Progressos lentos
Embora sejam maioria na ocupação de postos de trabalho nas áreas de marketing de grandes anunciantes, mulheres ainda têm mais dificuldades para ascensão nos organogramas do setor

(crédito: PeopleImages)
A baixa participação das mulheres nos espaços de poder é um problema global. No Brasil, apesar dos avanços, o vácuo ainda é flagrante — vide os recentes episódios de candidatas laranjas para cumprir a cota eleitoral no ano passado. A indústria de comunicação, marketing e mídia também evolui, mas a passos lentos. Nos últimos anos, a questão da equidade de gênero ganhou protagonismo no amplo debate sobre diversidade e conquistou também espaço constante na pauta de Meio & Mensagem. Com o intuito não apenas de abrir espaço para o tema, mas, especialmente, de fazer o papel esperado da imprensa, de adicionar dados que contribuam para o entendimento dos movimentos da sociedade, damos mais um passo importante nesta edição.
Sob inspiração no livro Mulheres do Marketing, lançado no final do ano passado, o editor Fernando Murad capitaneou nas últimas sete semanas o projeto de quantificar a presença feminina nas áreas de marketing dos maiores anunciantes brasileiros. Logo na largada, angariou o apoio da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e aprimorou a ideia original com o auxílio da presidente executiva da entidade, Sandra Martinelli. A ABA incluiu o estudo nas comemorações de seus 60 anos de atividades e acionou as empresas associadas: 84 responderam à pesquisa no período de 9 de março a 4 de abril.
O inédito mapeamento aponta que as mulheres são maioria nas áreas de marketing, ocupando 67% dos postos de trabalho. Em algumas empresas respondentes, o departamento é integrado exclusivamente por mulheres. Outras, com atuação em segmentos nos quais o consumo feminino é dominante, têm percentuais acima da média, como Alpargatas (85%), Kimberly-Clark (78%), Unilever (77%), Nestlé (77%), Riachuelo (75%), Natura (75%), Avon (71%) e O Boticário (70%). Mas a presença feminina é também muito significativa em diversos outros setores, como mostram os índices de Braskem (95%), Bradesco (72%), Porto Seguro (70%), Lenovo (67%), SulAmérica (66%), Philips (64%) e Samsung (60%).
O problema é que, como indica a reportagem da jornalista Roseani Rocha, publicada na edição impressa 1857 do Meio & Mensagem, a ascensão nos organogramas do marketing faz rarear a incidência de mulheres. Das 84 empresas respondentes, 35 não têm nenhuma mulher em cargos de liderança no marketing, considerando os postos de superintendente, diretora, CMO ou vice-presidente — informação que pode ser lida da seguinte forma: em 42% das empresas ouvidas os rumos do marketing não são definidos com participação decisória de mulheres.
E a palavra do marketing é fundamental para o correto entendimento do mercado e a empatia das ações de comunicação. Assim como a presença feminina nas áreas de criação das maiores agências brasileiras, que Meio & Mensagem vem monitorando nos últimos anos, é crucial para mudar o histórico estereotipado da publicidade nacional. O dado atualizado publicado em janeiro mostra que em três anos, de dezembro de 2015 a dezembro de 2018, a presença feminina nas áreas de criação das grandes agências subiu de 20% para 26%. Já nas funções de liderança, o índice é menor — entretanto, mais que dobrou no período, de 6% de presença para 14%.
A conquista de uma sociedade mais justa, equilibrada e diversa não ocorrerá somente com equidade numérica. Há inúmeros outros aspectos que envolvem a carreira das mulheres, inclusive no marketing e na publicidade, como diferenças salariais no exercício de mesmas funções, cobranças desiguais como caminho forçado para a desqualificação, climas organizacionais hostis e taxação da maternidade como obstáculo para a evolução profissional, além da gravíssima questão de elas serem as vítimas preferenciais de assédios morais e sexuais. O caminhar muito mais lento que o ideal em todos eles exige que o tema não saia da pauta.
*Crédito da foto no topo: frimages/istock