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A batalha das marcas contra a desinformação na saúde

Executivas de comunicação do setor falam sobre os impactos da informação falsa e suas estratégias de combate

i 23 de outubro de 2025 - 10h55

Infodemia. Esta palavra consegue sintetizar o contexto atual da comunicação digital, caracterizado pelo excesso de informações disponíveis. Mas nem toda informação é verdadeira, e em meio ao mar de conteúdo, existem ondas de desinformação que propagam inverdades. No âmbito da saúde, o problema é endêmico e adiciona desafios para os profissionais de comunicação e marketing de marcas do setor.

Uma das áreas impactadas são as dos remédios genéricos. “Muitos consumidores não entendem bem a diferença entre medicamentos de referência, similares e genéricos. Então, existe muita desinformação, e fazemos um trabalho ativo para esclarecer e desmistificar o tema. Genérico não é tudo igual: cada um tem diferenças”, afirma Valéria Borghi, head de branding da Medley.

Valéria Borghi, head de branding da Medley (Crédito: Divulgação)

Valéria Borghi, head de branding da Medley (Crédito: Divulgação)

Com a pandemia da Covid-19, a área da saúde foi tomada por uma onda de notícias falsas, principalmente sobre a vacinação e os tratamentos contra a doença. “No Brasil, e até em vários países do mundo, a hesitação vacinal é um problema sério. Estamos, inclusive, na lista dos países com mais crianças não vacinadas do mundo, segundo a Unicef e a OMS”, aponta Márcia Goraieb, diretora de comunicação e responsabilidade social corporativa da Sanofi. Em 2024, o Brasil ocupava a 17º posição entre os 20 países com mais crianças não imunizadas, totalizando 229 mil.

“A poliomielite e o sarampo voltaram, doenças que já tinham sido totalmente erradicadas, porque as pessoas têm medo de se vacinar. Muita gente acredita que vacina pode causar doenças. Na época da Covid, diziam que a vacina matava e teve gente que não tomou por isso”, continua a diretora da Sanofi.

Desinformação e IA

Com o advento da inteligência artificial (IA), este problema tende a piorar. “Ferramentas como o ChatGPT cruzam dados bons e ruins de toda a internet. Existem informações de hospitais de primeira linha, mas também há conteúdo duvidoso”, alerta Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche.

Com a facilidade de acesso à informação via buscadores ou IA, qualquer pessoa pode se autodiagnosticar ou se automedicar apenas consultando as plataformas digitais. “A inteligência artificial, como qualquer ferramenta, tem pontos positivos e negativos. No lado ruim, ela pode gerar desinformação, trazer informações antigas ou incorretas. O famoso ‘doutor Google’ agora virou ‘doutor ChatGPT’: só mudou o local, mas não mudou a forma como as pessoas usam, e isso continua perigoso”, adverte Gabriela Zorzi, diretora executiva de negócios da Publicis Brasil.

Influenciadores e informação falsa

Outro fenômeno associado à disseminação de informações falsas são os influenciadores digitais. “Se o influencer leva a informação correta da forma certa, é uma excelente prestação de serviço. Agora, se leva informação errada, temos prejuízos, inclusive para a saúde das pessoas”, destaca Cinthia Ribeiro, diretora da unidade de negócios OTC da EMS.

“Agora mesmo está na moda influencers lançando enzima de lactase. O problema é o seguinte: pela regulamentação da Anvisa, a dosagem precisa ter 10 mil FCC (Food Chemicals Codex, concentração da enzima lactase em suplementos), que é o ingrediente ativo do produto. Tem influenciador vendendo com 4 ou 5 mil. É mais barato porque tem metade do ingrediente, mas não vai funcionar”, exemplifica Cinthia.

Cinthia Ribeiro, diretora da unidade de negócios OTC da EMS (Crédito: Divulgação)

Cinthia Ribeiro, diretora da unidade de negócios OTC da EMS (Crédito: Divulgação)

Consequências

“A desinformação tem impactos reais. Ela faz com que as pessoas talvez não adotem hábitos de cuidado, porque a saúde é uma jornada e está no nosso dia a dia, na forma como a gente se alimenta, faz atividade física e monitora a saúde”, reflete Andrea Pinheiro, diretora de relações institucionais e comunicação corporativa do Grupo Sabin.

“Quando as pessoas não têm informação clara sobre as consequências de algo para a saúde delas e da família, acabam negligenciando aspectos que poderiam melhorar a qualidade de vida de todos. Isso vale desde vacinas com sazonalidade marcada, como a da gripe no inverno, até outras, como a pneumocócica, que é muito importante para idosos. A gente ainda vê surtos, como aconteceu com meningite no interior de São Paulo”, continua a diretora.

Márcia Goraieb, diretora de comunicação e responsabilidade social corporativa da Sanofi (Crédito: Divulgação)

Márcia Goraieb, diretora de comunicação e responsabilidade social corporativa da Sanofi (Crédito: Divulgação)

Os impactos da desinformação podem ser graves, inclusive com risco de morte. “Ela [desinformação] pode fazer uma pessoa ignorar sinais claros de uma doença, menosprezar sintomas, e até morrer por falta de conhecimento, quando poderia ter tido acesso a tratamento se soubesse o que procurar”, alerta Márcia.

Além dos impactos a nível individual e familiar, a desinformação também causa consequências sociais e gera efeito macro. “A vacina é uma grande aliada da saúde coletiva. Ao se cuidar, você também cuida do outro, porque evita transmitir doenças”, afirma Andrea. “Essa consequência se reflete também na economia, com o absenteísmo e a redução da mão de obra economicamente ativa por doenças que poderiam ter sido prevenidas com imunização”, continua a diretora do Grupo Sabin.

