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Mariana Dias: do mundo corporativo à fundação da Gupy 

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Mariana Dias: do mundo corporativo à fundação da Gupy 

A cofundadora e CEO da startup de recursos humanos se reinventou na carreira após identificar as dores da área na Ambev  


8 de julho de 2024 - 13h17

Mariana Dias é cofundadora e CEO da Gupy (Crédito: Arthur Nobre)

De sua origem humilde em São Paulo à liderança da maior startup de recursos humanos do Brasil, Mariana Dias, cofundadora e CEO da hrtech Gupy, é exemplo de como se abrir para o novo e redefinir rotas pode até parecer falta de foco, mas é, na verdade, o que lideranças, empreendedores e profissionais dos nossos tempos precisam para uma trajetória bem-sucedida. 

Mariana tinha certeza de que não queria empreender, embora testemunhasse na família, desde cedo, um caso de sucesso. Os pais dela, que tinham inicialmente uma condição financeira difícil, enfrentaram desafios em São Paulo que moldaram sua visão de mundo e carreira. “Meu avô era pedreiro em uma imobiliária e conseguiu uma oportunidade de trabalho como office boy para o filho dele, meu pai. Graças ao apoio do dono, ele pôde fazer faculdade e se formar.” 

Essa história de superação é central na vida da CEO, que viu seu pai, inicialmente um office boy, crescer na imobiliária e se tornar o dono do negócio. Ele conseguiu prosperar, embora quase tenha quebrado várias vezes. Contudo, mesmo diante do exemplo em casa, Mariana logo foi em busca de uma carreira corporativa estável. 

Formou-se em administração de empresas, e entrou na Ambev como trainee. À época, ela nem desejava ou imaginava sair de uma grande empresa e fundar seu próprio negócio. “Queria uma carreira tranquila, com 13º e férias. Eu gostava do ambiente empresarial, mas não para empreender.” 

Hoje, a fundadora mudou e cresceu tão rápido que se reinventa a cada três meses. “Se não fizer isso, vou ficar para trás. Tenho uma disciplina de realmente parar, olhar o que foi bom e ruim e fazer meu plano de ação. Isso profissional e pessoalmente, porque integro sempre as duas coisas.” 

O insight que mudou tudo 

Na Ambev, Mariana começou na área de marketing e vendas, mas uma sugestão inesperada da empresa a direcionou para o setor de recursos humanos, onde encontrou sua verdadeira vocação. Em quatro anos na companhia, passou de trainee à liderança responsável pela gestão de pessoas de todas as fábricas da América Latina. “Eu não queria ir para o RH, mas resolvi dar uma chance e me apaixonei completamente, porque aprendi que a área é o core de toda empresa. Todos os problemas e soluções de qualquer companhia estão concentrados em pessoas.”  

Em pouco tempo, o envolvimento profundo de Mariana com o setor a levou a trabalhar em projetos para melhorar o recrutamento na empresa e solucionar problemas de turnover, sobretudo por meio de análise de dados. Nesse período, em 2014, ela começou a identificar e vivenciar as dores da área com mais intensidade. 

“Contratávamos muitas pessoas e não tínhamos uma plataforma ainda. Era tudo feito no Excel, e tinha um turnover relevante. E aí me enfiei num projeto para tentar entender, por meio de correlação de dados estatísticos, onde poderíamos solucionar esse problema.”  

Enquanto buscava respostas, plataformas B2C como Spotify e iFood estavam começando a ganhar relevância no Brasil e no mundo. Mariana lembra que sua vontade era deixar a jornada de seleção e recrutamento mais ágil e agradável. “Essas plataformas eram boas de mexer, mas quando se falava de recrutamento, era um processo muito operacional, no papel. Queríamos deixá-lo mais assertivo, ágil e gostoso de fazer”, lembra. 

Com o problema em mente, durante uma viagem a trabalho, a ideia de uma plataforma de recrutamento inovadora, que mais tarde se tornaria a Gupy, surgiu como um estalo. “Lembro que pedi para a aeromoça um guardanapo para anotar a ideia”, revela. No mesmo dia, ela ligou para os pais e disse que sairia da Ambev.  

A decisão de deixar a companhia foi difícil, mas a visão clara da transformação positiva que sua ideia poderia ter no mercado a motivou. “Tinha uma oportunidade de fazer isso apenas para a Ambev, mas também de ajudar várias empresas, porque estava todo mundo sem plataforma, sem conseguir fazer recrutamento bem.” 

Pioneirismo no negócio  

Depois de ter a ideia, o segundo passo foi definir as pessoas que entrariam na jornada do negócio com ela. “Foi um processo de alguns meses até convencer meu irmão [Guilherme Dias], hoje meu cofundador, e minha sócia e COO da Gupy, a Bruna [Guimarães]”, conta. 

Em conjunto com eles, Mariana fundou então a startup, que se tornaria um marco no uso de inteligência artificial para processos de RH e mudaria a realidade dos processos seletivos no país, com clientes como Ambev, GPA, Sicredi, Vivo, Cielo e Renner. Mas, segundo a fundadora, deixar o mundo corporativo para encarar o novo desafio não foi uma tarefa tranquila. “Foi muito difícil e intenso desde o começo, mas quando vimos o impacto que poderíamos ter, foi ‘all in’ para fazer tudo acontecer.” 

