Lidia Capitani
26 de agosto de 2022 - 0h13
Há mais de cem anos, em 1920, era criada a 19ª emenda à constituição dos Estados Unidos, que assegurou o voto feminino e a participação das mulheres nas eleições nacionais. 53 anos depois, o Congresso norte-americano instaurou neste dia, 26 de agosto, o Dia Internacional da Igualdade Feminina.
Desde então, com o fortalecimento dos movimentos feministas no mundo inteiro, novos direitos foram garantidos, inclusive para as mulheres brasileiras. Por aqui, elas puderam votar a partir de 1932. Em 1962, foi criado o Estatuto da Mulher Casada, que assegurava a elas o trabalho sem autorização do marido. No mesmo ano, a pílula anticoncepcional chegou ao Brasil, trazendo autonomia às mulheres e iniciando discussões acerca dos direitos reprodutivos e da liberdade sexual. Em 1974, pudemos ter um cartão de crédito – antes, o banco liberava apenas com consentimento do homem. Em 1977, chega o direito ao divórcio. Dois anos depois, fomos permitidas a jogar futebol. Em 1985, é criada a primeira Delegacia da Mulher. A nova constituição chega em 1988, e reconhece a igualdade das mulheres perante os homens.
O século 21 também é marcado por novas conquistas: a Lei Maria da Penha, em 2006, a Lei do Feminicídio, em 2015, e a importunação sexual contra mulheres como crime, em 2018. No ano passado, foi criada a lei para combater a violência política contra a mulher. Foi uma longa jornada para assegurarmos os nossos direitos perante a sociedade, mas o caminho ainda é longo para alcançarmos um patamar de igualdade plena. De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial, a equidade entre os gêneros só será alcançada em 132 anos.
DESIGUALDADE NO TRABALHO
O índice de paridade entre os gêneros foi criado pelo Fórum Econômico Mundial. Desde 2009, o gap entre homens e mulheres estava diminuindo. Entretanto, 2020 foi marcado por um decréscimo da taxa de paridade, o menor nível já registrado, por consequência da pandemia. Muito por conta dos obstáculos e desafios impostos às mulheres no período, sendo um deles a taxa de desemprego, que mundialmente afetou mais as mulheres, ainda segundo o relatório. Neste mesmo estudo, o Brasil se encontra na posição 94 do ranking de igualdade de gênero, numa lista de 146 países.
Já registramos muitos avanços legislativos e políticos, entretanto, no âmbito profissional, o trabalho também precisa ser exercido pelas empresas privadas. De acordo com Sofia Esteves, fundadora e presidente do Conselho Grupo Cia de Talentos e da startup Bettha.com, “o papel de uma empresa é ter a representatividade do país onde ela está”. Foi há poucos anos que o Brasil começou a olhar para a diversidade e se preocupar em garantir a representatividade e a igualdade.
Para Sofia Esteves, fundadora e presidente do Conselho Grupo Cia. de Talentos, o papel de uma empresa é ter a representatividade do país onde está (Crédito: Divulgação)
Elas trabalham e cuidam
Durante a pandemia, escolas e creches foram fechadas, e isso resultou numa carga de trabalho de cuidado das crianças que fatalmente recaiu sobre as mulheres. De acordo com o mesmo estudo, em 2019, a proporção de tempo gasto em trabalho não remunerado pelos homens, em comparação com o remunerado, era de 19%, contra 55% pelas mulheres.
Elas lutam por cargos de liderança
Apesar da taxa de mulheres em cargos de liderança ter aumentado de 33% para 36,9% mundialmente desde 2016, ainda não é um nível satisfatório e apenas alguns setores apresentam taxas de maior representatividade feminina, como organizações não-governamentais (47%), educação (46%) e serviços pessoais e de bem-estar (45%). Enquanto isso, outros segmentos como energia (20%), manufatura (19%) e infraestrutura (16%) apresentam níveis bem abaixo. Os setores que identificaram maior aumento de mulheres na liderança foram os que já tinham uma alta representatividade feminina.
