“Não adianta um monte de dados se não fizer as perguntas corretas”
Para Suzana Pamplona, diretora de Inteligência de Marketing da Natura, é preciso “ver o invisível, aquilo que muitas vezes não é posto pelo número, ler as entrelinhas”
“Não adianta um monte de dados se não fizer as perguntas corretas”
BuscarPara Suzana Pamplona, diretora de Inteligência de Marketing da Natura, é preciso “ver o invisível, aquilo que muitas vezes não é posto pelo número, ler as entrelinhas”
Roseani Rocha
23 de junho de 2018 - 8h00
Ano passado, a Natura esteve no Festival Internacional de Criatividade de Cannes representada por sua vice-presidente de marketing, inovação e sustentabilidade, Andrea Alvares, como jurada de Glass. Este ano, a multinacional brasileira de beleza, enviou duas profissionais de sua equipe ao festival: Suzana Pamplona, diretora de Inteligência de Marketing e Maria Paula Fonseca, diretora de Marca. Suzana, que antes de ir para a Natura atuava na área de consumer insights da J&J, lembra que é prática da Natura estar nos principais eventos da indústria e compartilhar os conhecimentos, como fez, antes de Cannes, com o SxSw (onde também apresentou um case). Na entrevista a seguir, Suzana comenta a estruturação da área que comanda na empresa brasileira, seu propósito no novo contexto do mercado e da comunicação, os primeiros resultados e, claro, o que ela espera levar de Cannes.
Inteligência de marketing
Entrei na Natura no começo de outubro, para implantar essa área lá. É um papel diferente do que eu fazia na J&J, até expandido. Na Natura, é chamado “inteligência de marketing”, mas seria uma área de serviços de marketing, com uma ciência de dados por trás, ou seja, como a gente usa dados de mercado, de consumidor, de mídia, de portfólio e do funil de inovação para guiar todas as decisões da companhia e do negócio como um todo. Foi um departamento criado para que integrássemos três núcleos que interagem entre si: tudo começa por esse entendimento de consumidor, de mercado, da consultora e de tendências, que, por sua vez, se relaciona e alimenta os outros dois núcleos que estão comigo: mídia e comunicação integrada, ou seja, entendimento de mídia, da eficiência de mídia e o comportamento do consumidor em relação a ela, além, também, das próprias evoluções de meio, para planejamento de mídia, entender eficiência e planejarmos de maneira mais competitiva e inteligente, para a Natura como um todo e suas marcas, dentro do papel de cada uma. O terceiro núcleo é portfolio e pipeline, que tem a ver com gestão do conhecimento do funil de inovação e do portfolio da companhia, baseado em eficiência de inovação e os papeis das marcas na arquitetura de portfolio, que está com a Maria Paula (Maria Paula Fonseca, diretora de Marca da Natura, que também veio a Cannes este ano), enfim, como integramos todo esse conhecimento para as melhores tomadas de decisão para as marcas, os canais (nesse contexto de multicanalidade) e para internacionalização.
Equipe
Meu time como um todo tem cerca de 40 pessoas nesses três núcleos. A maior parte desse time hoje está dedicada a portfolio e pipeline, porque está relacionado ao funil de inovação e gestão dessa inovação e cadência dos projetos. A Natura é uma empresa que investe bastante em inovação e tem um volume muito grande de lançamentos por ano – por SKUs, são cerca de 250 lançamentos por ano. É um volume muito grande. Depois é um time de consumer insights e analytics, onde tem toda essa estruturação de dados e pesquisas, desde pesquisas antropológicas até aquelas contínuas e de validação, para inovação ou posicionamento e equity de marca. E, finalmente, a área de mídia e planejamento de mídia e comunicação.
Investimentos em mídia
A discussão passa muito não pela questão de investir em online ou off-line, é all-line. Desde que cheguei lá, é como fazer uma mídia convergente, para começar a ter esse tipo de pensamento lá dentro, que na verdade agora já é muito comum, porque a questão não é sobre se colocamos investimento num lugar ou no outro, mas partindo da marca, do que ela quer ser, com quem ela quer falar, estabelecer uma estratégia coerente de meios. O resto é consequência. Não podemos partir do meio, no sentido de que o fim não é o meio, mas a pessoa com quem a gente quer falar e o que a marca quer dizer e como ela quer influenciar, que conversas quer gerar e que tendências quer mudar. E a partir disso vai fazer um plano de investimento, que também não deveria ser mais do mesmo para todas as marcas ao mesmo tempo. Pode ser que para uma marca faça muito sentido estar num determinado veículo e para outra, não, dependo do estágio em que ela está e o que se está buscando.
