Renata Brandão: “Meu desafio é formar a próxima geração de contadores de histórias”

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Renata Brandão: “Meu desafio é formar a próxima geração de contadores de histórias”

A CEO da produtora Conspiração Filmes conta sua trajetória profissional, da carreira internacional ao projeto Hysteria, rede de mulheres criadoras de conteúdo feminino do audiovisual no Brasil


31 de maio de 2022 - 8h25

Renata Brandão é CEO da produtora de entretenimento brasileira Conspiração Filmes, que lidera indicações ao Emmy na América Latina (Crédito: Arthur Nobre)

Foram três os principais movimentos que fizeram a capixaba Renata Brandão chegar aonde está na carreira. Primeiro, trabalhou com negócios internacionais. Depois, fundou um projeto que mapeava e divulgava iniciativas sociais bem-sucedidas no mundo. Por fim, migrou por acaso para o audiovisual, e hoje reúne um pouco de todas essas experiências no comando da Conspiração Filmes, produtora brasileira de entretenimento independente que lidera indicações ao Emmy na América Latina e onde a executiva está há mais de 16 anos, passando por diferentes posições como assistente de produção, coordenadora de publicidade e, agora, CEO. 

“A verdade é que ir para um cargo grande de liderança não muda muita coisa quando você já está no time, em uma relação de confiança mútua com as pessoas. Você continua jogando na mesma equipe. O que você faz é apenas sair da ponta esquerda e ir para o ataque. Eu estou CEO, mas posso não estar amanhã e ir para outra ponta. Meu senso de pertencer é mais importante”, diz.  

Renata acredita que a segurança de não saber tudo também é crucial para prosperar na posição máxima de uma empresa, além de estimular todos a buscar conhecimento. Para ela, a posição de liderança pode estar mais relacionada à regência, inspiração e apoio ao grupo. “Estou sempre aprendendo. A pressão de que um chefe precisa saber tudo é muito difícil, ainda mais como mulheres, com nosso famoso complexo de impostoras. Nunca senti isso, talvez porque tenha mudado de carreira três vezes sem saber muita coisa sobre cada área. Nunca tive problema de perguntar o que as pessoas estão falando, pedir explicações. Time é isso: alguém sabe alguma coisa muito melhor do que você.” 

A executiva nasceu e cresceu em Vitória, no Espírito Santo, e aos 16 anos fez um intercâmbio na Alemanha. Na volta, foi para o Rio de Janeiro fazer faculdade de relações internacionais, pois queria ser diplomata. Em seguida, emendou no curso de jornalismo. Sua primeira carreira, que durou cinco anos, foi no Eurocentro, programa da Comissão Europeia, instituição que representa e defende os interesses da União Europeia no mundo. “Eu trabalhava com negócios internacionais e tinha bastante paixão por aquilo.” 

Mas foi uma viagem para Nova Zelândia aos 23 anos que a fez repensar sua carreira e apostar em projetos sociais. “Estava de férias e vi um movimento sabático muito forte de jovens israelenses que, aos 20 poucos anos, largavam tudo para fazer algo com significado social. Meu intercâmbio era ligado a isso, então pensei que precisava fazer aquilo naquele momento, senão emendaria em uma carreira sólida e nunca mais teria a oportunidade”, lembra. 

Em 2003, Renata abandonou a ocupação internacionalista para criar o projeto social Realice, que começou como uma plataforma digital de mapeamento e divulgação de iniciativas sociais bem-sucedidas no Brasil e em outros países, mas logo virou algo maior. “No início, fizemos uma pesquisa encomendada pela Unesco, que envolveu uma viagem para a Ásia ao lado da minha parceira Alice. Fomos para a Índia, Bangladesh, Tailândia e Vietnã como mochileiras. Assim que voltamos, criamos o Instituto Realice, que tinha como objetivo replicar iniciativas sociais de sucesso no mundo, como um restaurante de Hanói, capital do Vietnã, que forma jovens moradores de rua nas carreiras do ramo, de garçons a chefes de cozinha.”

