Cannes
Análise: o Leão da estratégia
Managing partner da Sparks & Honey, Laura Chiavone avalia os cases premiados na categoria Criative Strategy
Managing partner da Sparks & Honey, Laura Chiavone avalia os cases premiados na categoria Criative Strategy
Meio & Mensagem
1 de julho de 2019 - 11h39
Laura Chiavone, managing partner da Sparks & Honey
Quando fui Young em 2004, me perguntaram se eu ia competir em Cannes e eu disse que não, que “estrategista não competia”. Mas que grande asneira eu pensar isso. O tempo me mostrou equivocada. Ainda bem. Antes de falar sobre o resultado da categoria Creative Strategy em Cannes 2019, acho bom falar sobre a categoria sendo um leão em si mesmo.
Finalmente. Pela primeira vez em 66 anos, o Festival Internacional de Criatividade trouxe a categoria de estratégia. Curioso, não? Há pelo menos 15 anos, desde a minha primeira vez em Cannes como Young vejo uma porção de estratégias brilhantes sendo premiadas, mas sem ter estratégia no nome do leão. O ano de 2004 foi o do inesquecível Real Men of Genius. Será que o festival internacional de criatividade nunca tinha considerado a estratégia uma disciplina criativa? Ou será que sempre houve estratégia em tudo? Minha aposta é que o aumento de relevância de dados e a transformação digital de todo o ecossistema de negócios do mundo fez inexorável emergir o interesse do mercado pela estratégia. A realidade, se me permite mais uma opinião, é que os grandes vencedores desta primeira edição da categoria demostram o poder da estratégia como agente de transformação e relevância cultural.
O primeiro Grand Prix de Creative Strategy de Cannes celebra uma iniciativa de negócio, marca e posicionamento estratégico, onde a comunicação é uma consequência de um longo trabalho e não algo com fim em si. O projeto “Equal Vehicles for All (E.V.A.)” da Volvo com a Forsman & Bodenfors mostra para o público um grande projeto de transformação da indústria proposto pela montadora sueca. A Volvo se deu conta de que mulheres tem muito mais chances de se machucar e morrer num acidente de carro que homens, porque… Bem, porque os bonecos de teste sempre foram feitos com corpos de proporção e peso de corpos masculinos. Ou seja, os features de segurança desenvolvidos pela indústria automotiva sempre estiveram baseados em testes que não levaram em consideração corpos femininos ou infantis na mesma proporção que os masculinos.
A partir disso, a Volvo decidiu mudar as estatísticas de forma significativa, reforçando o seu compromisso de segurança com seus clientes e com os clientes das demais montadoras. A partir da análise de dados reais de milhares de acidentes e feridos, de diferentes gêneros, pesos e proporções, a empresa abriu os aprendizados para todos o mercado automotivo. A vitória deste trabalho na opinião de muitos dos jurados representa o que a estratégia em 2019 quer realizar: impacto positivo real e cultural de longo prazo. Este trabalho ganhou 4 leões em diferentes categorias e ganhará em outras competições certamente. Torcerei para Cannes 2020 em Creative Effectiveness.
Entre os demais grandes premiados, destaco a conexão dos trabalhos com o espírito do tempo e a sensibilidade nas execuções. Do entendimento do cenário, a coleta de dados à iconografia utilizada nas peças, se viu estratégias muito bem desenhadas e times criativos e de produção redondos. “The Time We Have Left”, da Leo Burnett Madrid para Pernod Ricard, impactou o público com a análise de dados de quanto tempo estatisticamente cada um de nós estará junto às pessoas que mais queremos bem, entre nossos melhores amigos e familiares, e comparou com o tempo estimado que estaremos junto aos nossos aparelhos celulares, computadores e aparelhos de tv. O resultado é assombroso e nos faz sair correndo, fazer ligações para aqueles que amamos e repensar o que estamos fazendo da nossa vida. No dia em que assisti esse case, faltei ao happy hour que haveria depois do evento porque queria ter certeza que cozinharia e jantaria com o meu filho. Acabei dormindo abraçadinha com ele aquela noite. Ele adorou. E eu também.
Outros importantes cases vencedores são a campanha maravilhosa da AMVBBDO London “Vive La Vulva” para Libresse, que é um tapa na cara de uma sociedade feita de 50% mulheres e que ainda vive muitos tabus no dia a dia – em especial com a linguagem das categorias de cuidados pessoais. A execução consegue trazer a marca para um universo bem-humorado, positivo e de entretenimento, ao mesmo tempo que concretiza a assinatura “Viva sem medo”. Foram 12 leões pra “Vive La Vulva”, nada surpreendente.
Por fim, gostaria de comentar o lindo trabalho “Endangered Syndrome” da FCB Canada para a Canadian Down Syndrome Society, que traz numa linda execução uma ação brilhante de uma petição para incluir os portadores de síndrome de down como os primeiros humanos na lista de animais ameaçados de extinção. A ideia é chamar a atenção institucional para o declínio do suporte e fundos à esta população, uma vez que as taxas de nascimento de portadores de síndrome de down tem caído dramaticamente no Canada em virtude da sofisticação de testes pré-natais e o aborto legal. Estas duas últimas campanhas trazendo temas sensíveis e controversos, que ganharam notoriedade e geraram polêmicas- exatamente como deveriam fazer.
Os primeiros Leões de Creative Strategy premiaram os trabalhos conectados com o espírito do tempo e aqueles que promoveram um compromisso com impacto positivo na sociedade. Além de uma composição do júri 50/50 entre homens e mulheres, os resultados refletem o valor que o estrategista traz para a mesa num momento de transformação tão profunda da sociedade e universo de negócios. Fiquei muito otimista com este resultado e ansiosa já pelo que vira pela frente em 2020.
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