre assédio em maio. Depois, discutimos entrevista de emprego, um desafio especialmente para mulheres. Também abordamos uma tendência da geração Z no TikTok, “fingir até se tornar realidade”, conversando com a psicóloga Maria Camila Moura sobre os impactos na saúde mental.
Paralelamente ao podcast e às redes sociais, criei minha newsletter para continuar escrevendo. A newsletter é pessoal, em primeira pessoa, focada em autoconhecimento e histórias pessoais, mas com a abordagem jornalística na escolha das pautas. Isso me levou a receber um convite da Companhia das Letras para escrever um livro, que estou desenvolvendo agora.
A obra é uma ficção sobre coragem e o direito de desistir, temas muito conectados à minha trajetória. Escolhi fazer ficção pela possibilidade de mudar a história, falar sobre coisas que queria que tivessem sido diferentes e criar novas possibilidades. Fico feliz que, na minha trajetória, tudo esteja conectado, uma coisa levando a outra. O convite da Companhia das Letras veio quando eu já pensava em escrever um livro, mas não sabia por onde começar.
Hoje, me vejo como escritora no futuro. Já sei que meu segundo livro será no estilo da minha newsletter, talvez contos. Até estar na Vogue, minha vida foi muito planejada. Sabia onde queria chegar e o que precisava fazer para isso, contando com sorte e contatos. Agora, vivo um momento em que não sei o que fazer ou quais oportunidades surgirão, mas me exercito diariamente para estar aberta a elas. Nunca imaginei ser escritora, mas agora me vejo assim, autora de vários livros.
Outra vontade é ir para a televisão. “O Corre Delas” me deu gosto por entrevistar, e quero ter um programa de entrevistas. Penso em algo como o da Marília Gabriela. Tivemos o Jô por muitos anos, depois o Bial. Por que não, daqui a 10 anos, termos uma mulher nesse horário, e por que não essa mulher ser eu?
Nunca tive grandes questões sobre a minha sexualidade porque, quando chego em um lugar, as pessoas veem primeiro que sou negra e depois que sou lésbica. Acho que essa não foi uma escolha minha, mas uma escolha estrutural. O primeiro preconceito que sofro é por ser negra, não por ser casada com uma mulher.
Ainda assim, reconheço a importância de falar sobre isso, não diretamente, mas compartilhando minha rotina com a Stephanie e nossas conquistas como mulheres. Participei de um podcast da Bolsa de Valores onde falei sobre isso, sobre a potência de duas mulheres cuidando de suas finanças, algo que fomos ensinadas a precisar de um homem para fazer.
Olha, eu acho as trends muito perigosas, especialmente em termos de saúde mental. Se tentarmos seguir e estudar todas elas, realmente não sobreviveremos. Então, sou totalmente contra seguir tendências. Sempre vi moda e beleza como um espaço para entender o que realmente combina comigo. O conteúdo que produzo reflete isso: não ditar tendências, mas ajudar as pessoas a entenderem que não precisam segui-las.
É inegável que elas existem no mercado. Mas acredito que há espaço para todos. Vejo que essa rapidez é mais evidente no TikTok do que no Instagram. Percebo que é uma questão geracional: os millennials estão no Instagram e a Gen Z está no TikTok. Tenho muita dificuldade de emplacar conteúdo no TikTok, porque, aos 35 anos, é difícil entender a linguagem dali. Não que eu me sinta velha, mas é uma dinâmica diferente.
Considero a profissão de influenciador muito séria, com uma grande responsabilidade para com as pessoas do outro lado da tela. Por isso, acho perigoso endossar essas tendências rápidas o tempo todo, pensando primeiro na saúde mental e depois na questão financeira. Vivemos no Brasil, onde muitas pessoas não têm condições de comprar desenfreadamente conforme as tendências surgem.
Tento me afastar ao máximo desse perfil que dita tendências. O que posso ditar, talvez, seja uma tendência de conteúdo: legendas mais aprofundadas, não rápidas; vídeos mais longos, não curtos. Minha influência vai nesse sentido, evitando o perigo de incentivar essa agilidade que não conseguimos sustentar.
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