Aline Felix: a estratégia da Netflix para contar histórias autênticas
A diretora de estratégia de inclusão da empresa para a América latina fala sobre a importância da diversidade para as soluções de negócio
Aline Felix: a estratégia da Netflix para contar histórias autênticas
BuscarA diretora de estratégia de inclusão da empresa para a América latina fala sobre a importância da diversidade para as soluções de negócio
Lidia Capitani
18 de novembro de 2024 - 12h00
Aline Alves Felix é psicóloga de formação, com especialização em psicologia social. Antes de entrar no mundo corporativo, trilhou uma trajetória no terceiro setor, trabalhando com terapia comunitária, um campo que une psicologia e antropologia, o que moldou muito sua maneira de lidar com as pessoas. Foi da família, no entanto, que veio o insight que direcionaria sua carreira.
“Inspirada pelo meu pai, percebi que as empresas também são atores sociais muito importantes. Foi aí que entendi que poderia alcançar o que desejava: mobilizar grupos e promover transformações em massa dentro das organizações”, afirma. Ela passou por diferentes indústrias, de tecnologia à farmacêutica, até entrar na Netflix, onde hoje atua como diretora de estratégia de inclusão para a América Latina.
Nesta entrevista, Aline fala sobre como a Netflix aborda e traça sua estratégia de inclusão para diferentes contextos locais. A diretora também reflete sobre a importância da gestão para mudança —- e o que significa isso, além de discutir como as organizações podem preparar suas lideranças para lidar com a diversidade e como desenvolver talentos diversos.
Aqui, chamamos essa área de estratégia de inclusão, que é fundamental para explicar como trabalhamos na organização. A Netflix, por ser uma empresa disruptiva, já nasce com uma cultura bastante inclusiva. Quando pensamos na cultura da Netflix, muitos aspectos dela reforçam a importância de entender diferentes perspectivas, promover inovação e ser uma empresa que conta histórias para todos.
A estratégia de inclusão segue essa linha, ajudando a estruturar de maneira mais estratégica e planejada como lidamos com diferentes experiências de vida, culturas e perspectivas. Quando conseguimos refletir essa diversidade no nosso corpo de trabalho, ficamos melhores em contar histórias de maneira autêntica.
Na Netflix, estamos muito mais focados em como um olhar inclusivo pode apoiar uma estratégia de negócios, em vez de adotar ações isoladas para a diversidade. Buscamos juntar essas diferentes perspectivas na tomada de decisões de negócios, o que, de alguma forma, torna a solução mais inclusiva e rica, porque traz mais pontos de vista.
É importante dizer que fazemos parte de um time global, o que nos permite lidar com a estratégia de inclusão em diferentes culturas e localidades. Aqui na América Latina, nosso papel é traduzir as diretrizes globais para a realidade da região, ajustando-as quando necessário, para garantir uma história autêntica. Levamos em conta as diferenças culturais e as desigualdades específicas que enfrentamos aqui, para criar soluções que abrangem desde a experiência do colaborador até o impacto no negócio.
Observamos a experiência das pessoas dentro da organização, questionando se o que chamamos de “time dos sonhos” é, de fato, um time dos sonhos para todos. Se não for, buscamos entender o que precisamos ajustar para tornar a experiência de trabalho a melhor possível para todos.
Também atuamos em diversas áreas, como o desenho de soluções específicas e o apoio aos times criativos para trazer mais vozes inclusivas. Ou seja, estamos envolvidos em todos os aspectos: desde o colaborador que chega para trabalhar na Netflix até as soluções que entregamos aos nossos assinantes.
Olhando para trás, vejo que as escolhas que fiz naquele momento faziam sentido porque eu sentia que era isso de que eu precisava. Tinha um professor que dizia que a psicologia social é sobre dar sentido às coisas. As pessoas precisam de algo que dê sentido e direção às suas vidas. Hoje, percebo que todas essas escolhas me direcionaram para esse lugar.
Quando penso em psicologia, vejo que no fundo é sobre pertencimento. Na psicologia social, o foco está em como as experiências individuais de diferentes pessoas se encontram. O que faço hoje é olhar tanto para as experiências individuais quanto coletivas, e criar um espaço melhor para todos. Agora vejo que isso traduz meu trabalho: entender como todas as pessoas podem pertencer ao espaço, como podem se sentir vistas, ouvidas e refletidas. No caso, na tela.
O gancho aqui é entender que as mudanças fazem parte da nossa realidade, tanto no contexto organizacional quanto no nível individual. A mudança é constante, estamos em uma transformação contínua. O status quo é a mudança. Vejo que o pensamento de inclusão como solução estratégica é uma das soluções para mudanças culturais e de comportamento. Quando penso em inclusão como solução estratégica, ela é, essencialmente, uma solução para levar a mudanças mais positivas, para impulsionar a inovação.
