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Alice Pataxó eleva a voz indígena nas redes sociais e no mundo

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Alice Pataxó eleva a voz indígena nas redes sociais e no mundo

A jovem fala sobre sua trajetória no ativismo e como se tornou uma influenciadora e porta-voz das pautas indígenas


14 de maio de 2024 - 8h55

Alice Pataxó é uma comunicadora, influenciadora e ativista indígena da Bahia (Crédito: Divulgação)

Alice Pataxó é uma jovem de apenas 22 anos que está se tornando uma voz proeminente como ativista das questões indígenas no Brasil. Hoje, ela acumula 170 mil seguidores no Instagram e 114 mil no X (ex-Twitter), onde discute temas acerca da demarcação de territórios indígenas, crise climática, acesso à saúde, educação indígena, mas também a rotina em sua aldeia, na Bahia, e seus interesses.  

A influência da jovem da etnia Pataxó logo a levou para os palcos internacionais. Alice participou da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), que aconteceu em 2021, em Glasgow, na Escócia. Em 2022, foi indicada por Malala Yousafzai para a lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras da BBC. 

Nesta entrevista, Alice Pataxó conta como iniciou o caminho do ativismo, sua incursão nas redes sociais e a relação com seus seguidores, mas também discute os temas mais urgentes da questão indígena e das mulheres indígenas no Brasil. 

Pode falar um pouco das suas origens? Como você começou a se engajar no ativismo?

Cresci numa cidade com a minha mãe antes de ela voltar para a aldeia, quando eu já era bem esperta para a vida, como ela dizia. Na aldeia, comecei a frequentar a escola indígena, que foi essencial no meu caminho para o ativismo. A escola promovia debates importantes sobre a participação dos alunos na construção coletiva da educação indígena, o que me levou a encontrar outros movimentos dentro da comunidade. 

Além das atividades escolares, me envolvi nas questões territoriais, que me chamavam bastante a atenção. Durante o ensino médio, por falta de alunos para formar uma turma, tive que voltar a estudar na cidade, fazendo o trajeto diário desde a aldeia, que ficava distante. Enquanto na aldeia não tínhamos energia elétrica, na cidade, todos os meus amigos estavam conectados e atualizados, então, tive que me adaptar ao uso da internet e dos celulares, o que a escola também requeria. 

Foi nesse período que comecei a usar plataformas como o Twitter para debater e expressar minhas frustrações sobre as questões indígenas, incluindo a municipalização da saúde indígena. Eu defendia minhas opiniões em uma linguagem jovem e acessível, sem tentar explicar tecnicismos legais, apenas querendo mostrar por que determinadas políticas não seriam benéficas para nossa comunidade. 

Com o tempo, meu engajamento online cresceu, levando-me a produzir conteúdos variados, não apenas para informar, mas também para me conectar com aqueles que não tinham acesso à mesma informação. Isso expandiu minha rede de amigos e seguidores a ponto de eu não saber mais quem acompanhava meu conteúdo. Foi então que percebi que o que eu fazia se chamava comunicação, um campo que exige pesquisa séria e dedicação, algo que comecei a tratar como um trabalho profissional. E acho que deu certo. 

Em que momento você sentiu que começou a ganhar mais visibilidade? 

Algo que marcou bastante foi quando comecei a discutir sobre a demarcação do território indígena nas redes sociais. Muitas pessoas buscavam entender sobre o que estávamos falando, porque falar sobre demarcação pode parecer simples para quem está familiarizado com o tema, mas para quem não tem contato com essas questões, é difícil entender como funciona o processo. 

Conheci muita gente que não tinha ideia de como ocorre a demarcação territorial. Achavam que os indígenas simplesmente chegavam e diziam “este é o meu território agora”, como se fosse invadir a casa de alguém em uma cidade e ficar por isso mesmo. Isso gerou um debate sobre o processo de demarcação e sua ligação com as relações culturais. 

Percebi que minha rede não era apenas crítica. Ao mesmo tempo, notei que sempre haverá críticas quando se trata de indígenas na internet. Também havia muita curiosidade das pessoas. Entendi que ali havia uma oportunidade de levar nossa mensagem adiante. Foi quando percebi que poderíamos discutir de forma saudável nesse espaço, tanto entre nossa comunidade quanto com quem fosse de fora. 

Como é sua relação com a audiência? Você sente que há uma boa recepção ou algumas pessoas ainda são reticentes com o seu ativismo? 

A internet é assim, né? A gente está no jogo e não dá para agradar todo mundo. Sempre vão existir respostas muito boas e outras muito ruins. Acho que o segredo é aprender a filtrar, o que é um processo. Quando comecei, não estava preparada para receber críticas pesadas, o famoso “hate”. Isso começou a me afetar muito, chegava a conversar com minha mãe dizendo que não gostava dessa parte. Com o tempo, aprendi a lidar com esses comentários. 

Hoje, sinto um pouco menos esse peso, especialmente porque criei uma comunidade segura, com pessoas que apoiam e gostam do meu trabalho, e estão abertas a ouvir o que tenho a dizer. Mas ainda estamos construindo esse espaço seguro nas redes sociais, que de fato não é seguro para ninguém, especialmente para as minorias que estão nele para lutar, debater e interagir. Então, acho que vai demorar um pouco até nos sentirmos realmente confortáveis nesse ambiente. 

