Ligia Buonamici: “Enfrentei dificuldades quando quis ser mãe”
CEO da Liz Lingerie, Ligia Buonamici reflete sobre a sua trajetória profissional e como teve problemas para equilibrar maternidade e trabalho
Ligia Buonamici: “Enfrentei dificuldades quando quis ser mãe”
BuscarCEO da Liz Lingerie, Ligia Buonamici reflete sobre a sua trajetória profissional e como teve problemas para equilibrar maternidade e trabalho
Lidia Capitani
19 de dezembro de 2022 - 9h04
Há 18 anos como CEO da Liz Lingerie, marca de peças íntimas femininas, Ligia Buonamici encara seu papel como líder responsável não apenas pelo desenvolvimento dos seus colaboradores, mas também de si própria. A marca se dedica a produzir roupas íntimas, esportivas e de praia, pautadas no conforto e bem-estar das mulheres.
Ligia é formada em tradutora e intérprete, letras e pedagogia pela faculdade Ibero-Americana, além de ter especialização em didática da comunicação pela faculdade Penn State University. Antes de chegar no cargo executivo, ela trilhou um caminho como diretora de operações e, hoje, soma 25 anos na empresa. Uma vida dedicada ao conforto íntimo das mulheres.
Nesta entrevista ao Women To Watch Brasil, a executiva fala sobre sua trajetória profissional desde o início, no departamento de exportações de outra empresa de lingeries, até conquistar o cargo mais alto na companhia atual. Além disso, ela nos conta como atravessou o difícil período inicial da maternidade, que culminou num burnout, mas que, ao mesmo tempo, ensinou a ela lições duras da vida.
Você começou na Liz como gerente de produto nos anos 1990, quando a empresa ainda fabricava meias, e foi responsável por inserir a marca no ramo da lingerie. Como foi essa trajetória de gerente a CEO?
Inicialmente, estudei em uma escola de línguas e sonhava em seguir essa carreira. Acabei indo morar em Fortaleza e trabalhei em outra indústria de lingerie, no departamento de exportação, devido à minha formação. Depois, fui convidada a trabalhar no departamento de desenvolvimento de produtos nessa empresa. Foi neste momento que eu me apaixonei e voltei aos estudos com o intuito de permanecer no ramo.
Depois de finalizar esse novo aprendizado, ainda permaneci na mesma empresa durante oito anos. Ao terminar meu ciclo na companhia, ainda passei por outra organização antes de chegar à Liz. E, na verdade, a transição para chegar até o meu cargo atual aconteceu desde o começo, já que tive a oportunidade de trabalhar em empresas verticalizadas, com acesso desde a parte de desenvolvimento do produto até de fios, tecidos, estamparia, produção e qualidade.
Sempre gostei de assegurar que uma peça criada passaria por toda uma cadeia antes de chegar à mão do consumidor. Essa é uma preocupação que eu sempre tive: não adiantava eu criar algo lindo dentro de uma sala de produto e não assegurar que aquilo seria finalizado de maneira exemplar. Então, comecei a me envolver em todas as áreas.
Depois disso, veio a segunda questão: após o envolvimento com a área industrial, em que garantimos a qualidade do produto, é necessário pensar no depois, em como ele será vendido, como será apresentado e qual será sua voz. Então, fui me envolvendo com a cadeia comercial também, a nível de treinar as vendedoras das lojas para poder assegurar o discurso.
Foi depois de 18 anos de empresa, já passando pelo cargo de diretora de operações, que fui convidada para ser CEO. Desde então, como comentei anteriormente, tenho como foco acompanhar o crescimento de todos os funcionários.
Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
A principal característica e habilidade de uma liderança é ter responsabilidade, sempre contando com uma visão do todo, de forma interna e externa. Também é importante estarmos constantemente bem informadas. É fundamental ter habilidade com as pessoas e manter excelentes colaboradores ao seu redor, com o apoio de times que funcionam operacionalmente, mas que apresentam o conhecimento sobre tudo o que acontece.
O desenvolvimento da equipe e como você a fomenta regularmente é um elemento relevante de um líder. É importante ter em mente que as relações estão cada cada vez mais horizontais, e o contato mais próximo se tornou essencial. Já em relação à parte técnica, é necessário saber que uma constante atualização vira parte do trabalho, seja por meio de cursos, fóruns, palestras, viagens, grupos de pessoas e até podcasts.
