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Da influência à criação e a ponte no meio do caminho

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Cannes Lions

16 a 20 de junho de 2025 | Cannes França
Diário de Cannes

Da influência à criação e a ponte no meio do caminho

Tô exausta. Daquelas exaustões boas que vêm depois de viver tudo intensamente


18 de junho de 2025 - 11h13

Ser jurada no ano em que o Brasil é homenageado me atravessou de muitos jeitos. É bonito. É potente. Mas é também complexo.

Escrevo esse texto da orla, observando o vai e vem de encontros no Martinez, tipo uma Vila Madalena à beira-mar.

Escolhi pausar e escrever para registrar e tentar traduzir um pouco do que senti no corpo, no olhar e nas entrelinhas do festival.

A sensação é de ter vivido uns vinte dias em uma semana. Como se a frequência do tempo tivesse mudado.

A categoria que julguei, agora chamada Social & Creator, passou por uma mudança que pode parecer sutil, mas carrega um peso simbólico enorme. É direção. É farol.

É um reconhecimento de que a cultura digital vive menos da influência como performance e mais da criação como potência cultural.

Essa mudança aponta para um desejo de transformação: menos centrado em vaidade, mais voltado para comunidade, autoria e propósito. Mas como TODA transição, carrega suas tensões.

O que vi na sala de julgamento foi a tradução desse momento de virada: cases de marcas em diferentes estágios de maturidade, dialogando com públicos completamente distintos e, ainda assim, propondo novos jeitos de cocriar.

Teve campanha com investimento robusto e também projeto construído em canais subvalorizados, mas com potência real de conversa.

Teve marca que usou o humor como ponto de escuta, e teve case que mergulhou fundo em comportamento e pertencimento.

Nem tudo foi sobre execução perfeita. Mas muita coisa foi sobre intenção verdadeira.

Alguns trabalhos pareciam inacabados e talvez aí more parte da beleza: uma criação que pulsa como corpo em formação, que vai tomando forma com a comunidade, que aprende, erra, escuta e reconfigura.

Ficou nítido que o mercado está, ainda, aprendendo a fazer essa travessia: da influência pela influência para a co-criação real com afeto, escuta e impacto. Ainda falta profundidade em comportamento.

Ainda falta entendimento real de comunidade. Ainda falta espaço pra vermos esses creators nas fichas técnicas. Mas já se vê mais espaço para isso, mais desejo de gerar pertencimento, não só engajamento. E não dá pra ignorar o que já está em movimento.

Vi pessoas que mentoro tirando o passaporte pra viver Cannes pela primeira vez. Vi creators que acompanho de perto sendo vistos e ouvidos pelo mundo. Vi afeto virando case.

Vi criatividade nascida na base ganhando espaço nas campanhas. Teve abraço, teve lágrima (mentira, teve choro real, sou canceriana!) e teve muito, muito orgulho.

Um mix intenso de sentimentos, que confesso, precisarei de um tempo para digerir.

O Brasil está sendo destaque. E não só nos troféus. Nossa energia está presente: nas conversas, nas festas, nas conexões. São códigos culturais reverberando de verdade. Mas também não dá pra romantizar. A distância entre a Riviera Francesa e a realidade da nossa indústria ainda é grande.

O que se premia nem sempre representa o que pulsa nas ruas, nas quebradas, nas bordas, nas comunidades onde a cultura é feita no improviso e no afeto. No Brasil real oficial.

Dentro da sala de júri, as trocas foram intensas. A diversidade de perspectivas ainda precisa crescer.

Mas vi espaço para escuta, para discordância saudável e para desconfortos que, se bem acolhidos, podem virar ponte.

Julgar essa categoria foi cansativo, sim e com certeza. Não há como negar. Mas foi transformador.

Partirei de Cannes com mais certeza do que nunca: creators são mais do que alavancas de engajamento.

São autores culturais. São cronistas do presente. São quem vem apontando os futuros possíveis muitas vezes antes de todo mundo.

E se a publicidade quiser acompanhar essa transformação, vai precisar abrir mais espaço, mais estrutura e mais escuta pra quem sempre teve algo a dizer mesmo quando ninguém quis ouvir.

A travessia dessa ponte já começou. E o Brasil está nela. Que a gente não só acompanhe, mas siga puxando o barco e claro, os leões.

Com carinho, Amoras.

(Porque contar o que ninguém diz também é criação).

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