Economia do cuidado no G20: a chave para a emancipação econômica das mulheres
Conheça as discussões do grupo de engajamento feminino no G20 em torno da pauta, que se tornou um dos cinco temas prioritários do fórum
Economia do cuidado no G20: a chave para a emancipação econômica das mulheres
BuscarConheça as discussões do grupo de engajamento feminino no G20 em torno da pauta, que se tornou um dos cinco temas prioritários do fórum
Lidia Capitani
15 de agosto de 2024 - 15h20
O grupo de engajamento do G20 focado em mulheres, o W20, surgiu em 2014, quando a liderança do G20 se comprometeu a reduzir em 25% a lacuna de participação das mulheres no mercado de trabalho até 2025. Neste ano, 2024, em que a presidência do fórum é do Brasil, a economia do cuidado tornou-se uma das cinco pautas prioritárias do grupo, assim como o empreendedorismo feminino, mulheres em STEM, enfrentamento da violência contra as mulheres e a justiça climática.
“Nos últimos nove anos, o W20 frequentemente incluiu a questão do cuidado em suas recomendações para o mercado de trabalho. A preocupação era garantir que as mulheres tivessem acesso a creches e apoio no cuidado com as crianças”, afirma Adriana Carvalho, head da delegação brasileira e líder do grupo de trabalho focado em economia do cuidado.
A pauta, entretanto, ganhou maior evidência por conta da crise do Covid-19. “Desde a pandemia, percebo um aumento na preocupação com as questões de cuidado, que agora afetam todas as famílias, independentemente de sua situação econômica. O trabalho de cuidado não remunerado se tornou mais visível. Por isso, entendemos que era fundamental colocar essa questão como um dos eixos principais neste ano, abrangendo desde o cuidado com as crianças até o cuidado com a casa e com os idosos”, conta a líder.
Esse cenário é ainda mais acentuado para as mulheres da chamada geração sanduíche, que cuidam tanto dos filhos quanto dos pais idosos. Adriana é uma delas. “Eu, por exemplo, com 52 anos, ainda cuido de filhas jovens e adultas, enquanto minha mãe, que requer muita atenção, também está sob minha responsabilidade. Mesmo sendo privilegiada, sinto o peso dessas responsabilidades. Agora, imagine para quem tem menos recursos, vive na periferia e enfrenta dificuldades ainda maiores, como acesso limitado a planos de saúde?”.
A um ano da meta estabelecida pelo G20, o Brasil não alcançou avanços significativos. Em 2023, a participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil foi de 52,7%. Esse número é menor comparado a 2019, em que a taxa de mulheres ocupadas era de 54,5%, de acordo com o IBGE.
“Embora não seja um valor ruim – há países piores, como o México, com 49% –, as nações com melhor desempenho estão mais próximos de 60%. Ainda existe um gap, pois a participação dos homens geralmente varia entre 70% e 80%. O grande desafio é reduzir esse gap, idealmente para algo mais próximo de 10 pontos percentuais, em vez dos 20 pontos percentuais atuais”, pontua a líder do W20.
Investir em cuidados não é custo
Um dos pontos principais de discussão do grupo de trabalho focado em economia do cuidado é o chamado “business care”, ou negócios de cuidado. Em suma, a proposta é que haja mais investimentos em serviços de educação e saúde que apoiam os cuidados. Pois, além de diminuírem a sobrecarga sobre as mulheres, também promovem empregabilidade, já que esses setores têm uma força de trabalho majoritariamente feminina.
“Ao investir no capital humano, você garante que as pessoas sejam bem cuidadas desde a infância, o que aumenta o potencial delas de se tornarem cidadãos exemplares e produtivos, contribuindo para a economia”, complementa Adriana.
Ao permitir que mais mulheres acessem o mercado de trabalho remunerado, existe também um retorno para a economia do país. “Isso significa mais mulheres trabalhando, mais renda gerada e, consequentemente, mais PIB para o país. Portanto, investir na economia do cuidado não é um custo, é um investimento”, ressalta.