Precisamos nos acostumar com a ideia de que as pessoas têm comportamentos e disposições diferentes em relação à mudança. Existem aquelas que estão entusiasmados, prontas para a mudança. Outras estão mais neutras, absorvendo o que a mudança significa e ainda formulando seus pensamentos. E, eventualmente, podem se mover para um lugar de entusiasmo ou de resistência. Rxiste também um terceiro grupo, mais ancorado, que prefere manter o status quo, porque a mudança ainda não faz sentido para eles.
Cada pessoa, grupo ou organização estará em um desses lugares por diferentes motivos, emoções e pensamentos. O importante é entender que, dependendo do contexto, meu posicionamento e o seu posicionamento podem mudar, e isso também vale para as pessoas dentro desses grupos.
Quando penso nas conversas sobre inclusão e diversidade, acredito que a questão não é se isso vai mudar ou se vai permanecer, mas como estamos observando as pessoas dentro desses grupos e comportamentos. Como podemos usar essas observações de forma positiva, propondo diferentes formas de as pessoas viverem e se conectarem com as mudanças, com as novas perspectivas.
Não tem como lidar com essas mudanças sem olhar para si mesmo. Não tem como ser mais ou menos inclusivo sem começar por dentro. E acho que esse é o grande convite. Seja no papel de gestão de mudanças, de entender o impacto da inclusão e diversidade para a inovação e o negócio, ou de trazer mais pessoas desses grupos, o primeiro passo é olhar para si. Como estou em relação a isso? E, a partir daí, como posso usar as ferramentas que tenho para apoiar essa mudança e essa inovação que está sendo apresentada.
Uma das coisas de que mais gosto na forma como pensamos as estratégias de inclusão aqui na Netflix, especialmente na América Latina, é que entendemos o papel fundamental das lideranças e desenhamos soluções para isso. Preciso das lideranças mais atentas, inclusivas e autoconscientes, mas também preciso que todas as pessoas ajam da mesma maneira. Meu espaço de trabalho não é formado apenas pela minha liderança, e ter isso em mente é essencial.
Além disso, vejo que a estratégia de inclusão não é diferente de outras habilidades que as lideranças devem desenvolver. Na verdade, é um complemento a muitas outras competências. Ter soluções focadas no desenvolvimento dessas lideranças, como treinamento e apoio, é fundamental. Além disso, é importante conectar essa conversa com o negócio. As lideranças devem integrar a inclusão nas discussões cotidianas, assim como fazem com outros temas.
Por fim, se queremos um negócio sustentável e inovador, precisamos trazer perspectivas diversas. Um negócio será melhor quando tivermos mais pontos de vista diferentes. Se sou uma liderança que promove isso e possibilita esse ambiente, as soluções de negócios serão certamente mais eficazes.
Acho que precisamos começar pela questão da oportunidade. É um dado que todas as pessoas precisam ter oportunidades, e, no caso das pessoas negras, que representam uma parte significativa da população brasileira, elas não têm as mesmas que as pessoas não negras.
Sabemos que muitas das desigualdades e iniquidades afetam de maneira significativa a população negra. Então, ao pensar no acesso e nas oportunidades que uma organização pode ou deveria oferecer, é essencial considerar como essas iniquidades impactam diferentes grupos. E, caso isso aconteça, quais soluções de equidade devemos implementar para proporcionar uma experiência mais consistente para todos.
Não é suficiente oferecer acesso e oportunidade e esperar que as pessoas se adaptem. Precisamos ter soluções intencionais para garantir equidade em todas as etapas do ciclo de vida do colaborador. E isso não se limita à contratação, que é onde muitas organizações focam. Precisamos pensar em todo o ciclo, nos vários momentos da experiência do colaborador, e garantir que, onde necessário, soluções de equidade sejam aplicadas, promovendo mais oportunidades e crescimento.
Num país tão negro como o Brasil, se queremos falar sobre soluções de negócios e sustentabilidade, precisamos refletir sobre como essas pessoas estão sendo incluídas e aproximadas, seja dentro da organização, seja como parte do nosso público.
É muito importante entender as necessidades individuais. Isso foi algo essencial para mim, quando me senti vista e percebi que minha liderança compreendia minhas necessidades específicas. Por isso, tento sempre estar próxima, criando um ambiente mais leve e de troca.
Sou uma pessoa estratégica. Não é por acaso que amo o trabalho que faço hoje, porque não se trata apenas da operação de diversidade, mas também de pensar estratégias de negócios. Então, meu foco é apoiar as pessoas ao meu redor para que elas também consigam pensar essas estratégias e desenhar suas próprias soluções.
No fim das contas, acho que liderança envolve muita vulnerabilidade. Há muitas coisas que eu não sei, e acho que ter o espaço para reconhecer e admitir isso como líder tem sido fundamental para mim. Não sei exatamente o que vamos fazer, mas sei que vamos fazer. Tirar esse peso de que “a liderança sabe tudo” tem sido importante, tanto para mim quanto para mostrar à minha equipe que isso é possível.
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