Women to Watch

Podcasts de notícias ganham força com mulheres no comando

Com abordagens únicas, apresentadoras ampliam espaço e influência no cenário dos podcasts jornalísticos

i 29 de julho de 2025 - 10h13

Quando Ju Wallauer e Cris Bartis lançaram o Mamilos, ainda em 2014, a podosfera brasileira ainda era predominantemente masculina. “Quando a gente começou, não existia podcast feito por mulher no Brasil, e também não existia mulher na audiência. E se não tem mulher fazendo, não tem mulher ouvindo. Faltava diversidade de temas, de abordagens, de vozes na podosfera no começo”, conta Juliana.

“Mas eu vejo que nesses últimos 10 anos a sociedade evoluiu, e a podosfera também. Hoje, temos um mercado muito mais maduro, com mais qualidade e muito mais diversidade de profissionais. E, com isso, uma participação feminina mais representativa, tanto na audiência quanto na produção, até nos podcasts de política”, continua.

Dos podcasts noticiosos mais ouvidos no Spotify no Brasil, o Café da Manhã e O Assunto frequentemente estão no top 5, e o Foro de Teresina no top 20. Os três contam com vozes femininas na apresentação do noticiário e na condução dos debates.

O Café da Manhã, produzido pela Folha de S.Paulo, foi um dos pioneiros na categoria de notícias, criado em 2019. Como conta Magê Flores, editora de podcasts no veículo e apresentadora do Café da Manhã, no início a audiência era majoritariamente masculina, mas com o passar dos anos, os podcasts foram conquistando cada vez mais mulheres.

Depois do Café da Manhã, outros podcasts noticiosos surgiram e consolidaram o formato entre os preferidos do ouvinte brasileiro. “É interessante, porque os podcasts noticiosos aparecem sempre nos rankings de audiência. Eles fazem parte do universo de quem consome podcasts, mesmo que nem todo mundo ouça notícias todos os dias”, afirma Magê.

Uma abordagem de gênero

A evolução da categoria trouxe novos programas com diferentes propostas e formatos. O Angu de Grilo é um desses podcasts que se aprofunda nos temas do noticiário e se diferencia pela sua abordagem nas análises. Conduzido por Isabela Reis e sua mãe, Flávia Oliveira, jornalista da GloboNews, o programa contextualiza e interpreta as notícias para um público fiel e diferente do ouvinte comum de podcasts.

“Nossa audiência é majoritariamente feminina e, pelo que conversamos com eles, a maior parte dos homens que nos ouvem são LGBTs. Já o público masculino hétero é muito menor”, destaca Isabela.

Isso porque as apresentadoras têm uma abordagem única para sua cobertura do noticiário, com destaque para o recorte de gênero e raça. “Acho que esse é o nosso diferencial em relação a muitos outros podcasts de notícia, que em sua maioria são apresentados por pessoas brancas”, aponta Reis.

“O Angu de Grilo já nasceu com esse propósito: comentar o noticiário trazendo uma perspectiva sobre gênero, raça e classe, com esse tipo de recorte e um tom de intimidade entre mãe e filha”, continua.

Isabela Reis, podcaster do Angu de Grilo (Crédito: Divulgação)

Isabela Reis, podcaster do Angu de Grilo (Crédito: Divulgação)

Mesmo em outros podcasts, a presença de uma mulher na produção influencia a abordagem do conteúdo para trazer um viés de gênero. “As questões de gênero entram não como premissa, mas como uma abordagem. Então, por exemplo, quando a gente fala sobre violência ou segurança pública, sempre procuro trazer números relacionados às mulheres”, conta Ana Clara Costa, apresentadora do Foro de Teresina. “A lógica é: o que está acontecendo na semana? E, dentro disso, a gente insere a questão de gênero quando cabe, quando tem dado, quando faz sentido”, explica.

Apesar de ser um podcast que abrange uma ampla gama de assuntos, no início, Ju Wallauer conta que o Mamilos era classificado como um podcast de temas femininos, simplesmente por ser apresentado por duas mulheres. “No começo, isso irritava muito a gente. E a irritação vinha justamente disso: o que são temas femininos? Política não é tema feminino? Economia?”, diz.

Com mais de dez anos de estrada, o Mamilos tem sim episódios e séries especiais que tratam de temas relacionados ao universo das mulheres, como menstruação e violência de gênero. “Mas isso não quer dizer que a gente só fala sobre isso. Não é uma restrição. Porque, no fim das contas, assunto de mulher é tudo, inclusive aqueles que os homens não se interessam em falar”, aponta Ju Wallauer.

Juliana Wallauer, apresentadora do podcast Mamilos (Crédito: Divulgação)

Juliana Wallauer, apresentadora do podcast Mamilos (Crédito: Divulgação)

Com o aumento das mulheres na produção, a audiência também se tornou mais feminina, e, hoje, a parada dos podcasts mais ouvidos também traz programas que focam nas vivências femininas. Ana Clara Costa conta sobre um caso em que o engajamento feminino das ouvintes de podcast ficou muito evidente.

“Escrevi uma matéria na Piauí sobre o caso de assédio sexual de Silvio Almeida com a ministra Anielle Franco. O texto teve uma boa repercussão. Mas, quando participei do podcast da Branca Vianna, o Fio da Meada, falando sobre esse caso, a mobilização das mulheres foi muito maior. Mulheres que não acompanham o Foro, que não estão tão ligadas em política, foram impactadas pela matéria por meio do podcast da Rádio Novelo”, conta.

