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Azedou o champagne

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Opinião

Azedou o champagne

Com júris que decidem guiados por videocases, turbinados pela inteligência artificial, o Cannes Lions precisa tomar medidas para além de regras que dependem da boa vontade dos concorrentes aos seus cobiçados Leões


30 de junho de 2025 - 6h00

As condições eram ideais para eternizar um momento histórico positivo e alastrar uma onda boa de visibilidade para a criatividade brasileira, suas marcas, agências e profissionais.

O Brasil chegou forte e vaidoso à 72ª edição do Festival Internacional de Criatividade, como primeiro homenageado do Creative Country of the Year — distinção merecida, mas também uma forma de os organizadores atraírem mais presença e investimentos do País, o que, de fato, aconteceu. É sempre bom lembrar que o Cannes Lions é um grande negócio.

As concorrentes brasileiras apostaram alto, fazendo o maior investimento do mercado local desde a retomada pós-pandemia, e saíram de Cannes com o melhor desempenho do País na história do evento, com impressionantes 6 Grand Prix, e segundo lugar no ranking global, atrás apenas dos Estados Unidos.

Entretanto, já nos momentos finais do festival, a delegação brasileira foi tomada pela polêmica envolvendo o videocase que apresentou ao júri o projeto “Consumo Eficiente de Energia”, da DM9 para Consul, da Whirlpool, vencedor do Grand Prix de Creative Data.

Após a comprovação de uso de informações inconsistentes, imagens manipuladas digitalmente e dados fora de contexto, a organização do Cannes Lions abriu uma investigação que levou à cassação do prêmio e à promessa de regras mais rígidas e de um novo Código de Conduta.

Enquanto o festival investigava, a Whirlpool se eximiu e informou que a função do projeto é “abrir caminhos para conversas e ativações futuras”. A DM9 decidiu pelo desligamento do CCO, Icaro Doria, que seria o responsável por “uma série de falhas na produção e no envio do videocase”. Nenhum dos dois deixa claro se o que mostra o videocase visto e premiado pelo júri, de fato, já aconteceu.

Além disso, a agência reconheceu que não somente o case para Consul, mas também outros dois — “Plastic Blood”, para a OKA Biotech, que havia sido a campanha brasileira mais premiada do ano, e “Death Gold”, para a Urihi Yanomami — “apresentam inconsistências graves relacionadas à veracidade ou legitimidade”. No fim das contas, terá de devolver o Grand Prix e mais 11 Leões.

A crise de reputação, sem precedentes no Cannes Lions, abre caminhos a questionamentos a respeito de outros trabalhos brasileiros premiados no festival e aquece discussões sobre o investimento em peças-fantasmas.

O olhar para os festivais de criatividade como passarela de alta-costura, espaços para arejar e estimular as equipes de criação, e os esforços e investimentos em projetos específicos para emplacar prêmios são práticas endêmicas do mercado brasileiro — e ocorrem também em outros países.

Como a maioria dos 30 júris do Cannes Lions avalia os trabalhos concorrentes com base em videocases, em muitos casos a atenção e os esforços a essas peças são até maiores do que os dedicados às campanhas em si. A disseminação de uso da inteligência artificial potencializa o problema.

Para além da lista de boas intenções com a qual o festival enfrenta a crise, um antídoto que talvez não elimine totalmente as peças-fantasmas, mas que, certamente, deixam mais seguras as decisões dos júris, Cannes já tem. São as sessões de julgamento das áreas de Titanium, Glass e Innovation, abertas ao público e nas quais os responsáveis pelos cases, geralmente um profissional da agência e um do anunciante, apresentam as campanhas e se submetem à sabatina do júri.

Claro que a logística de implementação da prática nos outros 27 júris não é fácil. O fato é que o Cannes Lions terá que tomar medidas que vão além das regras escritas que, para pararem em pé, precisam da boa vontade de todos os envolvidos.

A repercussão da crise do Grand Prix rouba os holofotes do triunfo do Brasil na edição de 2025, que foi uma das mais multiculturais do Cannes Lions nos últimos anos. No ranking de campanhas mais premiadas do festival, elaborado por Meio & Mensagem, e que considerou todos os 828 troféus entregues pela edição deste ano, há cases dos Estados Unidos, França, Singapura, Índia, Alemanha, Nova Zelândia e Reino Unido.

Como parte da curadoria de conteúdo que faz do festival, Meio & Mensagem também atualiza nesta semana o ranking das agências brasileiras mais premiadas na história do Cannes Lions.

Outro atrativo da cobertura é o blog coletivo Diário de Cannes, que, neste ano, reuniu mais de 140 posts de profissionais brasileiros presentes no festival, dividindo com os leitores suas perspectivas sobre os seminários, prêmios e eventos paralelos.

Todo o conteúdo continua disponível no site especial sobre o Cannes Lions, que segue acompanhando os desdobramentos das polêmicas do festival que não acabou.

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