19 de junho de 2021 - 11h06
Na Contagious, nos dirigimos ao sul da França para cobrir o Cannes Lions pelos últimos 16 anos. Mas — assim como muitos dos que estão lendo este texto — nunca vivenciamos um festival como o de 2021. Agora, Cannes parece algo muito, muito diferente. Vão-se os voos caros, os quartos de hotel, as garrafas de rosé, os eventos em iates, aquele grande parque de diversões para adultos da indústria criativa. No lugar, entra um evento virtual que reflete muito mais o mundo em que vivemos. E com os passes digitais custando um décimo dos antigos passes físicos, também será muito mais acessível. E este é um ponto mais importante e menos frequente no que se fala sobre esta edição do festival.
Tudo que acontecia ao vivo foi recriado virtualmente: das apresentações no Palais (que agora estará no YouTube) aos momentos de networking, passando, obviamente, pela premiação e pelo processo de júris — totalmente remoto e fadado a aumentar a fadiga de Zoom que já deve fazer parte da vida dos profissionais escolhidos para selecionar as melhores e mais relevantes campanhas não apenas de um ano, mas de dois. É muita coisa.
Mas, olhando especificamente para os prêmios, as coisas parecem muito familiares. Não houve novas “tracks” anunciadas para 2021, então a organização das categorias é idêntica à do último Lions. E, dentro dessas nove faixas, houve apenas um novo anúncio de prêmio: o leão de Creative Business Transformation — ou transformação criativa de negócios, em uma tradução livre.
Este novo troféu foi criado para celebrar a criatividade que impulsiona os negócios. Ele destaca a capacidade de invenção que leva à criação de novos produtos ou serviços revolucionários. E, talvez o mais importante, está “aberto a qualquer organização que projete e realize mudanças transformacionais dentro de ou em nome de uma marca”. Esta definição ampla abre a premiação para um conjunto muito mais amplo de possíveis vencedores do que apenas agências.
Nos últimos anos, vimos como empresas de tecnologia e consultorias começaram a se interessar por Cannes — não apenas por comparecer ao festival, mas também por ganhar prêmios — e este novo movimento parece um aceno a esse interesse, bem como mais uma prova de que o Cannes Lions está adotando uma definição mais ampla de criatividade: a de celebrar seu papel como multiplicador de negócios.
Então, do ponto de vista das agências, será interessante ver quem vai ganhar prêmios nesta nova categoria. Nós acreditamos que será o momento de mostrar que o trabalho criativo vai muito além do craft, do buzz e de qualquer outra palavra da moda: ele tem, sim, o poder de efetivamente transformar empresas, sociedades e pessoas.
E a palavra “efetivamente” não está aqui à toa: conectado a isso, também acreditamos que haverá um foco renovado no potencial de transformação de campanhas que tenham foco na efetividade de longo prazo. E é provável que isso seja sentido em todas as categorias, não apenas na categoria de Creative Effectiveness. Por quê?
Você deve lembrar disso. Ainda em 2019, o especialista em marketing e efetividade Peter Field lançou um estudo que mostrava que trabalhos premiados de forma criativa já não eram mais efetivos do que campanhas não premiadas. E isso tinha a ver com os júris de grandes prêmios como o Cannes Lions estarem destacando o que Field descrevia como “um oceano de ideias descartáveis de curto prazo”. Em outras palavras, as táticas de curto prazo com foco no produto que substituíram as iniciativas de construção de marca consistentes e de longo prazo.
Cannes 2021 é, portanto, a chance da indústria de responder a isso e, potencialmente, começar a reverter essa tendência que se consolidou nos últimos anos — prejudicial não só para a reputação do trabalho criativo, mas também para os negócios. E diante de uma recessão global (que não vem poupando nosso mercado), não há mais espaço para isto. Este é o momento de celebrar a criatividade pelo que ela deve ser: a maior vantagem competitiva de uma marca.
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