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Licença paternidade estendida reconfigura definições de parentalidade nas empresas

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Licença paternidade estendida reconfigura definições de parentalidade nas empresas

Organizações que adotam a política reforçam seu compromisso com a equidade de gênero e relatam benefícios para pais, mães, crianças e para a própria empresa


18 de agosto de 2023 - 13h56

(Crédito: Malchevska/Shutterstock)

A economia do cuidado engloba todas as tarefas que envolvem o cuidado com a casa, filhos e familiares, como dar banho, faxinar, cozinhar, educar, entre tantos outros. De acordo com a Think Olga, no Brasil, as mulheres gastam em média mais de 61 horas por semana em trabalhos de cuidados não remunerados. Um esforço equivalente a 11% do PIB brasileiro, de acordo com o estudo, exercido majoritariamente por mulheres

Elas dedicam 3,2 vezes mais tempo do que os homens em trabalhos de cuidado, totalizando 4 horas e 25 minutos por dia. Os homens, por sua vez, dedicam apenas 1 hora e 23 minutos, segundo o Guia Liderança Pró-Paternidade, da Filhos no Currículo, consultoria de transformação cultural para tornar as empresas melhores lugares para profissionais com filhos trabalharem. Dinheiro e tempo que não retornam para essas mulheres, mas que são as principais agentes de uma atividade que é essencial para a sustentação da sociedade. 

A fim de diminuir a sobrecarga de trabalho e as desigualdades de gênero, algumas empresas começaram a rever as políticas de licença parental e ampliaram o tempo da licença paternidade para além dos cinco dias prescritos pela lei. Outras já discutem a implementação da licença universal, igualando o tempo de afastamento para todos os colaboradores, sendo o Grupo Boticário um dos pioneiros deste movimento. 

Para o Dia dos Pais deste ano, a marca de cosméticos lançou a campanha “Instinto Paterno”, criada pela AlmapBBDO, que destaca a importância do envolvimento dos homens na criação dos filhos, sob o mote “até quando vamos achar que 5 dias são suficientes?”. Desde 2021, o Grupo Boticário oferece licença de 120 dias para homens (cis e trans), casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneos e licença de 180 dias para mães ou pessoas que gestam. 

Como forma de ampliar a discussão sobre a parentalidade, o Grupo Boticário ainda convidou o Nubank, Volvo Car Brasil e as instituições 4Daddy, Filhos no Currículo, Instituto Promundo, Maternidade nas Empresas e Escola de Super Pais por Marcos Piangers para a criação do Guia de Boas Práticas para a Implementação da Licença Parental em Empresas.

A medida serve de incentivo para que os homens estejam mais presentes e ativos na criação de seus filhos, e claro, na divisão dos trabalhos de cuidado. “Investir e oferecer um espaço para uma paternidade protagonista, é uma ação de impacto social, que vai impactar inclusive a nova geração de futuros adultos que vão depois adentrar no mercado de trabalho”, reflete Michelle Terni, Cofundadora da Filhos no Currículo.

Empresas com licença paternidade estendida

“A licença parental é uma ferramenta relevante no fomento da co-parentalidade, uma vez que estimula que pais e mães dividam a liderança e se apoiem nos seus papéis de parentalidade, equilibrando, por exemplo, a responsabilidade feminina e contribuindo para a igualdade de condições de carreira entre homens e mulheres (cis e transgêneros) no mercado de trabalho”, descreve Fabiana de Freitas, vice-presidente Jurídica, Compliance, ESG, Assuntos Institucionais e Comunicação do Grupo Boticário.

Uma das signatárias do movimento em prol da licença parental, liderada pelo Grupo Boticário, a Volvo Car também oferece a licença parentalidade global de 24 semanas, 180 dias para todos os gêneros, com 80% do salário base. Da mesma forma, a Cielo também oferece um programa de apoio a pais e mães, incluindo a licença paternidade estendida de 20 dias, bem como licença adotiva e auxílio creche até os dois anos de idade.

Benefícios para todos

Michelle Terni e Camila Antunes, fundadoras da Filhos no Currículo (Crédito: Patrícia Canola)

Michelle Terni e Camila Antunes, fundadoras da Filhos no Currículo (Crédito: Patrícia Canola)

“Existe uma relação entre a paternidade protagonista e indicadores de equidade de gênero. Sabemos que existe o desafio da mulher retomar sua carreira depois dos filhos, mas quando o pai ocupa o seu lugar, essa mãe também pode ocupar o seu lugar profissional”, destaca Michelle Terni. Além de promover maior equidade na divisão do trabalho de cuidado nas famílias, a licença paternidade estendida oferece uma gama de benefícios para os colaboradores, as crianças e também para as empresas.