Neste ponto, o Brasil também peca. Segundo Sofia, este é um dos nossos desafios atuais. “Hoje, temos uma equidade bastante forte no nível de base das organizações, do início de carreira, mas na alta liderança ainda temos índices bem fracos, de 15 a 20% [de representatividade feminina] do nível da alta liderança”.
Elas acumulam menos riquezas
Outro índice de disparidade entre os gêneros que o relatório aponta é quanto ao acúmulo de riqueza ao longo da vida profissional. Em profissões operacionais, o índice marca 11% de desigualdade, mas aumenta conforme o nível hierárquico. Em cargos técnicos, o nível triplica para 31%, e para cargos seniores e de liderança, chega a 38% de diferença. Os principais fatores para a disparidade, conforme aponta o relatório, são as desigualdades salariais entre os gêneros, além da discrepância na trajetória profissional e na educação financeira.
Elas andam mais estressadas
Dado o aumento da carga de trabalho de cuidado, as diferenças salariais, de trajetória profissional, entre outros obstáculos da vida profissional das mulheres, elas enfrentam uma carga de estresse 4% maior do que os homens. Esse nível também se deve à atual crise de saúde mental e emocional em todo o mundo, de tal maneira que afeta desproporcionalmente mais elas, segundo o estudo.
O PAPEL DAS EMPRESAS
Neste ponto, é função das empresas promover um programa de empoderamento das mulheres, diz Sofia Esteves. “Como muitas vezes elas não se sentem num ambiente inclusivo, acabam dando menos opinião e participando menos de algumas discussões. É preciso mostrar que elas têm um papel de embaixadoras. Elas devem se sentir ouvidas, ter participação nas decisões estratégicas. Então, o papel de uma organização é promover um ambiente inclusivo e oferecer apoio quando elas se expressarem. Nas avaliações de desempenho, também é importante que os líderes analisem todos os profissionais da mesma maneira e entendam os gaps que cada uma apresenta, para acelerar o desenvolvimento e o crescimento das mulheres, com promoção e apoio a treinamentos e capacitações adequadas para o que elas buscam”, acrescenta a presidente.
“Tudo começa no processo seletivo, onde eu preciso garantir que haja um número proporcional de homens e mulheres nas oportunidades de trabalhar na organização”. Além disso, Sofia afirma que as empresas precisam entender as dores e os pontos de atenção que as mulheres enfrentam para saber se há dificuldade no desenvolvimento profissional ou falta de oportunidades. Para ela, ao analisar esses entraves, é possível entender se eles ocorreram por machismo ou por um viés inconsciente que estrutura a nossa cultura e sociedade.
DISCRIMINAÇÃO, REPRESENTATIVIDADE E PAPEL EDUCATIVO
Por ter empreendido muito jovem, com apenas 26 anos, e num tempo em que quase não havia mulheres empreendendo no Brasil, Sofia enfrentou muitos momentos de discriminação por ser mulher, mas encontrou um modo de reagir e ser validada.
“Ao invés de me ofender, eu cumpria um papel de educar e dizer coisas como ‘olha, tenho certeza que você vai me olhar pela minha capacidade, e não pelo meu sexo ou pela minha idade”, conta.
Hoje, ela ainda leva esse posicionamento até mesmo para as reuniões dos conselhos administrativos que participa. Quando percebia que os homens haviam mudado de assunto sem ouvir sua opinião, lembra, ela parava a conversa e dizia: “não sei se vocês perceberam, mas eu ainda não dei a minha opinião. Tenho coisas para falar sobre isso e só não vou me ofender porque tenho certeza que vocês não viram que eu ainda não havia falado”. Ao longo do tempo, ela percebeu como os homens se conscientizaram e passaram a ouvi-la.
Além de assumir esse posicionamento educativo, ela também acredita na importância da representatividade das mulheres nos comitês e em cargos executivos. “Quando isso começa de cima, você passa a quebrar paradigmas”, afirma. “Quando há uma mulher no nível de altíssima liderança de uma empresa, as outras olham e pensam: ‘puxa, estou sendo cuidada, já que agora há uma representatividade [feminina] no conselho de administração’”.