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Os desafios das podcasters independentes, com Isabela Reis
A voz por trás do “Angu de Grilo”, “Conselhos que você pediu” e “PPKansada” fala sobre a importância da frequência dos podcasts e os desafios de remuneração do formato
Os desafios das podcasters independentes, com Isabela Reis
BuscarA voz por trás do “Angu de Grilo”, “Conselhos que você pediu” e “PPKansada” fala sobre a importância da frequência dos podcasts e os desafios de remuneração do formato
Lidia Capitani
10 de abril de 2024 - 10h41
Isabela Reis, uma das vozes mais reconhecidas no universo dos podcasts brasileiros, iniciou sua jornada nesse meio em 2019, cativada pela crescente oferta de conteúdo no Spotify. Sua paixão pelo formato ganhou força enquanto aprendia crochê, uma atividade que permitia concentração total e abria espaço para o áudio, dando vida a uma nova forma de consumir conteúdo.
“Inicialmente, eu consumia conteúdo jornalístico diariamente, como o ‘Café da Manhã’, da Folha de S.Paulo. Essa rotina matinal, combinada com o ‘Durma com Essa’, do jornal Nexo, à noite, formou minha base de consumo de podcasts”, relata. Com o tempo, ela se engajou em outros tipos de podcasts, como o de roda de conversa, e se tornou ouvinte assídua do “Um Milkshake Chamado Wanda” e o “É Nóia Minha?”, da Camila Fremder, que depois se tornaria sua colega de microfones.
Para Isabela, os podcasts se tornaram a trilha sonora de sua vida. “O podcast é uma parte essencial da minha rotina. Desde momentos específicos, como buscar meu filho na escola, até os de descontração à noite, com Lorelay Fox”, conta.
Além disso, para ela, existe uma conexão especial entre apresentador e ouvinte, relação única que não se constrói em outras mídias. “Passar horas ouvindo uma pessoa em um podcast cria um nível de intimidade e confiança que não pode ser replicado em outras plataformas. O podcast oferece uma experiência única de conexão e credibilidade que me faz acreditar profundamente no formato, além de alimentar minha paixão por ele.”
A trajetória de Isabela na produção de conteúdo começou com o “Angu de Grilo”, em agosto de 2019, um projeto que cocriou com sua mãe, a jornalista Flávia Oliveira, e que marcou o início de sua incursão no mundo dos podcasts. Desde então, ela diversificou seus projetos, lançando-se em empreitadas como “Conselhos que você pediu” e “PPKansada”, cada um com um foco distinto.
No “Angu de Grilo”, a dinâmica entre mãe e filha estabelece uma conexão única com a audiência, enquanto “PPKansada” oferece um espaço acolhedor para discussões sobre o universo feminino, incluindo experiências pessoais compartilhadas entre amigas e convidados. Já em “Conselhos”, Isabela assume o papel de conselheira, compartilhando suas próprias vivências para oferecer apoio aos ouvintes que buscam orientação.
“O ‘PPKansada’ surgiu durante a pandemia, quando eu, junto com Camila Fremder e outras colegas da newsletter da Associação dos Sem Carisma, decidimos expandir nossa colaboração para um podcast. Por outro lado, o ‘Conselhos’ nasceu do meu desejo de ter um projeto solo, permitindo-me controlar todos os aspectos da produção. Com o crescimento dos meus projetos e a chegada do meu filho, precisei delegar a edição dos outros podcasts, mas queria manter ‘Conselhos’ como um espaço mais íntimo e pessoal, explorando o formato de monólogo, algo que eu sentia que faltava no mercado brasileiro de podcasts.”
Além de seus projetos pessoais, Isabela também apresentou o podcast da HBO ao lado do jornalista e comentarista Chico Barney, chamado “Não é um podcast”. Nele, os apresentadores discutiam temas relacionados às séries e filmes do catálogo da rede de televisão.
Para Isabela, a presença feminina nos podcasts tem crescido, especialmente em gêneros como notícias, embora ainda haja desafios a serem superados. Ela lembra de referências como o “Café da Manhã”, da Folha, que comumente era apresentado por uma voz feminina; o “Foro de Teresina”, da Revista Piauí, que também era apresentado por mulheres; e “O Assunto”, do G1, com a Natuza Nery.