“Entre os benefícios do programa estão a promoção de um tempo de qualidade, que impulsiona a criação de afeto e formação de vínculos familiares, promove a corresponsabilidade no cuidado com a criança, incentiva a equidade de gênero, aumenta a satisfação, o engajamento e reduz a rotatividade de colaboradores, além de fortalecer a reputação da empresa e as práticas de Diversidade e Inclusão”, afirma Fabiana de Freitas, do Grupo Boticário.

A presença paterna é fundamental para o desenvolvimento dos filhos e, inclusive, está relacionada a baixas taxas de depressão, ansiedade e transtornos mentais nas crianças, além de favorecer o desenvolvimento de suas habilidades sociais, empatia e capacidade de expressão de emoções, explica o guia Liderança Pró-Paternidade, da Filhos no Currículo. O ganho também é dos pais, que adquirem novas habilidades importantes para o seu currículo quando se torna uma figura paterna ativa.

“Ao criar uma criança, estamos diante de um laboratório de desenvolvimento pessoal, um laboratório de inovação que devolve para a nossa carreira toda essa potência”, defende Terni. Nesse mesmo sentido, existe um movimento para ampliar a discussão e falar sobre licença parentalidade, independente do papel de gênero da pessoa colaboradora, dessa forma, inclui-se famílias homoafetivas e filhos adotivos. “Como consequência, muda-se a percepção de que filho não é barreira e sim potência na vida de qualquer pessoa. E se o ônus é dos dois, o bônus também é dos dois”, continua Terni.

Do lado das empresas, há relatos de aumento dos níveis de satisfação, produtividade e avanço na agenda ESG como os principais resultados positivos. “Além de uma política global mais inclusiva e um aumento na produtividade e engajamento dos nossos colaboradores, consideramos a participação dos pais e a adaptação da rotina de família pontos extremamente positivos com o uso da licença parental”, relata Eliane Trinca, Diretora de People Experience e Responsabilidade Social da Volvo Car América Latina.

A medida impacta diretamente a reputação da empresa, agrega valor à área de recursos humanos, de forma a atrair e reter mais talentos. “Para a empresa, o retorno é o alto nível de satisfação dos pais quando voltam ao trabalho, o que também pode impactar na redução do turnover de pais com filhos recém-nascidos”, reflete Angélica Campos, Superintendente executiva de gente, gestão e performance da Cielo. “A iniciativa reforça o nosso compromisso com o bem-estar do colaborador. Vemos que o zelo pelos profissionais é um diferencial que atrai e retém talentos”, continua.

O benefício, além de aumentar KPIs importantes, também reflete em todos os níveis da organização de forma mais estrutural, moldando a cultura do lugar. “A licença paternidade promove uma mudança cultural ao incentivar os pais a estarem mais envolvidos na vida familiar desde o início. Tudo isso permite que construamos uma base para uma sociedade mais equitativa, onde as expectativas de gênero são desafiadas e todos têm a liberdade de escolher como desejam contribuir para suas famílias e carreiras, sem restrições baseadas no gênero”, explica a superintendente da Cielo.

O passo a passo para a adoção dessa prática

Fabiana de Freitas, vice-presidente de Jurídico, Compliance, ESG, Assuntos Institucionais e Comunicação do Grupo Boticário (Crédito: Divulgação)

A nova política tem conquistado cada vez mais empresas, mas ainda existem desafios para implementar uma medida como essa. “É importante salientar que não há uma única prática ou modelo para a implementação da licença parental. Cada empresa tem a opção de fazer do seu jeito, adequado ao seu negócio e à sua cultura”, frisa a VP do Grupo Boticário. Por isso, o movimento liderado pela organização pretende inspirar para que mais empresas adotem a licença estendida e recomenda algumas ações para sua implementação.

Primeiramente, a empresa precisa realizar um censo para entender sua composição demográfica e traçar perfis para os colaboradores. Logo, o guia reforça a importância da criação de um grupo de trabalho multidisciplinar, envolvendo as áreas de Recursos Humanos, Jurídico, Diversidade, Compliance, Saúde, Cultura, Benefícios e demais setores para desenvolver um plano de implementação. Nesse contexto, também é interessante incorporar a visão de Grupos de Afinidade com figuras parentais para a construção da política.