Ela ficou no projeto por dois anos. Depois, atuou como consultora até que um amigo escritor entrou em contato para uma proposta inusitada. “Vou fazer um filme do meu livro e preciso que você me ajude a fazer dele um projeto de grande repercussão na mídia, como fez com o Realice”. Renata lembra que não sabia exatamente como ajudar, mas topou. 

O projeto, que era um filme do diretor Flávio Tambellini, “O Passageiro”, com os contatos feitos nos bastidores logo virou novas propostas e uma viagem para Los Angeles. “Fui mordida pelo negócio. Em seguida, o produtor do filme me chamou para uma publicidade para a marca Gatorade na Cidade Alta, comunidade do Rio de Janeiro, dirigido por um americano e produzido por uma alemã que morava nos Estados Unidos há anos. Ficamos muito amigos e eles me chamaram para trabalhar em Los Angeles, mas eu disse que só estava ali de passagem, dando uma ajudinha.”

Três meses depois, Renata foi para a Califórnia. “Lembro que falei com a minha sócia e disse que só ia dar uma olhada, ver ‘qual era’. A ideia era passar três meses, mas acabei ficando um ano”. No centro da indústria de cinema e televisão dos Estados Unidos, ela fez uma especialização na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), trabalhou intensamente e formou sua base no audiovisual. “Na época, Los Angeles tinha uma força muito grande em videoclipes de música e publicidade, e foi a área em que mais atuei lá. A produtora local onde trabalhava era especializada nos grandes projetos, para Casablanca e Sony. Foi uma experiência absurda, de grandes produções.”

Quando voltou para o Brasil, a executiva se conectou à Conspiração e não largou mais. “Cheguei há 16 anos. Minha primeira posição foi como assistente de produção, e posso dizer que desde então fiz todas as pontas possíveis de carreira de produção aqui, de assistente à coordenadora de publicidade”, diz. 

Na empresa, Renata também trouxe sua experiência na área internacional e institucional da Comissão Europeia para coordenar um núcleo de conteúdo, criado para estabelecer uma comunicação direta com as marcas. “Funcionava como uma agência”, comenta. A executiva, que há seis anos é CEO da produtora, ajudou ainda a criar a área de publicidade da companhia, que há quatro anos se dedica exclusivamente ao entretenimento. “É uma empresa de 30 anos muito estruturada e aculturada, de um grupo de sócios que vivia uma dupla atuação entre a publicidade e o entretenimento. Por isso, há pouco tempo escolhemos focar em um único caminho.”

REDE DE CONTEÚDO FEMININO 

Da vontade de criar cada vez mais conteúdo para mulheres, feitos também por elas, nasceu em 2016 o projeto Hysteria, núcleo da Conspiração Filmes incorporado em sua estrutura interna que virou um sucesso liderado por Renata Brandão dentro e fora da empresa. Para ela, o coletivo responde a necessidades da indústria, da sociedade e da própria produtora, que busca um olhar diverso na criação de seus projetos.  

“É uma rede de colaboradoras, uma iniciativa de muitas mães que surgiu ao olharmos para a quantidade de mulheres na liderança do cenário audiovisual da época. Em paralelo, havia o boom dos lançamentos de streaming, e a ideia foi criar uma estrutura de negócios por meio de uma rede de mulheres criadoras, diretoras e produtoras, com espaços não apenas de produção de conteúdo, mas também de distribuição nas plataformas do Hysteria. Foi assim que criamos todo esse movimento de rede”, diz.

O Hysteria é uma plataforma independente que cria e produz conteúdo feminino para outras plataformas. Em outubro de 2017, a série erótica Desnude, feita para o canal GNT e inspirada em depoimentos enviados pelas pessoas, com direção de Carolina Jabor e Anne Guimarães, foi um exemplo de sucesso do projeto. “Foi um movimento estrutural de fazer um porn criado, pensado e produzido aos olhos de mulheres, com uma equipe majoritariamente feminina. Só não conseguimos motoristas de caminhões, porque foi difícil encontrar mulheres disponíveis para dirigirem dentro das cidades. Com o projeto, sentimos a inexperiência feminina em algumas funções por falta de oportunidades verdadeiras na nossa indústria. Temos grandes avanços na direção e na produção, mas ainda há necessidade de muitos progressos na área técnica. E precisamos de novos entrantes, porque ainda temos uma capacidade de entrega muito aquém.” 

