Michelle Andrade: liderança e ancestralidade caminham juntas

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Michelle Andrade: liderança e ancestralidade caminham juntas

Em entrevista, a head de Operações e Projetos fala sobre sua trajetória, inspirações, desafios da comunicação antirracista e conselhos de carreira


7 de março de 2024 - 15h07

Michelle Andrade é head de Operações e Projetos na Black Influence (Crédito: Jordan Vilas)

Para Michelle Andrade, que passou por momentos de muita insegurança profissional, ser head de Operações e Projetos na Black Influence, um lugar com profissionais pretos, é a realização de um sonho. A agência é especializada em influência digital e comunicação antirracista, com um time 100% racializado. A profissional, que começou na área de relações públicas, agora lidera projetos de comunicação que valorizam a diversidade, a inclusão, e, mais importante: a inovação. 

Nesta entrevista, a executiva fala sobre os erros que as marcas cometem ao pensar em campanhas inclusivas, os desafios dos influenciadores atualmente e a importância da existência de empresas racializadas como a Black Influence. Além disso, ela fala sobre seu estilo de liderança com foco na humanização e dá um conselho para profissionais de comunicação no início da carreira: nunca duvide de suas capacidades. 

Como você resumiria sua trajetória profissional?

Ainda na adolescência, eu nutria um grande interesse pela moda. Por isso, optei por me graduar em Comunicação Social, com ênfase em jornalismo, complementando minha formação posteriormente com diversos cursos focados em moda.  

Com o tempo, minha carreira foi se desenvolvendo por meio de uma série de experiências que mesclavam jornalismo e moda. Até que a moda começou a ceder espaço para outras áreas de interesse, especialmente aquelas ligadas à cultura e às questões raciais. Trabalhei em diversas assessorias de imprensa no Rio de Janeiro, até que senti a necessidade de explorar novos horizontes, o que me levou a mudar para São Paulo.  

Já com uma pós-graduação em Marketing concluída no Rio, continuei minha trajetória na capital paulista, vivenciando a evolução do mercado de comunicação e das agências de PR. Sempre motivada por estabelecer conexões e criar oportunidades, minha carreira tomou novos rumos conforme fui me especializando em inovação, entendendo que esta não se limita à tecnologia, mas se estende também à comunicação. 

Após anos em agências, explorando diferentes facetas do gerenciamento de projetos e relações públicas, decidi focar em áreas que permitissem um olhar mais humano e conectado às pessoas, marcas e projetos. Busquei ampliar ainda mais minhas competências por meio de novas experiências em gestão de projetos, agora com um enfoque mais estratégico e integrado, atuando com influenciadores digitais e mantendo a essência da comunicação e do PR. 

Qual é o principal erro das marcas em campanhas com propostas inclusivas? 

O principal deles é a falta de diversidade nas posições de liderança. Não basta apenas ter uma variedade de estagiários ou funcionários. As empresas precisam entender a importância de ter pessoas diversas em cargos de gestão. Sem essa diversidade, os erros são inevitáveis e podem até passar despercebidos. 

Além disso, não é suficiente ter apenas uma pessoa representando a diversidade do time. O Brasil é um País de grande diversidade racial e cultural, e dentro de cada comunidade, como a negra, existem muitas variações. Não podemos nos contentar com a presença singular de alguém de uma determinada etnia ou grupo racial. Precisamos de múltiplas vozes e perspectivas para garantir uma representação rica e autêntica. 

Ter uma “cadeira reservada” para a diversidade não é o objetivo final. Cumprir cotas não significa sucesso. É crucial ter um olhar cuidadoso e especializado, especialmente ao vincular pessoas a produtos, serviços ou campanhas, para que a representação seja orgânica e natural, indo além da simples aparência de inclusão. 

Quais são os desafios enfrentados pelos influenciadores no mercado publicitário atualmente? 

Na Black, trabalhamos com um casting majoritariamente preto, mas sempre buscamos explorar a diversidade em geral. No entanto, falando sobre desafios, acredito que o grande ponto é a inovação. Não apenas aquela proposta pelo influenciador, mas também a maneira com que ele se mantém relevante. Não adianta só fazer um job; se você busca uma carreira consistente, é preciso se manter atualizado, estudar e entender as tendências, para inovar na forma como você conta sua história. 

Aqui, valorizamos muito a cocriação. Desde o briefing, lutamos com as marcas para colaborar e cocriar juntos. Eu defendo essa abordagem, pois acredito que ela traz mais autenticidade. Ser diferente e transmitir sua verdade de maneira estratégica vai além de apenas gravar um vídeo; é construir bem o que você vai contar. Não é necessário ter um estúdio profissional, mas é essencial ter a sua autenticidade e contar quem você é.  

Qual é o seu maior desafio como head de operações e projetos da Black Influence? 