Outro ponto destacado pela líder do W20 é a necessidade de planos nacionais. O Brasil, recentemente, criou a Política Nacional de Cuidados após associar-se à iniciativa internacional Aliança pelos Cuidados. “Ela estabelece uma política nacional que abrange todas as áreas do cuidado, desde a promoção de uma cultura de redistribuição até questões de infraestrutura. No entanto, entre ter uma política e realmente implementá-la, é necessário garantir orçamento”, defende Adriana.
Trata-se de uma legislação importante, mas que requer uma implementação eficaz. “Podemos comparar com a Lei Maria da Penha, que é uma legislação excelente, mas ainda não resolveu completamente o problema da violência contra a mulher. Muitas pessoas nem sequer conhecem a lei, e se não conhecem, como ela pode ser efetiva?”, questiona.
Com as dimensões territoriais que o Brasil possui, existe um problema crônico de falta de vagas em creches para crianças e de ausência de serviços públicos de cuidado para idosos. “Em um país que está envelhecendo, com uma população cada vez mais idosa, essa é uma questão séria que ainda não foi completamente abordada”, aponta a líder.
Outro grande desafio de implementação dessa política é a mudança cultural, principalmente no que tange a responsabilidade pelo cuidado. “Para mudar essa cultura, não basta só a legislação; precisamos de campanhas e de uma educação que discuta os papeis de gênero. Nos últimos sete anos, vimos um retrocesso nessa discussão nas escolas, o que é preocupante. É absurdo pensar que discutir gênero pode influenciar a orientação sexual ou a identidade de gênero das pessoas”.
Por isso, Adriana também defende a criação de campanhas de conscientização, aproveitando datas como Dia das Mães e Dia dos Pais. “Precisamos de campanhas que falem sobre a redistribuição do cuidado e a importância de cuidar, que não só beneficia quem é cuidado, mas também quem cuida, promovendo um equilíbrio emocional e fortalecendo vínculos familiares.”
Economia do cuidado e suas intersecções
Assim como as outras quatro pautas prioritárias do W20 conversam entre si, a economia do cuidado também atravessa de forma transversal os demais temas. A começar pelo empreendedorismo feminino, em que o cuidado é um dos segmentos no qual as mulheres podem empreender. Ou, ainda, com serviços de cuidados ao seu dispor, as mulheres podem investir tempo e capital em seus próprios negócios, garantindo sua autonomia financeira.
Tais serviços de saúde e educação também podem ser aliados no combate à violência contra as mulheres. “O sistema de saúde precisa estar preparado para receber essas mulheres e identificar sinais de violência, mesmo que elas não estejam prontas para denunciar”, aponta Adriana.
Já sobre justiça climática, “quando há uma tragédia, como a que aconteceu no Rio Grande do Sul, quem são as mais afetadas? Mulheres e crianças, especialmente aquelas em áreas periféricas ou quilombolas. Essas situações trazem doenças, falta de água, e sobrecarregam ainda mais as mulheres, que são as principais responsáveis pelo cuidado”, destaca a líder.
Por fim, a pauta dos cuidados também se conecta com a participação feminina nas áreas STEM, ao colocar a tecnologia à serviço da saúde. “Se tivéssemos mais mulheres envolvidas em grandes bancos de dados e inteligência artificial, talvez teríamos mais soluções voltadas para a saúde”, exemplifica Adriana Carvalho.
Compartilhe
Veja também
Como as mulheres estão moldando o mercado dos games
Lideranças femininas de diferentes players falam sobre suas trajetórias profissionais na indústria
Como Rita Lobo fez do Panelinha um negócio multiplataforma
Prestes a completar 25 anos à frente do projeto e com nova ação no TikTok, a chef, autora e empresária revela os desafios de levar comida de verdade dos livros de receitas para outros espaços