21 de junho de 2021 - 21h08
“Aqueles que valorizam a criatividade devem parar de encorajar o desenvolvimento de ideias criativas descartáveis”, disse, no Cannes Lions de 2019, o especialista em marketing Peter Field, a partir de sua já mencionada (e ainda muito comentada) pesquisa sobre a crise na efetividade criativa. Mas a defesa que ele fazia da importância de trabalhos voltados para o longo prazo, para a construção de marcas, tem uma nuance que é pouco falada: a do comprometimento criativo.
E Dove, um dos grandes exemplos que materializam esta visão, começou o Cannes Lions deste ano levando Grand Prix na categoria Print & Publishing e ouro em Outdoor com “Courage is Beautiful” — e talvez estes não sejam seus únicos troféus neste ano. A simplicidade e a força desta campanha são a continuação pandêmica perfeita de um posicionamento e um conceito que a marca vem trabalhando desde (pasmem) 2004.
Quando Field, em seu estudo, falava sobre pararmos de fazer trabalhos descartáveis, ele estava defendendo que não abandonemos grandes ideias criativas quando as encontramos. Em uma indústria obcecada pelo novo, pela próxima coisa — e que existe como motor de um sistema onde tudo pode e deve ser sempre substituído — esta é uma conversa mais complexa do que parece. A questão é que manter as grandes ideias vivas e operando por mais tempo é permitir que elas construam estruturas e memórias. Ou seja, que se tornem recursos reais de marca.
Essa lógica criativa duradoura é um dos motivos para o surgimento de algumas referências bem populares na publicidade — tipo os comerciais de Old Spice com Isaiah Mustafa ou o “você não é você quando está com fome” de Snickers. E, é claro, Dove e a “real beleza”.
O compromisso da marca com a ideia de que existe beleza em todo mundo — e que ela é ainda mais potente quando é verdadeira — continua forte e consistente. Consistente, inclusive, a ponto de tornar as pessoas reais da linha de frente no combate à pandemia e a beleza da coragem um movimento natural dentro da mensagem de marca. O estilo criativo está tão fortalecido na nossa memória que, quando vemos a campanha, é inevitável pensar: “é óbvio que é Dove”.
Esta clareza de visão também a ajudou a ser um dos poucos anunciantes que não fez mais do mesmo e que não errou no tom ao se comunicar durante a pandemia. Com tantos “estamos juntos nessa” e “veja pelo lado bom”, acertar a marca tem sido mais difícil do que parece.
Mas este não é um texto sobre a Dove, e sim sobre o que este case simboliza: clareza de propósito, compromisso e comprometimento, identidade forte, visão de longo prazo. Mas, acima de tudo, é um símbolo do poder da criatividade como exercício constante de evolução e reinvenção — e não necessariamente de revolução e invenção.
Dizer a mesma coisa de 50 jeitos diferentes, com a mesma força, é bem mais difícil do que dizer 50 coisas diferentes.
Conseguimos distinguir entre uma ideia descartável e uma com potencial de construir uma marca? Estamos prontos para nos comprometer?
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