De que forma você usa suas redes sociais para o ativismo? Existem algumas diferenças entre as plataformas que você usa? 

No X (ex-Twitter), eu realmente gosto de dialogar e entender as diferentes perspectivas das pessoas sobre variados assuntos. Percebi que não é apenas sobre compartilhar minha narrativa; às vezes, preciso ouvir a dos outros. Considerando que todos nós temos criações e vivências diferentes, é comum que minhas opiniões não se alinhem às de uma pessoa não indígena, ou mesmo de outro indígena de um lugar diferente. Acho essas discussões muito saudáveis, e uso o Twitter principalmente para isso: gerar debate, compreender diferentes pontos de vista e me atualizar sobre questões políticas. 

No Instagram, a abordagem é diferente. É mais uma rede para compartilhar conteúdo geral. Lá, falo bastante sobre cultura e relações do dia a dia, trazendo também muito do ativismo climático, uma pauta crucial em nosso território. Sinto que, no Instagram, as pessoas não estão tão preparadas ou interessadas em usar a plataforma para discussões intensas como no Twitter. Elas parecem mais focadas em absorver informações sobre diferenças culturais e dialogar sobre contextos menos políticos. 

Para você, como é sair do seu território e transitar em outros espaços, como os eventos internacionais de que participou? 

É realmente uma experiência muito diferente. Estava comentando isso com amigos essa semana: há dias em que me sinto super confortável e à vontade. Mas tem vezes em que me encontro em ambientes que claramente não foram pensados para pessoas como eu. Mesmo assim, estar lá é crucial, é parte de uma missão importante para nós e para sensibilizar outras pessoas também. É uma experiência poderosa, e ainda me dá um frio na barriga. Estou me adaptando a essas mudanças. 

Quanto aos eventos de que participei recentemente, estive na COP 26 e na COY. Também fui reconhecida em premiações importantes. São ambientes muito distintos, mas que estão começando a valorizar mais o nosso trabalho com ativismo climático e a produção de conteúdo indígena que temos desenvolvido. 

Como você enxerga a produção de conteúdo indígena nas redes sociais? 

Acho cada vez mais importante ocuparmos esse espaço. Percebo que há poucas mulheres nessa área, e é crucial falar sobre as perspectivas das mulheres dentro dos territórios, vindas de diversos lugares. Muitas vezes, sinto falta de ouvir sobre outros territórios e entender suas demandas, que provavelmente são diferentes das minhas. 

Além disso, é fundamental reconhecer nossa individualidade. Muitas vezes as pessoas tendem a generalizar que pessoas indígenas devem falar apenas sobre território, mas não é bem assim. Quero ver mulheres indígenas falando sobre maquiagem, cuidados com o cabelo, fazendo piadas e brincadeiras. A vida não se resume apenas a lutas, e as redes sociais também têm o propósito de divertir e entreter. 

Acredito que ainda temos muito a percorrer até chegarmos ao ponto ideal, onde veremos pessoas indígenas com mais frequência nesses espaços e dialogando sobre uma variedade de assuntos. Esse seria o meu ideal de internet, onde me enxergaria em outras pessoas. 

Quais são as pautas mais urgentes do momento para vocês, pensando na questão indígena no Brasil? 

Sempre destacamos a importância da questão territorial e da necessidade de leis que regulamentem a demarcação no Brasil, pois estamos vivendo um retrocesso evidente. As últimas derrotas no Congresso foram significativas, e é crucial continuarmos lutando para evitar retrocessos. Quando discutimos sobre marco temporal e outras questões, todas as lutas começam pelo território, pois sem ele não podemos garantir saúde, educação ou a integridade cultural dos povos. 

Reforçamos também a importância disso para outras áreas, como a educação. Aqui na Bahia, onde resido, estamos especialmente focados na regulamentação do trabalho do professor indígena. É essencial destacar essa pauta e buscar dignidade para esses profissionais, reconhecendo que a língua indígena faz parte do currículo. É inaceitável que esses professores tenham condições de trabalho inferiores aos demais no Brasil, e é por isso que estamos trabalhando nesse projeto na Bahia. Apesar de alguns avanços recentes, ainda há muito a ser feito para alcançarmos nossos objetivos. 

E quais são as pautas mais importantes em relação às mulheres indígenas? 

No nosso território, destacamos muito a questão do acesso à saúde feminina, pois raramente temos profissionais preparados para atuar no local, especialmente na saúde da mulher. Quando há um profissional, frequentemente faltam medicamentos, exames e outros recursos essenciais, o que prejudica os diagnósticos. É importante desmistificar a ideia de que não adoecemos. Precisamos que as pessoas entendam a urgência de garantir suporte adequado ao SUS e manter esse serviço funcionando, pois é raro vermos essa assistência. 

Recentemente, temos levantado a importância das mulheres continuarem realizando exames preventivos, como mamografias e o exame de papanicolau. Também estamos promovendo campanhas para que as mulheres se envolvam em outras áreas, como a literatura indígena, onde sentimos falta da presença feminina.  

É crucial fortalecer isso, pois muitas vezes a mulher indígena é reduzida ao papel de mãe, enquanto precisamos focar em suas lutas em diferentes aspectos da vida. Nem tudo se resume ao parto tradicional ou à criação dos filhos. É hora de reconhecer a mulher como um indivíduo nesse espaço. É isso que estamos buscando agora. 

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