Engajamento e fidelidade

Para a jornalista da Piauí, o ouvinte de podcast é muito engajado e deposita grande confiança nos programas que escuta. ”A impressão que eu tenho dos feedback que recebo dos ouvintes e nas redes sociais é que as pessoas têm uma relação de muita fidelidade com os podcasts. Acho que, por ser de graça, o podcast chega a mais lugares e a mais pessoas, e elas absorvem o conteúdo de forma mais profunda”, afirma.

Diferente de outros podcasts como o Café da Manhã, O Assunto e Foro de Teresina, o Angu de Grilo tem episódios longos, com mais de uma hora, podendo chegar até duas horas de duração. Quando comparado à duração dos conteúdos nas redes sociais, um episódio do Angu de Grilo foge completamente do esperado e, mesmo assim, cativa uma grande audiência e tem um forte engajamento do público.

“Nossa audiência é muito fiel, engajada, presente, atenta e disponível para escutar. Quando começamos, a ideia era fazer um podcast de 40 minutos. Hoje, se o episódio tem menos de duas horas, a audiência reclama”, conta Isabela.

“No ano passado, fizemos edições offline, e isso foi muito importante para perceber que a presença e o engajamento que sentimos no digital também se traduzem no mundo real. Sempre rola aquele medo de que, como trabalhamos na internet, as pessoas não saiam de casa para nos ver pessoalmente, mas, mesmo nos dias de chuva no Rio, o público compareceu”, continua. Para a podcaster, o formato permite um nível de atenção, intimidade e disponibilidade da audiência que nenhuma rede social de vídeo ou foto consegue.

Já para Magê Flores, a audiência que acompanha o Café da Manhã é diferente daquela que lê a Folha de S.Paulo. “Nosso papel é alcançar essas pessoas e trazer novos públicos para esse jeito de se informar. Acho que temos potencial para atingir mais gente e ser ainda mais relevante, e tenho visto que os podcasts preenchem brechas na formação de opinião”, reflete a jornalista.

Magê Flores, editora de podcasts da Folha de S. Paulo e apresentadora do Café da Manhã (Crédito: Gabriel Cabral/Folhapress)

Magê Flores, editora de podcasts da Folha de S. Paulo e apresentadora do Café da Manhã (Crédito: Gabriel Cabral/Folhapress)

Quem quer ouvir mulheres?

Apesar de dominarem a cobertura política nos podcasts, o meio não é isento de seus preconceitos e vieses. “No começo do podcast, eu apresentava em dupla com um homem e percebia que, nas conversas sobre o Café, a atenção ficava mais direcionada a ele, como se tivesse mais responsabilidade pelo produto do que eu. Isso acontecia mesmo em discussões sobre a produção diária. Passei por um período de teste até conquistar mais respeito, sabe?”, conta Magê.

“Por sermos mulheres, tem gente que infantiliza, trata com menos seriedade do que trataria um repórter homem. Mas isso, pra mim, não tem a ver com o Foro especificamente, mas com o dia a dia da mulher jornalista de política, economia ou judiciário, áreas dominadas por homens”, reflete Ana Clara Costa.

Para Ju Wallauer, ela é mais blindada do machismo neste campo por ser a dona do podcast. “No nosso caso, o estúdio é meu, o programa é meu, a pauta é minha, a edição é minha, a direção é minha. Então, realmente não tenho problema algum. Mas para outras mulheres, que estão se encaixando em dinâmicas que não foram elas que propuseram, não necessariamente elas serão ouvidas com respeito”, aponta. “Só recebi esse tipo de ataque quando fui no Flow, porque ali eu estava no ‘campinho’ do cara, cuja audiência é mais misógina. Sabia que ia ser xingada”, lembra.

Para a apresentadora do Foro, a cobertura que envolve poderes adiciona barreiras para as mulheres, principalmente por se tratarem de áreas dominadas por homens. “Na maioria das vezes, os jornalismos político, econômico, do judiciário e até o esportivo envolvem lidar com pessoas que têm poder. E, quando a mulher é colocada nessa posição de cobrar essas pessoas, ela está em desvantagem em relação aos homens. O jornalista homem enfrenta menos resistência nessa função do que a mulher”, reflete.

Ana Clara Costa, apresentadora do Foro de Teresina (Crédito: Divulgação)

Ana Clara Costa, apresentadora do Foro de Teresina (Crédito: Divulgação)

Tal realidade resulta em dificuldades de acesso a fontes ou lugares, vieses no tratamento e até mesmo situações explícitas de assédio. “Já cansei de ver político, deputado e senador trocando figurinha com colegas homens sobre assuntos que jamais falariam comigo”, aponta Ana Clara.

Mas existe outro desafio que a mulher na cobertura política enfrenta: ganhar a atenção do público. “Existe uma dificuldade grande de atravessar essa barreira do ouvido masculino para ouvir mulheres, principalmente quando falamos de política, economia e assuntos pesados do noticiário”, destaca Isabela.

“Só que, ao mesmo tempo, o jornalismo político, econômico e do judiciário é dominado por mulheres. É só olhar na televisão, as principais apresentadoras são mulheres. Nas rádios, mulheres. Nos jornais, mulheres. A cobertura do poder, hoje, é feita por elas. E isso mostra que, mesmo com todos os obstáculos, eles foram vencidos. São elas que dão o tom dessa cobertura de poder”, conclui Ana Clara Costa.