Ela observa que houve uma explosão de videocasts pós-pandemia. “Antes, eles eram predominantemente masculinos, como o ‘Podpah’ e o ‘Flow’, mas isso está mudando.” Entretanto, Isabela ressalta a importância da constância na produção de conteúdo, algo que nem todos conseguem manter. “Em quatro anos, só paramos quando minha mãe teve pneumonia e eu tirei minha licença-maternidade de 40 dias. Fora isso, nunca falhamos em lançar episódios toda terça-feira.”
O desafio da constância é especialmente maior diante da falta de retorno financeiro principalmente para produtores independentes. “A dificuldade em manter a regularidade é evidente, já que não há remuneração por reprodução. Questiono: quem tem tempo para se dedicar a um trabalho sem retorno financeiro?”, provoca.
Também por estes desafios, Isabela ressalta o vácuo existente de podcasts que abordam a maternidade. “Para mim, a grande lacuna está na educação parental. A realidade é que, para as mães, a conta muitas vezes não fecha. Meus podcasts sobrevivem graças a publicidades e outros trabalhos. Se chegar o momento em que não puder mais sustentá-los financeiramente, será a primeira coisa a cortar. É um desafio que muitas mães enfrentam, e ainda vejo uma grande necessidade de mais conteúdo de qualidade sobre maternidade nos podcasts.”
O mesmo problema se estende para as mulheres negras, que têm baixa representatividade entre os apresentadores de podcasts no Brasil. “As mulheres negras já têm menos oportunidades de trabalho e são menos valorizadas. Se o podcast não paga, manter essa constância é osso.”
Ela lembra quando tentou fazer, há alguns anos, um catálogo de podcasts apresentados por pessoas negras. “Fiz uma super pesquisa para ver quais existiam na época, e muitos tinham apenas um ou dois episódios e foram abandonados”, lembra. Numa rápida pesquisa no top podcasts do Spotify, a jornalista destaca alguns: “O Corre Delas”, da agência Obvious com Luanda Vieira, “Me Sinto Pronta Pod”, da criadora de conteúdo Luisa Brasil, e “Para Dar Nome às Coisas”, original do Spotify, com Natália Souza.
“Para manter um nível de produção desse jeito, precisa de muito recurso. E, para fazer de forma independente, que é mais barato, precisa ter tempo e grana, e outras fontes de renda para bancar. É uma equação complicada que poderia ser resolvida se as plataformas pagassem melhor”, aponta.
A questão econômica também é central na análise de Isabela sobre seus próprios projetos. No podcast “Angu de Grilo”, por exemplo, elas contam com um programa de apoiadores, mas a remuneração ainda não é suficiente para viver da atividade. “Basicamente usamos para pagar nosso editor de áudio, de vídeo e nossa social media, e para guardar um pouco para projetos futuros. Temos 600 apoiadores, mas isso não paga nossas contas”, afirma.
Já em projetos como o “Conselhos” e “PPKansada”, o programa de apoiadores não deu certo, mas elas conseguem inserir publicidade nos episódios, mesmo que esporadicamente. “Acho que as marcas ainda não entenderam bem como anunciar em podcasts. Episódios temáticos são difíceis de fazer, assim como trazer convidados das marcas ou especialistas delas. Elas ainda não compreenderam direito como se encaixar num podcast de maneira que a audiência as valorize.”
Por outro lado, Isabela questiona o papel das plataformas de streaming para remunerar os produtores de conteúdo. Ela destaca a necessidade de um modelo de monetização mais justo, que reconheça o valor do trabalho dos podcasters.
“Muitos podcasts começaram a ter programas de apoio, onde você paga uma assinatura para ter acesso a conteúdos exclusivos. Mas isso não é sustentável para todo mundo, porque acaba transferindo a responsabilidade de financiar os podcasts para o público, o que deveria ser também responsabilidade das plataformas”, afirma.
Isabela representa não apenas uma voz feminina nos podcasts, mas também uma força impulsionadora por trás da diversidade e inclusão nesse meio, desafiando barreiras e inspirando outros a seguir seus passos. Seu compromisso com a qualidade do conteúdo, com a autenticidade das relações e a constância na produção é um testemunho de sua dedicação em construir comunidades acolhedoras num mundo digitalizado cada vez mais escasso de conexões reais.
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