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“A favela venceu?” Para quantos — e até onde?

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Cannes Lions

16 a 20 de junho de 2025 | Cannes França
Diário de Cannes

“A favela venceu?” Para quantos — e até onde?

O Brasil é celebrado em Cannes, mas a ausência das favelas nas campanhas premiadas revela o quanto ainda falta para sermos realmente plurais


18 de junho de 2025 - 10h00

Cannes Lions 2025 está repleto de sotaque brasileiro e não é força de expressão. O país é o homenageado do ano, com destaque nos painéis, nos encontros de negócios, nas festas e até nas ruas.

Ontem, o bloco do Baixo Augusta arrastou criativos, executivos e curiosos pela Croisette com muito samba, confete e energia – um carnaval fora de época que deixou claro: a criatividade brasileira tem, sim, muito a celebrar.

Diversidade e inclusão também são temas que aparecem com força na programação. O feminino está em alta: o evento “More Girls”, promovido pelo TikTok, dobrou de tamanho em relação ao ano passado.

E iniciativas como a do coletivo Publicitárias.org trouxeram experiências relevantes e provocadoras. Participei do workshop “D.E.I.

Challenge: Põe suas ideias à prova”, que nos convidou a enxergar a comunicação a partir de múltiplas lentes – de gênero, raça, classe, identidade — e a repensar como nossas campanhas podem (e devem) ser mais inclusivas.

A proposta era simples e poderosa: usar as cartas de perspectiva para identificar vieses e transformar o jeito como criamos.

Não para “evitar erros”, mas para construir marcas mais verdadeiras, mais conectadas com o público e mais preparadas para o futuro. Porque DEI não é só sobre fazer o certo, é sobre fazer bem-feito.

Justamente por isso ficou impossível ignorar o que não está aqui. A favela, território de grande criatividade, cultura e economia, não aparece como protagonista nas campanhas premiadas até agora.

Nos últimos anos, vimos a estética e as narrativas da favela ganharem o palco de Cannes. Em 2025, esse protagonismo desapareceu.

E talvez estejamos diante de um equívoco coletivo: a ideia de que “a favela venceu”. Essa expressão virou símbolo de conquistas reais e importantes, que merecem ser celebradas. Contudo, ela também pode ter criado um efeito colateral.

O mercado, que muitas vezes olha de fora, pode ter comprado essa frase como uma conclusão e não como um começo.

Como se bastasse uma ou outra exceção de sucesso para resolver séculos de desigualdade, exclusão e invisibilidade.

A favela pode até ter vencido por alguns, mas ainda falta muito para vencermos como coletivo. E, num festival que celebra o Brasil, deixar de fora essa parte fundamental do país é um erro estratégico e simbólico.

Enquanto isso, a Índia brilha. Já são 12 prêmios conquistados, incluindo ouros em Outdoor e Print, e uma presença sólida em quase todas as categorias.

A campanha “Lucky Yatra”, da FCB para o Indian Railways, é um exemplo de como transformar cultura local em criatividade premiada globalmente. A Índia mostra que não há contradição entre raiz e excelência. Pelo contrário, é aí que mora o ouro.

Cannes 2025 é, sim, um marco para o Brasil. Porém ainda não é o marco da favela. Ainda não é o marco da real diversidade criativa do país.

Se queremos seguir ocupando esse palco com verdade, é preciso trazer todos os Brasis com a gente, inclusive (e especialmente) aquele que segue sendo criativo mesmo quando não está sob os holofotes.

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