25 de junho de 2021 - 18h45
Olhando os trabalhos premiados em Cannes de uma forma um pouco mais crítica, vejo a consolidação de uma tendência preocupante: a diminuição de grandes marcas premiadas, ao mesmo tempo em que há uma infinidade de ONGs e pequenos clientes, que permitem projetos mais ousados e experimentais, premiados.
A Warc, que fez duas ótimas apresentações esse ano no Festival, tem falado* sobre a queda da eficiência criativa das campanhas premiadas, em comparação às campanhas não-premiadas ao longo dos anos. Passamos de uma proporção de 13x mais eficientes para 4x mais eficientes. Neste ritmo, em breve, não haverá distinção. O que é terrível, pois nada fala mais alto sobre o poder da criatividade do que este índice.
A análise atribui essa perda ao que chamam de “short termism”, algo como pensamento de curto prazo. Grandes marcas estão cada vez mais focadas em resultados de curto prazo e acabam não persistindo em plataformas de marca mais duradouras. É como se cada nova campanha começasse do zero, sem se beneficiar do efeito cumulativo dos anos anteriores.
Não à toa, as poucas marcas que persistem vêm colhendo prêmios e bons resultados de negócios ano após ano. O Burger King ganhou de novo a “Creative Brand of the Festival” e virou uma referência global para marketeiros sobre como ter processos criativos e inovadores. Dove, com sua plataforma de beleza real, e Nike, com seu eterno “Just do it”, são outros dois bons exemplos.
Trazendo esse pensamento para a realidade brasileira é fácil notar que as nossas marcas costumavam ter plataformas mais duradouras antigamente. São poucas marcas que, como a Havaianas (outra marca sempre muito premiada e com bons resultados), mantém o mesmo conceito por décadas e conseguem se reinventar dentro dele.
Hoje, precisamos, sim, ser extremamente ágeis em criação e produção, reagir em tempo real ao que acontece nas redes sociais e à performance das nossas campanhas. Porém, temos que ser capazes de fazer isso sem descuidar de uma estratégia mais ampla de médio e longo prazo. Até porque elas funcionam melhor quando combinadas.
Quando uma marca e uma agência persistem na mesma plataforma, têm diversos ganhos de eficiência operacional e custos. Menos tempo de discussão, convencimento, pré-testes e, talvez, até produção. Do ponto de vista criativo, essa abordagem permite ao mesmo tempo um aprofundamento narrativo e diversos atalhos, pois a marca não precisa explicar de novo sua proposta. E, para os consumidores, acaba sendo como ver mais um episódio de uma série da qual são fãs: uma pitada de novidade em cima de algo que já conhecem e gostam.
Por tudo isso, adoraria ver nossas marcas e agências combinando o poder das estratégias de curto e longo prazo. De ver elas persistindo em suas plataformas de marca junto com o poder da mentalidade ágil focada em performance. E de ver mais marcas brasileiras construindo legados criativos em Cannes ano após ano.
*Nota: As informações que cito aqui estão em dois artigos da Warc e foram retomadas em parte nas duas apresentações que fizeram em Cannes esse ano. Quem quiser saber mais, recomendo a leitura (em inglês): The crisis in creative effectiveness e The wrong and the short of it.
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