Assinar

Cannes Lions

16 a 20 de junho de 2025 | Cannes França
Diário de Cannes

A maratona secreta das grandes ideias

Cannes é assim: do funil à peneira. Da peneira ao crivo. Do crivo ao filtro. Do filtro à prateleira da história


18 de junho de 2025 - 15h08

Acompanhar Cannes como espectador é uma coisa. Inscrever trabalhos no festival é outra completamente diferente. É como assistir a uma maratona pela TV e, de repente, decidir correr a prova, descalço, em terreno acidentado e sob o sol do meio-dia. Só aí se percebe o que realmente significa conquistar um Leão.

O que está por trás de um Leão de Ouro é uma sucessão de provações que começa muito antes do festival, ainda na rotina das agências, quando uma boa ideia surge numa reunião comum, em meio a dezenas de outras. E só de conseguir colocar uma dessas ideias de pé, já estamos falando de um feito. Porque, sejamos honestos: fazer algo bom é difícil. Fazer algo que passe pelo cliente sem ser diluído é ainda mais. E fazer com que essa mesma ideia vá para a rua com qualidade, relevância e resultado? Isso é quase épico.

Criar algo memorável não tem atalho. Quem trabalha com criatividade sabe que não existe mágica, só muita tentativa, erro, negociação e insistência.

Muitas vezes, defender uma boa ideia é um ato de coragem, porque é mais fácil recuar do que insistir. Especialmente quando surgem os ajustes que ameaçam matar a essência do projeto. Defender uma ideia até o fim é, quase sempre, um ato de fé.

Mas mesmo quando a campanha vai ao ar, linda e bem produzida, o caminho até Cannes está só começando. O que pouca gente conta é que, depois de toda essa entrega, vem um novo projeto: o case. E isso exige outra energia, outro olhar, outro tipo de criatividade. Porque transformar uma campanha em um case competitivo não é apenas contar o que foi feito, é transformar resultado em narrativa, dados em emoção, estratégia em storytelling.

Nesse momento, não basta ter sido bom. É preciso provar que foi. E provar com o melhor craft possível.

A defesa de uma ideia para Cannes é uma disciplina à parte. É preciso brilhar em cada frame do vídeo, em cada palavra do copy, em cada slide do board. E aí entram mais filtros: verba para inscrição, escolha de categorias estratégicas, filme demonstrativo, prazos, logística… tudo isso.

Não se trata apenas de ter feito algo bom, mas de conseguir inscrevê-lo de maneira brilhante, estratégica e, acima de tudo, viável.

Se a ideia sobrevive a tudo isso — criação, aprovação, produção, performance, formatação, orçamento —, ela entra para a disputa. Mas aí começa a verdadeira peneira. Centenas, às vezes milhares de peças se inscrevem em uma única categoria. Pouquíssimas viram shortlist. Menos ainda ganham Leão. Dos Leões, poucos são de Ouro. E de cada Ouro, um só vira Grand Prix.

É um recorte quase microscópico. E, mesmo assim, seguimos tentando.

Porque Cannes é isso: um misto de obsessão e admiração. Dá uma raiva boa de quem ganha sempre e um certo consolo saber que aquilo ali é raro, mesmo para quem está habituado a vencer.

Mas também é preciso reconhecer que só o fato de inscrever um trabalho em Cannes já é uma conquista monumental. Segundo dados compartilhados por Anselmo Ramos, apenas 0,06% das agências do mundo se inscrevem no festival. Isso diz muito.

Cannes não é sobre prêmios. É sobre processos. É sobre ter coragem de passar por todos os filtros, do dia a dia à vitrine global e, ainda assim, seguir inspirado. É sobre celebrar a sobrevivência das ideias em um ambiente que, muitas vezes, sufoca a criatividade com medo, pressa ou comodismo.

É claro que ganhar é bom. Mas talvez mais importante do que vencer seja lembrar por que continuamos competindo. Porque Cannes termina todo ano, mas a vontade de contar boas histórias, de emocionar com insights, de fazer diferente… essa não termina nunca.

Então, se você ganhou, celebre. Comemore como quem chegou ao topo do Everest, porque é isso que é. E, se não ganhou, abrace essa experiência como parte do ciclo. Inspire-se. Comece tudo de novo. Porque é isso que todo mundo faz quando Cannes acaba. Até quem venceu.

E, acima de tudo, bora comemorar o simples e maravilhoso fato de sermos o Brasil: o país criativo do ano no maior festival de criatividade do planeta.

Publicidade

Compartilhe

Veja também