Atualmente, a agenda ESG se tornou um ponto muito importante e estratégico para as empresas. De que forma a Liz Lingerie aplica esse programa?
Temos um propósito muito forte, não só com o conforto e bem-estar, mas também com a sustentabilidade. Somos pioneiros em projetos focados no meio ambiente. Temos um comitê dentro da empresa formado há alguns anos, que trata do tema em diferentes pontos da cadeia produtiva. Eles analisam desde a escolha das matérias-primas até o compromisso com as regiões onde as fábricas estão localizadas. Temos projetos tanto ambientais quanto sociais. Hoje, por exemplo, 85% dos postos da empresa são ocupados por mulheres, inclusive os gerenciais.
Em certo ponto da sua trajetória, logo após a maternidade, você sofreu um burnout. Poderia contar como foi esse momento?
Enfrentei uma grande dificuldade quando assumi minha vontade de ser mãe. Nós, mulheres, após realizar o desejo da maternidade, temos que nos adaptar e equilibrar esse novo momento com o trabalho, a casa, a carreira e o relacionamento. O que, realmente, não é fácil. Aliás, esse foi um dos meus maiores desafios, e foi exatamente neste momento que tive o burnout.
Quando meu filho era pequeno, recorri à terapia para lidar com tudo. Hoje, sempre aconselho o tratamento psicológico, mas até então eu me posicionava contra. Após esse momento de dificuldade, virei a maior fã da psicoterapia que possa existir. Foi por meio do acompanhamento que eu consegui compreender o que era prioridade e entendi o que eu poderia abdicar e delegar.
Acredito que um dos meus maiores aprendizados é que temos que fazer escolhas, e elas são duras. Talvez, você não seja aquela mãe que leva e busca na escola, faz um bolo durante a tarde, senta para fazer as lições e conhece todos os amiguinhos. Mas, são escolhas que se tornam necessárias e você descobre como equilibrá-las.
Aprendi a estar sempre presente nos momentos importantes, nas festinhas, no Dia das Mães, Dia dos Pais, nas reuniões, na escola, em todas as apresentações e nos campeonatos, priorizando esses momentos. Mas, foi um período de grande dificuldade na trajetória da minha carreira.
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e quais dicas dá para as mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
Sim, e para mim, foi exatamente nesse momento da maternidade que nos olhamos e achamos que não somos capazes. Começamos a nos questionar e nos comparar com os outros. Também tive esse sentimento quando assumi a diretoria de operações, que, em geral, é um cargo ocupado predominantemente por homens.
O meu conselho é: quando você está construindo um plano de carreira, sempre vá atrás de atualização e conhecimento. Eu indico pesquisar uma boa coach e uma terapeuta para buscar o autoconhecimento, o entendimento do seu próprio valor, de seus propósitos pessoais, forças e debilidades. Este é um trabalho que tem começo e meio, mas não tem fim.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Eu nunca fui de seguir muitas pessoas continuamente, mas, hoje, para o trabalho de marketing e desenvolvimento de produto, acabo seguindo. Admiro muito a Maria Grazia, da Dior, não só pelo trabalho criativo, mas também pelo cultural, em que ela envolve artesanato como a raiz de tudo o que cria.
E, claro, não posso deixar de fora os grandes nomes que marcaram minha história de maneira mais próxima, como Marie Curie. Ela foi a minha primeira chefe, uma grande profissional e muito reconhecida no mercado, que atuava como diretora de marketing na época. Trabalhei com ela durante oito anos e, depois, ela se tornou minha sogra, já que casei com seu filho. Ela foi uma grande inspiração para mim, de maneira muito direta, porque também era uma mulher muito forte com uma história linda de superação.
Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres na sociedade?
De filme, eu indico “Onde está Bernadete?”, que me marcou bastante. Ele conta a história de uma mulher bem de vida, dona de casa, e, no final, entendemos o porquê de ela ter parado de trabalhar. Descobrimos todo o processo que ela passou até se encontrar.
Já de livros, recomendo as obras “Mulheres que correm com os lobos”, “Complexo de Cinderela” e “Síndrome do Peter Pan”, que nos trazem reflexões sobre a questão do resgate, de “será que precisamos ser resgatadas?”. Por fim, também destaco “Eu, Malika Oufkir, Prisioneira do Rei”, que retrata uma história verídica de uma árabe que foi encarcerada durante vinte anos, e como ela conseguiu se libertar. Sempre me inspiro em sua força.
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