O grupo de trabalho, portanto, deve “fazer um levantamento do que será necessário para a implementação em cada área envolvida, levando em consideração a cultura da empresa e os recursos financeiros e observando os critérios já previstos em lei”, reforça Fabiana, VP do Grupo Boticário. Com um plano estruturado e aprovado, o próximo passo é a implementação e a comunicação do novo benefício. Nesse plano de comunicação, a empresa deve ser muito transparente e informar sobre o objetivo da licença, o modo de funcionamento, a elegibilidade e deixar um canal de diálogo aberto para esclarecer dúvidas. 

Na fase de acompanhamento, a empresa precisa seguir os casos de adoção da licença, continuar com seu plano de comunicação e também implementar outros recursos de apoio, principalmente psicológico para os colaboradores no período de saída, permanência e retorno da licença parental.

Papel das lideranças

Um ponto muito importante é o letramento das lideranças. “Eu bato nessa tecla porque o letramento das lideranças é chave. Isso inclui treinamento de desconstrução de vieses, recrutamento empático e ações afirmativas de seleção. Quando falamos de equidade de gênero, precisamos trazer mais mães para as posições, lançando posições afirmativas para que essa mulher possa retomar a sua carreira depois dos filhos”, afirma Michelle Terni.

Neste processo de implantação da política, as lideranças tornam-se peças-chaves para a mudança cultural. “Se a gente não tiver o apoio da alta liderança, essa política vai morar no papel. A figura da liderança é a forma de traduzi-la. É a pessoa que vai autorizar que a equipe faça o mesmo”, explica Terni.  

Em sua atuação, a fundadora da Filhos no Currículo ainda vê casos em que existe muito receio entre os colaboradores de adotarem a licença paternidade estendida. “Por que nenhum pai tira? Será que pega bem tirar? O que o meu colega vai pensar quando eu tirar? O que vai acontecer com o meu bônus no final do ano quando eu tirar?”, são alguns dos questionamentos que surgem nesse momento, conta a consultora. A liderança pelo exemplo, logo, se torna essencial para o sucesso do benefício.

Políticas acessórias

Angélica Campos, Superintendente executiva de gente, gestão e performance da Cielo (Crédito: Divulgação)

Angélica Campos, Superintendente executiva de gente, gestão e performance da Cielo (Crédito: Divulgação)

Outra recomendação para a implementação desta licença é a adoção de outras políticas que apoiem os pais e mães ou que contribuam para a mudança de cultura necessária para a normalização da paternidade ativa e protagonista. Além de um censo para entender as dores e necessidades desses pais e mães, a consultora Michelle Terni também sugere uma revisão dos benefícios de forma a torná-los isonômicos, ou seja, que contemplem todos os gêneros. Um exemplo disso é a oferta de auxílio creche também para os colaboradores pais.

Ambas as empresas, Grupo Boticário e Cielo, oferecem programas de apoio e suporte à saúde de pais e mães no período do pré-natal até o pós-parto. São políticas como essas que fomentam um ambiente inclusivo e acolhedor para que homens e mulheres compartilhem as responsabilidades da criação. Benefícios como apoio psicológico também se tornam essenciais neste momento, assim como a oferta de auxílio creche ou babá. Ademais, as organizações também promovem rodas de conversa, grupos de afinidades e campanhas em datas comemorativas para discutir temas relacionados à parentalidade. 

Na contramão de outras empresas que estão retornando ao escritório, a Volvo Car mantém o trabalho remoto, “que proporciona menos tempo gasto em deslocamentos e melhor aproveitamento nas atividades e rotina de família”, destaca Eliane Trinca, Diretora da Volvo. Em seu guia Liderança Pró-Paternidade, a Filhos no Currículo também ressalta as vantagens que a flexibilidade de horários e o modelo home-office podem oferecer para os pais e mães. 

“Como consultora, tenho visto um movimento para desassociar a pauta da equidade sendo apenas da mulher e trazer esse assunto para a família, e entender que filhos é um cuidado e uma corresponsabilidade das suas figuras de cuidado, e que isso vai ser determinante para termos um ambiente de equidade de gênero. Então, esses benefícios associados à paternidade protagonista, a partir da política emblemática que é a licença paternidade, traduz o protagonismo paterno na prática dentro das empresas”, conclui Michelle Terni. 

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