Mariana e seus sócios venderam seus carros e investiram as poupanças que tinham para colocar o negócio de pé. Foram mais ou menos cinco meses da criação da ideia até fazê-la sair do papel. Este ano, a Gupy está completando 10 anos e, após uma captação de 500 milhões de reais em 2022, a maior da América Latina liderada por mulheres, ela pôde fazer algumas aquisições importantes, entre elas a compra de sua principal concorrente, a Kenoby, e crescer ainda mais.  

Mas os desafios ainda são muitos, e Mariana não pretende parar. Com cerca de 700 funcionários, a startup busca agora se posicionar como uma solução completa para o setor de RH, com a oferta de produtos que vão além do recrutamento e seleção, especialidade da companhia até então, passando pela educação corporativa e avaliação de desempenho.  

“Como CEO, acho que minha principal missão é, depois de três aquisições em praticamente dois anos e um crescimento que realmente foi muito acelerado, continuar fortalecendo nossa cultura e nosso time, para que eles sigam inovando. A empresa está deixando de depender dos fundadores, como era no comecinho, e tem que fazer agora a equipe impulsionar as próximas inovações.” 

Gênero em foco 

Além da atuação na Gupy, Mariana se dedica a iniciativas que apoiam mulheres empreendedoras, como o programa Máfia do Moscatel, co-criado por ela para oferecer mentorias, networking e investimentos apenas para startups fundadas por mulheres. Ela destaca a necessidade de mais exemplos femininos no mercado de tecnologia e empreendedorismo, reconhecendo as barreiras que ainda existem, e a importância de investidoras mulheres no ecossistema de inovação. “Apenas 2% de todo o investimento de venture capital vai para mulheres fundadoras de startups”, lamenta. 

Para ela, os motivos são muitos para essa falta de equidade de gênero no universo das startups. “Muitas mulheres que estão pensando em empreender ou já estão empreendendo desistem dessa jornada porque acham que não é para elas, que só homens conseguem investimento. Essa falta de exemplo contribui para a síndrome da impostora.” 

Mariana, grávida do primeiro filho e prestes a se casar com sua parceira, a sócia Bruna: “Não vejo muitos exemplos no mercado de CEOs mulheres nessa jornada, ainda mais LGBTs. Temos que falar disso até que não seja mais discrepante e importante” (Crédito: Arthur Nobre)

Outro ponto é a falta de entendimento dos investidores homens de alguns negócios fundados por mulheres, como as femtechs. “Várias mulheres têm criado soluções endereçadas para outras mulheres, como fertilização e absorventes biodegradáveis. Mas imagina a dificuldade de falar com um investidor homem, que não está inserido neste contexto, sobre esse negócio?” 

Segundo Mariana, a maior captação da Gupy, de 2022, não contou com nenhuma investidora do gênero feminino. “Conversei com mais de 50 fundos dentro e fora do Brasil, mas não falei com nenhuma mulher.” 

Por trás de todos esses fatores está, também, o preconceito de gênero. ” Se queremos trazer diversidade para a liderança do negócio, precisamos trazer diversidade para o outro lado da mesa também. Estudos da McKinsey mostram, por exemplo, que perguntas feitas para mulheres e para homens durante o processo de fundraising  [captação de recursos] são diferentes.” 

De acordo com as pesquisas, enquanto para homens as perguntas são sobre ambição e como a empresa deles vai virar líder no mercado, para as mulheres, os questionamentos são mais conservadores, relacionados à maneira com que elas irão se proteger do concorrente. “Isso impacta no processo de avaliação. São várias complexidades, mas vejo que há muita oportunidade para impulsionarmos mais mulheres no ecossistema, até porque 50% do público do mundo é feminino.” 

Diversidade e futuro 

Ao refletir sobre seu estilo de liderança, Mariana fala sobre flexibilidade e adaptação para entender as necessidades de cada membro do time, promovendo um ambiente de segurança e inclusão. “Um talento só vai exercer seu máximo potencial se puder ser quem ele é”, diz, enfatizando a importância de um espaço de trabalho que valorize a diversidade. 

Ela que o diga. Desde que se reconheceu como uma mulher LGBTQIAPN+, muita coisa mudou, inclusive no seu estilo de liderança. “Percebi que não era um processo recente, veio da adolescência. Mas, numa sociedade onde você se questiona muito, nem se permite pensar sobre essas coisas. Quando me permiti, foi muito difícil, mesmo para mim, uma mulher independente, autônoma e empoderada. Tive muitos medos de preconceito, de como as pessoas iam me olhar. E, realmente, isso aconteceu e ainda acontece. Por isso é importante falar sobre isso e ser exemplo. “ 

Mariana está em um momento pessoal significativo, grávida do seu primeiro filho e planejando seu casamento com sua parceira, a sócia Bruna. Ela vê esses passos como parte de sua missão de mostrar que é possível conciliar vida pessoal e carreira de sucesso. “Não vejo muitos exemplos no mercado de CEOs mulheres nessa jornada, ainda mais LGBTs. Temos que falar disso até que não seja mais discrepante e importante.” 

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