28 de junho de 2021 - 13h49
Com inevitável nostalgia de quem já participou presencialmente de outras edições, um vídeo me chamou particularmente atenção na 67ª edição do Cannes Lions, desta vez 100% virtual.
O vídeo mostra uma sessão de terapia de um casal em que um deles representava o consumidor e o outro o vendedor. As características da crise são típicas de relações um tanto quanto desgastadas: tomada de decisões impulsivas, mudança dramática de comportamento, pensamento constante sobre infidelidade, intensa sensação de saudades de outros tempos, comparação constante de si mesmo com os outros.
Essa foi a maneira divertida que a PHD Media WorldWide iluminou a questão da “crise da meia idade do marketing”. De fato, o marketing nunca precisou tanto de terapia e Mark Ritson poderia ser o nome do terapeuta. Sem entrar no mérito da criatividade e qualidade da metáfora utilizada, o vídeo evidenciou alguns dos atuais desafios da indústria de marketing.
Em um mundo que enfrenta uma crise colossal diante da pandemia – com o consequente aumento da desigualdade e da instabilidade – não é de se surpreender que as dúvidas sobre o futuro da “indústria de comunicação” tenham povoado vários conteúdos da edição de 2021.
A WGSN trouxe uma perspectiva muito interessante sobre a redefinição significativa das prioridades das pessoas em um mundo pós pandêmico. O estudo “O futuro do Consumidor 2023” apresentado por Carla Bozzi, diretora da empresa, é ancorado na busca por compreender “sentimentos” e “perfis de consumidores” apontando que a “forma como nós sentimos” terá um impacto muito relevante e refletirá na forma que iremos gastar.
Mas, observar o que está se passando agora na cabeça e na vida das pessoas não pode ser apenas uma forma de sofisticar nossas teorias. Mais do que nunca, é preciso aproximar teoria e prática, discurso e ação. Nesse sentido, o título no painel da Conny Braams, CDMO (Chief Digital & Marketing Officer) da Unilever, é bem sugestivo: “Your desk is a dangerous place”.
Conny iniciou sua fala agradecendo aos profissionais que arriscaram suas vidas para salvar outras durante a pandemia. Em seguida, ela indicou as consequências sociais que estamos vivendo: 1. Aceleração da digitalização. “Vimos uma década de mudanças se concretizando em um ano”. 2. As desigualdades pioraram e os movimentos a favor da diversidade e inclusão explodiram. 3. A crise climática se tornou mais profunda e se transformou em emergência.
Conny foi taxativa: “Business as usual is over!” O marketing precisa adaptar suas estratégicas e táticas para navegar neste novo mundo em que o consumidor sabe cada vez melhor fazer suas escolhas, as pessoas descobrem marcas de diferentes formas, os dados nos permitem entender melhor grupos menos atendidos na sociedade e a confiança nas empresas está em ascensão.
Para explicar como chegar lá, Conny convidou Aline Santos, líder global de marca e de diversidade e inclusão da Unilever, para falar. Confesso que uma mulher brasileira falando ampliou ainda mais minha conexão com o painel. O ritmo da sua fala, a energia das suas palavras e o conteúdo que molda sua filosofia e estratégia de marketing fizeram a diferença. A filosofia: “Get on the front line!” .
Através das falas da Conny e da Aline, pode-se aprofundar mais as reflexões sobre como estourar a bolha que acomoda o marketing. Em resumo: estar mais perto das pessoas – e da realidade em movimento – é o melhor caminho para trazer novas possibilidades para aquele “casal de meia idade” que está precisando de urgente terapia.
Não somos necessariamente nossos típicos consumidores e os dados são somente uma parte da equação. Se quisermos construir marcas relevantes precisamos estar próximos, sentir e vivenciar os aspectos de diferentes realidades. A conexão cultural existe na prática. A teoria não é suficiente. Este é um ponto indispensável da equação. Só assim, o marketing andará de braços dados às mudanças – negativas e positivas – do mundo.
Volto a frase que nomeou o painel. Ela é do escritor britânico John le Carré, pseudónimo de David John Moore Cornwell, e completa é ainda mais poderosa: “A desk is a dangerous place from which to view the world”. Se as marcas podem fazer diferença no mundo, este momento é agora. Para benefício do negócio e dos consumidores, nada melhor do que evitar o perigo da sala fechada. Só assim, será possível dar conta da escala e do ritmo das mudanças pelas quais nosso setor tem passado nos últimos tempos.
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