A crise do Leão: premiamos boas ideias ou transformações reais?
Numa era de mudanças profundas no marketing, premiar só a ideia não basta mais
A crise do Leão: premiamos boas ideias ou transformações reais?
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23 de junho de 2025 - 16h35
E acabou a 72ª edição do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions 2025.
O clima no mercado publicitário não poderia ser mais claro: réveillon. Um ano começa, outro termina, e a contagem de Leões zera novamente. Um novo ano, um novo desafio para sermos não só mais criativos, mas mais relevantes.
É hora de pular as sete ondinhas e lançar as simpatias para garantir boas ideias e caminhos para o ano que vem. E assim como em toda virada de ano, bate aquela reflexão inevitável: o que deu certo, o que deu errado e, acima de tudo, qual o custo de perseguir a tão sonhada percepção de criatividade? Qual o custo de disputar visibilidade quando, muitas vezes, essa visibilidade não passa do público presente no próprio festival?
Não quero aqui simplesmente denunciar “fantasmas premiáveis” — o clichê das ideias que nascem para levar troféus e depois desaparecem. O que quero mesmo é refletir sobre impacto real. Porque enquanto nos aplaudimos, o consumidor final, muitas vezes, não ficou nem sabendo daquela ideia genial que levou o Grand Prix.
Exemplo não falta. O mercado entrou em polvorosa com toda a polêmica em torno do case “More Efficient Way to Pay”, da Consul. Confesso: enquanto assistia ao videocase ao vivo, pensei: “incrível!”.
A ideia parecia transformar o acesso aos eletrodomésticos para uma população de baixa renda (representada por 50,7% dos domicílios no Brasil, segundo o Censo IBGE 2022). Um impacto social gigante. Um Grand Prix para guardar com carinho. O detalhe? Esse impacto, supostamente, jamais chegou às casas para as quais foi pensado.
A ideia foi premiada por seu potencial de impacto, mas não por seu impacto real. E assim seguimos: a criatividade, tão celebrada no Palais des Festivals, não passa de uma promessa não cumprida. Não poderia o maior festival de criatividade do planeta reconhecer e incentivar não só as boas ideias, mas as boas práticas para colocá-las de pé e transformar de fato a vida das pessoas?
No final, todos perdemos. A marca não reconhece a autoria (ainda que a ideia continue genial), a agência não se pronuncia, o festival arranha sua credibilidade e, no último elo dessa cadeia, o consumidor não recebe benefício algum.
Enquanto isso, temos uma população cada vez mais crítica e engajada. O estudo “Mercado da Maioria” mostra que 86% dos consumidores estão dispostos a priorizar marcas e lojas que promovam sustentabilidade, e 53% deixaram de comprar marcas por não as considerarem socialmente responsáveis. Não estamos mais em uma era em que uma boa ideia basta para levar o Leão para casa. Estamos em uma era em que uma boa ideia precisa acontecer para transformar quem consome e quem produz.
E aqui entra mais uma reflexão necessária: será que o formato do festival e a maneira de julgar e premiar as ideias não deveria ter sido revisto? Os painéis do “Inside the Jury Rooms” revelam os bastidores e as dificuldades de avaliação, mas não respondem à mudança brutal que o marketing e a comunicação viveram nos últimos 10 anos.
Branding, Growth, Influencers, CRM, vendas via WhatsApp, a ascensão do Pix e tantas outras revoluções aconteceram. No entanto, o formato de inscrição e avaliação do festival ainda parece premiar só uma fatia desse cenário: a publicidade e as ações isoladas, que não entregam consistência para as marcas, nem constroem uma narrativa de longo prazo.
Se queremos continuar perseguindo Leões, que façamos isso para reconhecer não só as melhores ideias, mas aquelas que têm a ousadia e a consistência de transformar a vida das pessoas. Porque não adianta ganhar prêmios no Palais se, no final, quem deveria ganhar de verdade não passa de espectador
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