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A retomada das livrarias físicas no Brasil

Após onda de fechamentos e apesar da concorrência dos marketplaces, esse perfil de varejo volta à expansão

i 31 de julho de 2025 - 6h00

Livraria Leitura planeja chegar a 130 lojas físicas até o fim de 2025

Livraria Leitura planeja chegar a 130 lojas físicas até o fim de 2025 (Crédito: Divulgação)

Segundo a quinta e mais recente edição do Anuário Nacional de Livrarias, realizado pela Associação Nacional de Livrarias (ANL) com dados do segundo semestre de 2022 e do primeiro semestre de 2023, o Brasil conta com apenas 2.972 livrarias em todo o território nacional, o que equivale a uma livraria para cerca de 72 mil habitantes. A região Sudeste lidera com 1.814 unidades, seguida pelo Sul (561), Nordeste (334), Centro-Oeste (165) e Norte (98).

Porém, esse cenário ganhou novos contornos. Em outubro de 2023, após um processo de recuperação judicial malsucedido, cerca de 80 lojas da Livraria Saraiva, fundada em 1914 no centro de São Paulo, tiveram suas atividades encerradas pela Justiça. A empresa já foi considerada a maior rede nacional de livrarias.

Outro episódio marcante ocorreu em abril de 2024, com o fechamento da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, após uma longa batalha judicial e dificuldades financeiras que se arrastavam desde 2018.

Reinvenção e expansão no setor físico

Porém, mesmo com o fechamento de redes tradicionais, como as citadas, o mercado físico vem mostrando sinais de recuperação. O mesmo relatório da ANL aponta que, desde o segundo semestre de 2021, cerca de cem novas livrarias foram inauguradas no País.

Atualmente, quem lidera essa corrida é a Livraria Leitura. Fundada em 1967, na Galeria do Ouvidor, em Belo Horizonte, a rede soma hoje 123 unidades distribuídas por 24 dos 27 estados brasileiros, incluindo lojas de rua, aeroportos e rodoviárias.

Para este ano, a empresa planeja abrir sete novas unidades, entre as quais a primeira no Acre, além de ter a meta de vender 12 milhões de livros – um milhão a mais que no ano passado.

Segundo Marcus Teles, CEO da Leitura, a estratégia de crescimento está concentrada em shoppings, considerados mais resilientes no pós-pandemia de Covid-19.

“O Brasil ainda tem muitas cidades grandes sem livrarias. Nós acreditamos que ainda há espaço. Mas não fazemos dívida, não temos pressa. O importante é abrir lojas boas e viáveis”, destaca Teles.

Ele explica que a Leitura adota majoritariamente o modelo de sócio-gerente, presente em cerca de 70% das unidades. Funcionários com desempenho acima da média por dois ou três anos são convidados a se tornarem sócios, com suporte financeiro da empresa. A participação societária varia entre 10% e 49%, enquanto o controle acionário permanece com a família fundadora, que detém 67% da empresa.

A estratégia também privilegia a rentabilidade de cada unidade. “A loja que não dá certo, fecha”, afirma o CEO.

Além disso, cada filial tem autonomia para montar seu mix de produtos de acordo com o perfil do público local: “A gente sugere o estoque, mas o gerente tem liberdade para adaptar ao que faz mais sentido ali. Pode ser literatura, mangá, livros infantis ou universitários.”

Além dos livros, 29% do faturamento total da Leitura vêm da papelaria, especialmente material escolar, e outros 7%, de presentes, jogos educativos e itens diversos.

As lojas também abrem espaço para autores locais, recebendo livros em consignação de escritores independentes. “Se o livro girar bem, ele permanece. Se não, pode ser devolvido, mas a porta está sempre aberta”, completa o executivo.

No caso da Livraria da Vila, que completa 40 anos neste ano, o objetivo é abrir mais duas unidades: uma na Avenida Paulista (com inauguração prevista para outubro), que contará com um café, e outra em Águas Claras, a terceira em Brasília.

Atualmente, a rede possui 23 lojas próprias, entre unidades de rua e em shoppings de Brasília, São Paulo e interior, Paraná e Goiânia.

Eliana Menegucci, CEO da empresa, destaca que a rede se diferencia pela grande variedade de livros nacionais e importados, além de uma área dedicada à literatura infantil, papelaria e brinquedos educativos. Ela ressalta que 95% das vendas são realizadas nas lojas físicas, enquanto o e-commerce representa menos de 5%.

“Nossa estratégia é manter um site funcional, com navegação simples, busca fácil e acessível ao cliente. Mas o foco de crescimento está nas lojas físicas, porque é ali que ocorre o contato direto com o público, onde acontecem as descobertas”, explica.

Lançamento de “Ninguém Pode Parar uma Mulher Ventania”, de Rayana Leão, em uma unidade da Livraria da Vila

Lançamento de “Ninguém Pode Parar uma Mulher Ventania”, da autora Rayana Leão, em uma unidade da Livraria da Vila (Crédito: Divulgação)

“Contamos com vendedores apaixonados por literatura, que gostam de fazer indicações e trocar experiências com os leitores. Acho que esse ambiente acolhedor, resultado tanto do projeto arquitetônico quanto das pessoas que estão ali, da curadoria e do acervo, é um grande diferencial”, completa.

Já a Livraria Martins Fontes, fundada na década de 1960, não pretende expandir o número de lojas. A decisão é reforçada por Alexandre Martins Fontes, editor e proprietário das duas unidades localizadas em São Paulo, que atualmente apresenta crescimento anual entre 12% e 15%.