Resultados de trabalho
Temos alguns. Existe agora um sistema de gestão e monitoramento de marca – da marca Natura e de suas marcas – que, por incrível que pareça, não acontecia de uma maneira tão estruturada antes. Organizamos isso tudo de uma maneira em que consigo medir transversalmente um mesmo atributo, olhando a marca Natura, mas também cada uma de suas marcas e como isso está impactando o todo. Não era feito dessa forma antes. Todo esse sistema de entendimento contínuo e um pulso real time, online, feito para entender esse dado quantitativo, saúde da marca e de suas marcas e como cada um tem impactado o outro. Isso foi implementado muito recentemente. Tem uma forma que não é completamente diferente, mas eu diria que é um pouco mais estruturada, organizada e planejada. A relação com as agências e a forma como temos tentado objetivamente avaliar e trazer um pensamento mais cadenciado, com processos mais claros. Sempre tem os dois lados: numa relação com a agência tem o lado mais qualitativo, do dia a dia, do que acontece, da avaliação de campanhas, mas tem também um dado mais objetivo. E não é que não existisse, talvez não fosse tão estruturado nesse analytics e inteligência, de uma forma planejada, cadenciada e com processos mais estruturados. Dentro da área de mídia e comunicação irá ocorrer toda uma implantação de processos de comunicação que também levará o trabalho a ser feito mais homogeneamente. Dependendo da área da empresa, cada um fazia de um jeito. Agora é estruturar isso de uma forma que seja melhor para as próprias agências então em vez de cada um pedir de um jeito, vamos tentar facilitar para todo mundo. Isso foi desenhado e agora em agosto vamos implementar. É fazer funcionar como uma ponte que seja mais clara e estruturada para as agências e melhor para os times de marketing da Natura internamente também. Finalmente, todo o processo de pipeline, de analisar portfólio, passa a ter uma cadência mais clara. Já temos um calendário de quando tudo vai acontecer. Antes, dependendo da demanda não estava bem claro quando acontecia, a avaliação de lançamentos também. Passamos a estruturar muito melhor essas avaliações todas de portfolio e lançamento.
Inovação e sustentabilidade
A Natura tem a sustentabilidade como algo muito profundo. Não é só a entrega financeira, mas a entrega de compensação de carbono, é um compromisso muito verdadeiro. Participamos todas as segundas-feiras de uma reunião que é a Comissão de Produto, onde discutimos todos os lançamentos da companhia e nessas reuniões todas as semanas discutimos sustentabilidade. Em cada projeto de inovação discutimos “também” qual o impacto daquilo para a sustentabilidade. É um trabalho sério, verdadeiro, e muito maior do que a Natura consegue contar sobre o que faz. Eu nunca tinha visto a dimensão disso. É muito bacana! E não necessariamente inovar significa impactar mais. Pelo contrário, porque dentro dos projetos, intrinsecamente nos briefings existe a busca de fazer com menos impacto. De ter ingredientes que impactam menos, de ter embalagens que impactam menos e isso tudo é pensado desde o começo. Embora pareça um paradoxo, é o contrário, a inovação é feita para que a gente seja cada vez mais sustentável.
Cannes
Tirando o termo “criatividade”, que nomeia até o festival, o que ficou mais presente foi tudo que se referiu a tecnologias, seja tecnologia propriamente, seja inteligência artificial, realidade virtual, realidade aumentada, dados. É importante porque não dá mais para fugir; não tem mais ninguém de porte que não esteja fazendo isso. Então, precisamos trabalhar cada vez mais com todas essas fontes de informações e ciências de dados, para clarear, mostrar as oportunidades. É quase o ponto de partida, não dá mais para não ter. O que acho curioso, da própria programação de seminários em Cannes, e era minha expectativa, é como juntar isso com criatividade, com o lado humano, que é onde fica a diferenciação, no final das contas. Porque a tecnologia, esse ponto de vista de dados, de softwares, ou numérico, todo mundo pode ter. Onde é que vai estar a diferença? O segredo parece estar ainda em como conseguirmos juntar o lado humano, que traz um olhar diferenciado, que sabe fazer perguntas. Não adianta um monte de dados se a gente não sabe fazer as perguntas corretas, não colocar um frame analítico, de ver o invisível, aquilo que muitas vezes não é posto pelo número, ler as entrelinhas. E mesmo que a gente consiga conectar os pontos, tem a questão de transformar isso em algo inteligível, que emocione, que é brilhante, para quem a gente está falando também. Porque o risco que corremos é: para quê? Para quem? Para também não ficarmos num discurso autocentrado. Tenho às vezes uma sensação de que estamos pregando para convertidos. Então, a questão é como usamos todo esse arcabouço, com o brilhantismo de criatividade dessa indústria, que é único, para fazer algo de impacto, que se mova rumo a algo com significado para a vida das pessoas para quem trabalhamos no final das contas.
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