Em dezembro do ano passado, o projeto lançou no YouTube Originals a série documental Abre Alas, onde a cantora baiana Agnes Nunes homenageia mulheres negras que abriram caminho no mercado musical brasileiro para as novas gerações de artistas pretas, como Elza Soares, Sandra Sá, Preta Gil, Liniker, Tássia Reis e Margareth Menezes. Na série, Agnes encontra, conversa e canta com as cantoras.  

“Estamos fazendo um movimento de trazer o Hysteria cada vez mais para o universo onde a Conspiração está inserida, que é a do conteúdo premium, para criarmos uma base de catálogo de projetos novos criados e produzidos por mulheres”, conta. 

Para Renata, o futuro do projeto e da Conspiração, que está com três documentários em produção no momento, é a formação de jovens diversos. “Precisamos formar. E, ao trazer os jovens para a indústria, devemos priorizar as diversidades, as mulheres, e trabalhar essa dinâmica de que precisamos e vamos, sim, ter mulheres iluminadoras, no som e, enfim, onde elas quiserem. É um trabalho que estamos desenhando aqui.” 

FORMAÇÃO DE JOVENS NO AUDIOVISUAL 

A executiva acredita que o maior desafio da indústria de audiovisual e do país é a formação das pessoas. “Precisamos criar oportunidades para os jovens, que têm vivido uma crise profissional. Temos, como empresas, a oportunidade de construir as próximas gerações, e esse é nosso objetivo na Conspiração. Não só por necessidade, mas porque a formação das pessoas na indústria ainda é muito autodidata. Nas universidades, temos estruturas filosóficas e artísticas belíssimas, mas há carência de ensino prático, técnico e real. Adoraria que os engenheiros de produção viessem para nossa indústria, mas eles vão para outras, como a automobilística.” 

Apesar das dificuldades, Renata encara o cenário como uma grande abertura para a indústria: “Nossa profissão não vai acabar, pois é uma profissão do futuro. Estamos falando de uma área que conta histórias na era dos influenciadores. Todos nós somos produtores de conteúdo, só não é quem não quer. Então, o desafio é esse: formar a próxima geração de contadores de histórias, e isso inclui todos que estão em um set de filmagem.”

Mas ela não se limitou à teoria. Em maio deste ano, lançou um programa para jovens talentos na Conspiração, com o objetivo de recrutar estudantes e recém-formados em diferentes cursos com potencial para trabalhar nas diversas áreas da produtora.

AUTOCUIDADO E RESILIÊNCIA 

Quando pensou sobre quem é fora da cadeira de executiva, Renata soube se descrever bem. “Sou capricorniana, com ascendente em peixes. Sou ciclista e muito ligada à minha família, que é enorme. Moro com duas sobrinhas que vieram do Espírito Santo para fazer o mesmo caminho que o meu. Sou animada, tenho muitos amigos, gosto de viajar para entrar em contato com a natureza e adoro organizar festas”, diz. 

A executiva conta que o autocuidado também é uma de suas principais ferramentas na carreira e na vida pessoal. “Faço questão de tirar férias todos os dias de manhã. Acordo muito cedo para pedalar e nadar. Acho muito importante manter a qualidade de vida, pois nossa atividade é muito intensa na indústria do cinema. Filmamos muitas horas, durante muitos dias. Amo meu trabalho, mas consigo sentir isso porque me conecto a outras fontes de energia que me fazem lidar com os desafios de uma indústria como a nossa com resiliência. No Brasil é assim: a gente acorda resiliente e dorme resiliente”, brinca. 

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