Lições de liderança inclusiva com Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós
A fundadora e CEO da consultoria em sustentabilidade e diversidade descreve as habilidades de uma liderança inclusiva e explica o que significa “diversity washing”
Lições de liderança inclusiva com Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós
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Lidia Capitani
15 de junho de 2023 - 10h40
Para Liliane Rocha, o começo da carreira profissional na área da sustentabilidade aconteceu por acaso, fruto de um RH que enxergou sua veia social logo no início. Após atuar em empresas de diferentes setores, entendeu que havia alcançado um teto em seu crescimento profissional. Por ser mulher, negra e lésbica, compreendeu que existia um limite até onde conseguiria chegar dentro do mundo corporativo.
Logo, a especialista em ESG decidiu que alcançaria os lugares de tomada de decisão por outra via: a do empreendedorismo. Assim, em 2015, ela fundou a Gestão Kairós, uma consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade. Desde então, já atendeu clientes como Gerdau, Ambev, Instituto Unibanco, Vivo, Grupo SBF, Centauro e Nike.
Nesta entrevista, Liliane Rocha fala sobre suas origens, carreira profissional e sua jornada empreendedora. Também discute sobre as características do que ela chama de liderança inclusiva, o conceito de “diversity washing”, além de descrever o seu próprio estilo de liderança.
Conte um pouco sobre suas origens.
Uma das primeiras memórias que me vem à mente é a do meu pai. Quando pequeno, ia descalço até a escola, chegava lá, pegava o chinelo que o irmão estava usando de manhã e colocava para passar o dia de chinelo e o irmão voltava descalço. Eu venho de uma família de baixa renda no Brasil, como a maioria da população negra, mas com uma referência de pais muito esforçados, trabalhadores e muito realizadores, dentro do que foi possível para cada um deles.
Já depois separada do meu pai, eu vivi com a minha mãe uma primeira infância bem vulnerável. Nós dormíamos em barracos de 18 metros quadrados e chão de barro. Mas quando fui morar com meu pai, em torno dos 9 anos, ele já tinha bastante renda. Eu saí da linha da pobreza, mas continuei estudando em escola pública. Só que eu já não precisava me preocupar se teria ou não uma refeição e conseguia cuidar da minha saúde, além de ter saído de uma situação de violência no lar que a minha mãe vivia. Mas só o fato de eu sair da linha da extrema privação, já transformou completamente a minha vida.
Conte sobre a sua trajetória profissional e em que momento você decidiu empreender.
A minha jornada profissional começa em 2005, numa grande empresa do setor de eletrônicos como estagiária de comunicação. Na época, eu estava me formando em relações públicas e ao longo do processo de contratação me migraram para a área de sustentabilidade, que eu ainda não conhecia. Em 2005, pouco se falava de forma mais consistente de sustentabilidade. Eu lembro que ao final do processo falaram “olha, você passou nessa empresa, mas a gente achou que você tinha mais conexão com uma outra área, que atua com projetos sociais, ambientais e de diversidade”. Eu lembro de ter brincado “Vocês vão me pagar para fazer isso? Vamos!”
Depois eu passei por outras empresas dos setores de varejo, financeiro e mineração. Eu acho que dei sorte porque as três primeiras empresas em que trabalhei estavam na vanguarda da sustentabilidade, do ESG e da diversidade. E nessa última empresa, eu implantei a área de diversidade e de sustentabilidade, sendo a primeira do grupo. O esforço que isso me demandou me gerou um repertório e um conhecimento muito grande.
Já em meados de 2014 e 2015, por ser uma mulher negra e lésbica, eu entendi que na estrutura de sociedade empresarial que vivemos, eu teria um teto de crescimento no mundo corporativo. Havia uma linha invisível da qual não me deixavam passar, por mais bem avaliada que eu fosse, por maior que fosse o meu salário. Ou seja, aumentava-se o meu salário, mas não me promoviam de cargo. Em algum momento, eu me conscientizei, de forma dolorosa, que talvez eu tivesse que partir para um outro processo para estar nos espaços intelectuais e de tomada de decisão que eu gostaria de estar. E aí está o embrião da Gestão Kairós, que se consolidou no primeiro semestre de 2015.
Além da Gestão Kairós, você atua como conselheira de diversidade para algumas grandes empresas. Quais os principais desafios que os gestores enfrentam quanto ao tema de diversidade e sustentabilidade e como podemos superar esses obstáculos?
Eu acho que a liderança encontra dois desafios. O primeiro é daquela liderança visionária que já percebeu a importância da diversidade para a empresa, para o Brasil e para a humanidade, e ela precisa partilhar essa visão. Essa líder precisa inspirar e levar essa visão para os seus diretores, para os vice-presidentes, para os conselhos de administração, que eventualmente não pensaram ainda nessa questão. Acho que esse é um grande desafio.
O que eu faço com esse CEO é instrumentalizá-lo com possíveis caminhos de diálogo, de ampliação de conhecimento, de estratégia de diversidade, de gestão da diversidade para abordar com os conselheiros de administração. Além de envolver, engajar e deixar clara a importância da diversidade como uma competência fundamental da alta gestão.
Como você cunhou o termo da “diversity washing”? Desde então, você acredita que houve alguma mudança no contexto corporativo?