Para ele, o foco está na qualidade do acervo, que conta com cerca de 230 mil títulos em estoque, número muito superior à média das livrarias, que variam entre 20 mil e 50 mil títulos. A maior parte desses livros está disponível para pronta entrega, tanto nos espaços físicos quanto no e-commerce, responsável por 50% dos lucros.

“Nosso investimento é garantir que as lojas que temos sejam sempre as melhores possíveis, buscando continuamente a excelência e, de preferência, crescendo dentro desse mesmo espaço. E isso vem acontecendo há mais de 20 anos,” destaca Alexandre.

O olhar das editoras

Luciana Borges, diretora comercial da Companhia das Letras, afirma que as livrarias físicas sempre foram fundamentais para a editora desde sua fundação, em 1986.

Essa relação permanece próxima, com diálogo direto com os livreiros, promoção de encontros entre autores e leitores nas livrarias, além de eventos dedicados aos próprios livreiros.

Ela destaca, ainda, que as livrarias independentes são uma riqueza para o mercado, realizando curadoria intensa de seus acervos e adaptando-os ao público local. Isso permite à Companhia trabalhar seu catálogo de formas diversas em diferentes regiões e nichos.

“Hoje, esses espaços promovem fóruns de debates sobre temas específicos, muitas vezes com discussões profundas que vão além do que chega ao grande público”, compartilha Luciana.

“Distribuídas por todo o Brasil, essas livrarias mantêm nosso catálogo vivo e pulsante. Algumas delas se especializam em segmentos específicos, como literatura infantil, livros voltados para o público feminino ou títulos do universo geek”, complementa.

Já Rafaella Machado, editora-executiva dos selos Verus e Galera, do Grupo Editorial Record, ressalta que as estratégias editoriais são híbridas, contemplando tanto os espaços físicos quanto os digitais.

Ela exemplifica que livros de fantasia recebem edições mais sofisticadas e são direcionados exclusivamente para as livrarias físicas, assim como versões impressas de colecionador de romances que são sucesso em e-book.

Rafaella também reforça a importância dos livreiros como conselheiros literários, capazes de entender as preferências do leitor e recomendar livros de forma personalizada, algo que os algoritmos não conseguem fazer.

“A gente sempre vai conseguir vender alguns grandes fenômenos, os grandes autores estrangeiros, mas nem só disso esse mercado vive. A gente precisa muito abrir espaço para quem está chegando agora, para o autor nacional, para uma venda que não seja baseada apenas em tendências ou publicidade”, pontua.

Amazon é a vilã da história?

Segundo o documento “Panorama do Consumo de Livros”, pesquisa da Câmara Brasileira do Livro realizada pela Nielsen BookData e publicada em janeiro deste ano, os livros (16%) ocupam a segunda posição entre os bens culturais consumidos nos últimos 12 meses, ficando atrás apenas dos ingressos de cinema (19%).

Cerca de 41,6% dos entrevistados afirmaram ter comprado entre três e cinco livros nesse período, preferindo canais online (55%), como aplicativos ou sites, em vez da compra presencial (39%) em lojas, livrarias ou sebos. O Nordeste (61%) concentra o maior percentual da população que prefere comprar on-line.

As principais justificativas para essa preferência são melhores preços e promoções (45,7%), praticidade (35,6%) e facilidade para encontrar os livros desejados (30,2%).

Sobre os formatos, 56% compraram apenas livros físicos, 30% tanto impresso como digital e 14% apenas livros digitais. Porém, cerca de 84% da população não comprou nenhum livro durante os últimos 12 meses.

Questionados sobre em qual site, aplicativo ou livraria online realizaram a última compra de livro impresso, a Amazon aparece como a principal escolha, com 61,7%, seguida pelo Mercado Livre (11%) e Shopee (6,8%). A Livraria Leitura (3,3%) aparece em quarto lugar, seguida pela Livraria da Vila (0,7%), em nono, e a Martins Fontes (0,6%) em décimo lugar.

Sobre os motivos para escolha, destacam-se o preço (60,5%), frete grátis (44,1%) e entrega rápida (35,2%).

Na compra em PDV físico, a Livraria Leitura lidera com 34,9%, seguida pela Livraria da Vila (3,2%) em sétimo lugar e Martins Fontes (3,1%) em décimo. Os motivos mais citados são preço (26,8%), disponibilidade (19,8%) e ambiente ou organização das lojas e estantes (15,4%).

Quando perguntados onde fariam a compra caso as lojas físicas e online praticassem preços equivalentes, 49% dos entrevistados escolheram as lojas físicas, 44% optaram pelas lojas online e 7% não souberam responder.

Para os três porta-vozes entrevistados, a Amazon é apontada como a principal responsável pelas dificuldades enfrentadas pelas livrarias físicas no Brasil.

O representante da Livraria Martins Fontes defende que, sem uma legislação que proteja o preço do livro, o mercado editorial brasileiro fica vulnerável à prática de preços predatórios. “A Amazon destrói o ecossistema do livro ao vender com prejuízo. Isso resulta em tiragens menores, preços mais altos e um mercado mais pobre”, afirma.

O CEO da Livraria Leitura concorda e acrescenta que os marketplaces utilizam o livro como isca para atrair consumidores para produtos de outras categorias.

Já a porta-voz da Livraria da Vila, reforça que a concorrência predatória dos grandes marketplaces inibe a abertura de novas lojas e limita o crescimento do setor. “Esse é, na minha opinião, o nosso maior problema hoje. Precisamos de um ambiente de mercado que permita o desenvolvimento de mais livrarias”, afirma.

Entre as ações de fortalecimento do setor, ganham destaque os eventos culturais como sessões de autógrafos, clube de leituras e encontros temáticos, além da presença nas redes sociais.

A Amazon foi procurada, mas optou por não responder aos questionamentos da reportagem sobre o tema.