Um ponto que destaco como crucial é a humanização. Às vezes, no meio da comunicação, esquecemos que somos seres humanos, não máquinas. O mercado publicitário, com seu senso de urgência e desespero, representa um grande desafio, não só para mim, mas para todos. É fundamental lembrar de que precisamos respirar, ir com calma, entender que ninguém está morrendo. 

Quando falamos sobre liderança, prezo pela participação, pela capacidade de impulsionar e ajudar no desenvolvimento das habilidades das pessoas. Muitas empresas não estão dispostas a investir no desenvolvimento de suas equipes, e querem que as pessoas cheguem prontas. No entanto, esquecem que as oportunidades são diferentes para cada indivíduo. Transformar, ensinar e agregar são características que aprecio em uma liderança. 

Por que é importante ter uma agência focada em influenciadores negros? 

Acredito que seja importante não apenas a existência da Black, mas de várias outras empresas com o mesmo propósito. Precisamos dessas pessoas fazendo, criando, empreendendo, pois somos diferentes e o nosso País é muito grande e diverso. É fundamental para que as pessoas negras se enxerguem e se reconheçam.  

Na minha geração, era difícil me ver, principalmente sendo uma mulher negra de pele clara. Eu olhava para os padrões e não via representatividade para pessoas como eu, meus irmãos e amigos. Os veículos de comunicação não mostravam essa diversidade. Por isso, ter empresas como a Black serve de inspiração para outros jovens. Mostra que é possível se dedicar e alcançar objetivos, embora saibamos que não seja um trajeto fácil. É sobre abrir caminho. 

Internamente, contamos com um time 100% racializado, o que para mim é realizar um sonho. Ao longo da minha carreira, muitas vezes me senti sozinha. Ao crescer profissionalmente e ocupar cargos mais altos, tive a oportunidade de sentar em mesas para validar e negociar, vivendo muitas vezes essa experiência de maneira solitária. 

Ao reconhecer meus privilégios, sempre busquei trazer a diversidade, provocar e mostrar que os consumidores têm diversas tonalidades de pele. Vender para esse público requer uma abordagem adequada, e é nisso que focamos, promovendo uma troca de conhecimento e incentivando a compreensão de que certas abordagens são mais eficazes que outras. 

Quem são as mulheres que te inspiram? 

Essa inspiração, para mim, tem uma forte ligação com a ancestralidade, especialmente com as mulheres pretas que vieram antes de mim. No entanto, a pessoa que mais me inspira é, sem dúvida, minha mãe. Com quase 42 anos, tenho refletido sobre como ela moldou minhas habilidades e competências de uma maneira que eu não compreendia totalmente antes. 

Minha mãe sempre me guiou, desafiando-me constantemente. Ela não apenas apontava o caminho certo, mas me apresentava as escolhas, me provocava a pensar nas possibilidades. Essa minha criação contribuiu para minha abordagem desafiadora no trabalho. Ao liderar equipes, não imponho soluções, mas, sim, provocações para encontrar consensos, envolver todos na busca por respostas. 

Receio mencionar nomes e esquecer alguém próximo, mas um discurso da Zendaya ressoa muito em mim. Ela fala sobre a importância de reconhecer nossos privilégios, especialmente pessoas de pele mais clara, e abrir caminho para as retintas terem espaço, voz e participação. 

Qual conselho daria para um profissional de comunicação no início da carreira? 

Houve uma fase em que questionei profundamente meu potencial e as possibilidades disponíveis para mim. Foi um momento crucial, quando comecei a perceber que diversas habilidades que eu tinha poderiam, de fato, moldar tanto minha carreira quanto minha personalidade. O conselho que eu me daria é sobre a importância de acreditar em si mesmo e dedicar-se. Nunca duvide das suas capacidades.  

Além disso, enfatizo muito a importância de estar aberto a fazer conexões significativas e construir relacionamentos sólidos que, a longo prazo, podem se revelar extremamente valiosos. Posso dizer por experiência própria que uma das últimas agências em que trabalhei me contratou devido a um relacionamento construído ao longo de muitos anos. 

Portanto, não apenas acredite em si mesmo, mas também esteja sempre pronto para aprender, pedir ajuda quando necessário e nunca ter vergonha de admitir que você não sabe algo. É essencial manter uma postura de aprendizado contínuo, estar disposto a explorar e expressar suas opiniões. 

A autenticidade, a vontade de se informar, estudar e se conectar são elementos cruciais. Acredito que as respostas que procuramos estão dentro de nós. É um processo de autodescoberta, olhar para dentro, identificar nossas inseguranças, pedir apoio se necessário e, então, projetar-se para fora novamente com uma perspectiva renovada.  

Este processo de introspecção e exteriorização fortalece nossa determinação e nos ajuda a valorizar nossas conquistas, reconhecendo que os momentos de sucesso vêm de acreditar em nós mesmas, buscar ajuda quando precisamos, sermos autênticas e nos manter engajadas e informadas. 

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