Em meados de 2016, eu estava assistindo uma propaganda muito bonita, muito inspiracional de uma grande empresa. Mas naquela mesma semana, me contaram sobre duas violações de direitos relacionado às mulheres e negros nessa companhia. Entre 2005 e meados de 2010 o termo de ‘green washing’ era muito falado, muito mais do que hoje. A lavagem verde faz referência às empresas que se apropriam de atributos de sustentabilidade sem necessariamente fazer uma gestão consistente da porta para dentro.
Logo, meu cérebro fez essa conexão “nossa, isso é um diversity washing”, ou seja, são empresas que entenderam que diversidade é importante, porque negros, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, pessoas com 50 anos ou mais são um público consumidor e gerador de renda, e entenderam que vão ter que fazer produtos, serviços e comunicação para essas pessoas, mas não necessariamente vão contratar essas pessoas, trazer o currículo delas, trazer a competência, a existência, a humanidade, as características dessas pessoas da porta para dentro.
Entretanto, acho que isso melhorou um pouco. Temos um censo na Gestão Kairós feito entre 2019 e 2021, e lançado em 2022, que destaca a composição do quadro funcional das grandes empresas que são referência em diversidade. Elas são compostas por 33% de mulheres, 33% de negros, 2,7% são pessoas com deficiência, 5,4% são pessoas homossexuais, bissexuais e nem 1% são pessoas trans. Então, quando olhamos esses percentuais, vemos que pouco avançamos nessa pauta. Contrariamente, temos a sensação de que avançamos, mas por quê? Porque fala-se muito sobre o tema, mas ainda há muito a ser feito. Falar é parte do problema, mas fazer é fundamental.
Você escreveu o livro “Como ser um líder inclusivo”. Quais as características e habilidades de um líder inclusivo?
Essa parte do livro é fruto de uma série de workshops com líderes, nos quais eu sempre faço essa pergunta. O que essas lideranças falam e que eu corroboro é a empatia. Ou seja, a partir da nossa vivência, precisamos saber se colocar no lugar do outro. Outro ponto é a capacidade de diálogo, e acho que os livros de comunicação não-violenta falam sobre isso. Eu falo com intenção, e escuto com atenção.
Mas a gente pode sair do diálogo e ir para o debate, em que eu procuro algo no argumento do outro que possa minar a ideia do outro. Podemos sair daí e ir para a discussão. Na discussão, eu nem tento minar a ideia, eu mino a pessoa. Essa pessoa, dessa faculdade, desse bairro, com essa característica, com esse gênero, com essa rotina, eu nem vou conversar com ela. E, por fim, o confronto. Onde, se pudermos, a gente extingue o outro da face da terra. Nesse ponto, temos o exemplo do George Floyd e do João Alberto (João Aberto Freitas, morto em novembro de 2020 nas dependências de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre, por violência de seguranças da rede varejista).
Um líder tem que ter consciência dessas quatro formas de interação e tentar manter-se o máximo possível no diálogo. Então, as características de um líder inclusivo seriam a empatia, o diálogo e a consciência dos seus vieses. É fundamental ter consciência dos nossos vieses inconscientes.
Outra coisa que eu acho muito importante é ser o exemplo do que se fala. Falar é fácil, mas fazer é um grande desafio. E, por fim, respeito. Respeitar ideias, pensamentos e opiniões diferentes. Eu brinco que, às vezes, a gente não consegue respeitar ideias e pensamentos diferentes nem no ambiente virtual. Vai lá, exclui, bloqueia quem pensa diferente, então imagina no mundo real. É essencial respeitar ideias e pensamentos distintos.
Como você descreve seu estilo de liderança?
Eu descrevo como um estilo de liderança inclusivo. Eu gosto de ter na minha equipe mulheres, negros, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+, pessoas com 50 anos ou mais, isso é fundamental para mim. Além disso, é importante que as pessoas tenham um espaço de fala, de diálogo, em que elas se respeitem, mas entendam que um excelente profissional também é um ser humano em construção. Um ser humano que precisa ampliar seu autoconhecimento, porque atualmente vivemos dilemas homéricos que sequer entendemos, como a quarta revolução industrial, nanotecnologia, biotecnologia, impressora 3D e internet 5G. Vivemos no Brasil um paradoxo social e estrutural muito grande de várias formas. Então, acho que essa liderança inclusiva é uma liderança que também tem pensamentos sistêmicos e está preparada para lidar com situações complexas tentando trazer simplicidade para o dia a dia.
Por fim, indique três filmes, séries ou livros que você recomenda para quem quer saber mais sobre sustentabilidade e diversidade?
Sobre diversidade, eu indico “A Garota Dinamarquesa”, que achei fantástico e mudou muito a minha visão de mundo. “Estrelas Além do Tempo”, para citar um clássico que eu acho maravilhoso. E eu gosto muito de “Quanto Vale ou É Por Quilo”, que é um filme maravilhoso e um dos DVDs que eu guardo com muito carinho. Já sobre sustentabilidade, eu gosto muito de “Uma Verdade Inconveniente”, do diretor Davis Guggenheim, sobre a campanha do ex- vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, de educação sobre o aquecimento global. É um filme que parece ser sobre espiritualidade, mas que nos dá um contexto e amplia a nossa visão sobre ESG e sustentabilidade e também sobre quem somos nós.
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