Andrea Pinheiro, diretora de relações institucionais e comunicação corporativa do Grupo Sabin (Crédito: Divulgação)

Andrea Pinheiro, diretora de relações institucionais e comunicação corporativa do Grupo Sabin (Crédito: Divulgação)

O Brasil enfrenta uma crise de baixa imunização infantil. O Anuário VacinaBR 2025 revelou uma queda contínua nas coberturas vacinais infantis a partir de 2015, intensificada após 2020, devido à pandemia de Covid-19. Em 2023, nenhuma das vacinas infantis do calendário nacional atingiu as metas de cobertura estabelecidas pelo Programa Nacional de Imunizações.

Além deste problema, existe também uma alta taxa de evasão para vacinas com múltiplas doses, como a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola). Em alguns estados, esse indicador ultrapassa os 50%, comprometendo a efetividade da imunização e aumentando o risco de reintrodução de doenças controladas. Em 2023, mais de 80% dos brasileiros ainda viviam em áreas que não atingiram as metas do PNI.

Cinthia Ribeiro traz o exemplo de como a desinformação sobre o uso da enzima lactase impacta diretamente a eficácia do produto. “Lacday atua na categoria de enzima de lactase para intolerantes à lactose, um mercado que cresce a taxas de 25 a 28%, muito acima dos 8 a 10% do mercado farmacêutico geral. Fizemos pesquisas qualitativas e quantitativas e descobrimos que há muita desinformação. O médico simplesmente diz para cortar todos os lácteos, o que é uma restrição enorme. O consumidor, sem saber ao certo o que causa o problema, para de ir ao médico e começa a testar por conta própria e acaba na farmácia comprando uma enzima”, conta.

“O mercado cresce porque cada vez mais pessoas se descobrem intolerantes e, ao experimentarem o alívio que a enzima proporciona, passam a usá-la. Só que o uso precisa ser diário: três comprimidos mastigáveis por dia, antes de cada refeição. Mas descobrimos que os consumidores usam de forma esporádica, apenas em ocasiões sociais, como finais de semana ou festas. Por quê? Porque usar todo dia sai caro”, continua.

Como combater?

O caso da Lacday ressalta como a falta de informações pode impactar a eficácia do produto, e uma vez que o cliente não vê resultados, pode parar de usar o medicamento completamente. Parte da responsabilidade dos profissionais de comunicação na área da saúde é identificar os gargalos de informação e desmentir falsidades para promover impacto real sobre a saúde individual e coletiva.

A Medley, por exemplo, reforça, por meio da comunicação, seu compromisso com a ciência para aumentar a credibilidade e reputação da marca.

“Temos um centro de desenvolvimento em Campinas, onde trabalhamos com o mesmo rigor científico dos medicamentos de referência. A única etapa que não fazemos é a descoberta da molécula, mas, a partir daí, todo o processo de desenvolvimento e os padrões de qualidade são os mesmos para genéricos e referência. Essa informação é muito importante, por isso falamos tanto sobre ela, trazendo farmacêuticos para explicar melhor ao público”, destaca Valéria.

“Como combater? Trabalhando com curadores de primeira linha: médicos, especialistas, pacientes com depoimentos reais, sempre com base em ciência e evidências. Essa é a única forma de enfrentar um mal que afasta as pessoas do cuidado certo”, complementa Regina Moura, da Roche.

Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche (Crédito: Divulgação)

Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche (Crédito: Divulgação)

Muitas marcas trazem vozes com credibilidade ou que se conectam com as pessoas para traduzir e amplificar as mensagens. “Quando falamos com um público leigo, usamos celebridades para tornar a mensagem mais próxima. O Rodrigo Hilbert, por exemplo, há anos fala de eficácia em nossas campanhas, e a Fernanda Gentil também trabalha conosco há alguns anos, falando dos produtos. Assim, usamos diferentes estratégias para públicos distintos, sempre com muita ciência como base”, explica Valéria, da Medley.

Para os clientes da Publicis, a agência também usa nomes de referência e especialistas para transmitir suas mensagens por meio da educação midiática. “A gente foca muito na educação: ensinar o público a verificar a informação e checar se o conteúdo é realmente relevante. Acho que essa é a melhor forma de sermos uma fonte crível de informação para os consumidores”, adiciona Gabriela.

Gabriela Zorzi, diretora executiva de negócios da Publicis Brasil (Crédito: Divulgação)

Gabriela Zorzi, diretora executiva de negócios da Publicis Brasil (Crédito: Divulgação)

Outro ponto destacado pelas entrevistadas é a transparência. Para Márcia, da Sanofi, é importante mostrar como funcionam os bastidores da indústria para construir confiança com o cliente.

“Mostramos como é feito todo o processo de pesquisa e desenvolvimento, como são conduzidos os estudos clínicos e a seriedade por trás deles. Existe um trabalho enorme para garantir segurança e eficácia, tudo muito controlado. Por isso, acredito que precisamos fazer um trabalho de educação muito maior. Devemos combater a desinformação com informação clara, confiável, baseada em evidências científicas, sobre todos os produtos, vacinas e imunizantes”, afirma.

Para a diretora, o letramento em saúde é a chave para combater a desinformação. “É essencial para que qualquer pessoa, independentemente do nível de acesso à informação, consiga compreender melhor os temas relacionados à saúde, saiba prevenir doenças e, principalmente, saiba onde buscar ajuda”, conclui.